A vó das dores vivia sozinha.
Costumava dizer que os filhos deviam ter suas próprias casas e cuidar da
própria vida. Claro que todos eles, inclusive os pais de Lu, estavam sempre por
perto cuidando da mãe. Mas ninguém ousava contrariar a bondosa senhora em seu
desejo de viver em sua própria casa, sozinha. Lu não conheceu seu avô.
A garota tinha um jeitinho um
pouco diferente de suas amiguinhas, ao contrário da maioria das meninas do sul
do Brasil ela tinha uma pele morena, tipo jambo e o cabelo mais pretinho que
uma jabuticaba. Seus olhos eram tão escuros quanto os cabelos, mas quase sempre
estavam iluminados e brilhantes. A vó das dores falava que isso era a alminha
curiosa da neta que brilhava toda vez que ela aprendia coisas novas, e Lu,
adorava aprender o tempo todo. Por isso, as sextas-feiras eram especiais. Era
certo que a avó das dores ia contar um monte de histórias novas para ela.
_ Vovó? – chamou Lu na porta
da casa da avó.
Era só chamar que “das dores”
aparecia como um raio na porta para receber a neta com uma chuva de beijos. Tão
rápido que Lu chegava a duvidar que sua avó não conhecia alguma mágica que
sempre a deixava em plena forma física. A senhora respondia que essa mágica era
o amor que ela tinha pela neta.
Mas hoje algo diferente estava
acontecendo. Lu teve que chamar a avó mais uma vez, outra e mais uma ainda. E
ela não apareceu, nem mesmo devagar como a maioria das velhinhas costumava
fazer. Lu decidiu entrar! Passando pela sala, subiu as escadas e chegou no
quarto da avó com o coração batendo a toda força...mais de preocupação do que
pela corrida.
_ Oi Lu – respondeu dona das
dores que estava deitada na cama.
_ Vovó. O que aconteceu? Você
está doente? Por que seus olhos estão tão grandes? Por que seu nariz está tão
vermelho?
_ Não é nada, meu bem. Só
peguei um resfriado daqueles! Mas já, já, vou levantar. Preciso cuidar das
coisas.
_ Nem pensar. Hoje você vai
ficar aqui na cama. Pode deixar que eu te ajudo na casa.
_ A casa não é problema, meu
bem.
_ Acontece que amanhã é vinte
e seis de março e você sabe que em nossa família essa ocasião é especial. Eu sempre
faço um almoço para todos.
_ Bem, vovó. Ainda sou pequena
para fazer o almoço sozinha. Mas posso chamar a mamãe.
_ Não, Lu. Sua mãe já tem
muita coisa para fazer. Deixe ela lá. Além disso, minha filha, o problema não é
fazer o almoço. Acontece que eu não tenho os principais ingredientes e tenho que
comprá-los.
_ Isso eu posso fazer. Mamãe
me pede para comprar coisas em frente de casa.
_ Mas você nunca foi onde eu
preciso ir hoje, Lu.
_ Por que? Tem que pegar
ônibus? Eu já vou para a escola sozinha de ônibus.
_ Eu sei disso, querida. Mas o
lugar que eu preciso ir é muito perigoso para uma menina como você! Não posso
deixar você ir lá, não sozinha. Não sei o que fazer...se eu pudesse levantar da
cama. Acho que terei que deixar de comemorar a data especial esse ano, a
primeira vez em 50 anos!
_ Nossa, vó! Onde é esse lugar tão perigoso? Meu pai fala
para tomar cuidado nas ruas, pois existem muitos perigos e mesmo assim me deixa
passear sozinha! Esse lugar que você vai comprar as coisas não pode ser tão
terrível assim!
_ Mas é minha filha. Quando
você sai das ruas o perigo não te acompanha. Esse lugar é bem mais perigoso,
pois o perigo que ele representa te acompanha mesmo quando você sai de lá. E te
acompanha, muitas vezes, para o resto da vida!!! Não posso te deixar ir lá
sozinha, você ainda não está pronta! A não ser que...não mesmo assim é muito
arriscado.
_ Nossa! Quanto mistério! Vó,
você está me assustando. Parece minha amiga a Ana Luiza que faz o maior
mistério para contar qualquer coisa.
_ Desculpe, Lu. Não quero te
assustar. Mas é que se trata de algo muito sério! A questão é: deixo ou não
você ir ao supermercado comprar as coisas para o almoço?
_ É isso? Vó, todas minhas
amigas vão ao supermercado com os pais. E elas nunca tiveram problema. É
verdade que mamãe ou papai nunca me levaram ao supermercado. Mas acho que foi
porque eles não tiveram tempo.
_ Não foi por falta de tempo
minha querida. Eles não te levaram até lá ainda porque combinamos assim. O
supermercado e um lugar que você só deve ir quando estiver pronta ou a
influência que ele terá sobre você vai ser muito ruim.
_ Quer dizer que minhas amigas
não estavam prontas para ir lá? E foram? Mas eu não vejo nada de diferente nelas
mesmo elas indo lá.
_ Um dos efeitos do
supermercado é justamente mudar você, mas de uma forma tão disfarçada que isso
só vai aparecendo ao longo da sua vida. No seu dia-a-dia nos seus hábitos.
Nessa família todos concordamos que nas primeiras vezes que você fosse ao
supermercado precisaria estar muito bem vigiada para não sofrer as influências
negativas dele. Você iria comigo, Lu. Eu te protegeria e ensinaria os perigos
ao mesmo tempo. Assim, um dia você poderia fazer o mesmo com seus filhos. É por
isso que não posso permitir que vá sozinha. É melhor não quebrar a tradição da
família.
_ Mas vovó. Há pouco você
disse que eu não poderia ir “a não ser que...”. Não tão ninguém mais que possa
ir comigo?
_ Na verdade tem, minha filha.
Mas não é uma pessoa. É um objeto mágico que essa família guarda há muito
tempo, muito mesmo. Um parente seu chamado Sargon II foi quem descobriu esse
tesouro.
_ Ele era seu pai?
_ De certa forma sim, Lu. Mas
quando te digo muito tempo...não sei se alguém da sua idade consegue entender o
que são 4000 anos! Então posso dizer que nós duas somos parentes muito
distantes dele. Mas o importante foi o que ele deixou para a gente, o Lamassu.
_ O que é Lamassu?
_ Espere que vou te mostrar.
Está ali naquela caixa. Você pode apanhá-la para mim?
Lu, levantou-se e foi para o
outro canto quarto. Ela já tinha reparado naquela bela caixinha de metal
amarelado, cobre segundo a avó, mas nunca tinha tido a curiosidade de ver o que
tinha dentro dela. A caixa era bem mais leve do que parecia e Lu a entregou
para sua avó.
_ Olhe – disse Maria das dores
mostrando uma pequena estátua que estava dentro da caixinha de metal. Eis o
Lamassu.
O tal Lamassu era tão
esquisito quanto seu nome. Como descrevê-lo? Ele era do tamanho de um poodle,
desses pequenininhos que Lu sempre quis ter e sua mãe não deixava dizendo que
era preciso responsabilidade para cuidar de um. Mas a forma dele não era de
nenhum bichinho desse mundo. Tinha asas de pássaro, patas de vaca, peito forte
como o de um leão e cabeça de homem!
_ Nossa vó! Que coisa mais
estranha esse Lamassu! Como é que ele pode me ajudar com as compras no
supermercado.
_ Ele não é uma estátua comum,
Lu. Por isso, pode nos ajudar com nossos problemas.
_ Como na história da lâmpada
do Aladim? Puxa!
_ Não, Lu. A lâmpada do Aladim
pode fazer qualquer coisa menos uma que o Lamassu faz. A mais importante de
todas.
_ E o que pode ser mais
importante do que ter todas as coisas que se deseja, vovó?
_ Saber escolher as coisas
certas, minha filha. Muitas das coisas que queremos a todo custo perdem a graça
assim que as conseguimos.
_ É verdade já quis muito uma
boneca, mas quando a ganhei ela ficou sem graça em poucos dias. Por que isso
acontece vovó?
_ Por que seu desejo não era
verdadeiro, vindo direto do seu coração. Por isso logo a boneca perdeu o
encanto. Ela não era importante de verdade. O Lamassu te ajuda a escolher
coisas que você realmente precisa, aquelas que seu coração precisa e que ao
conseguí-las você sempre será feliz.
_ Mas o que isso tem haver com ir ao supermercado,
vó?
_ Tudo minha filha! O perigo
lá está justamente em não saber escolher entre o que realmente se quer e
precisa, daquilo que nos fazem acreditar que queremos e precisamos. O que estou
te dizendo é que lá, se você não souber enxergar as coisas como ela são vai
acabar tendo problemas.
_
Que tipos de problemas, vó?
_ O tipo que vai te deixar
doente e infeliz para o resto da vida, meu bem.
_ Mas como esse Lamassu vai me
ajudar? Onde eu ligo ele?
_Ele não é uma máquina meu
bem, é um objeto mágico. E só os parentes de Sargon II conseguem usar sua
mágica. Venha até aqui. Segure-o em suas mãos. Pronto!
_ Pronto o quê? Não aconteceu
nada!
_ Oh, sim. Que cabeça a minha.
Deve ser o resfriado. Você tem quer dizer atchim...
_ Atchim! Não aconteceu nada!
_ Esse foi só um espirro, Lu.
O que você precisa dizer é: “liberdade”. Sargon escolheu essa palavra porque
ele acreditava que saber escolher o que realmente é importante nos deixa livres
para uma vida feliz.
_ Vou tentar. Liberdade!
Por alguns segundos nada aconteceu.
De repente Lu deu um grito tal foi o susto que tomou. Além dela e da vó das
dores o quarto tinha três novos ocupantes, três animais. Por sinal, enormes e
assustadores.
_ Não tenha medo, meu bem.
Eles estão aqui para te proteger.
Um dos animais era um pássaro
todo marrom e pescoço branco. Tinha um olhar aguçado e garras afiadíssimas. O
segundo animal era um leão, tão grande que Lu não sabia como ele podia caber no
pequeno quarto. E por último havia um boi, tão grande quanto o leão.
_ Lu, esses três animais
combinados é que formam o Lamassu. Cada um deles representa uma característica
importante das pessoas. A águia representa o pensar. O leão vai te ajudar com
as emoções e o boi representa nossos impulsos e desejos. Para que o Lamassu
possa te ajudar você precisa ouvir sempre a opinião dos três animais sobre o
problema em questão. Então, analisar todos os pontos de vista e tomar a decisão
que você achar mais correta.
_ Mas, vovó, pensei que eles
fossem escolher as coisas por mim. Assim, é bem mais fácil. Se eu tiver que
tomar a decisão eles não vão me ajudar em nada! Só vão me confundir.
_ Não se preocupe, Lu. O Lamassu nos
ajuda faz milhares de anos. No começo é um pouco difícil lidar com eles, mas
com o tempo as coisas ficam mais fáceis. Esses animais não podem tomar a
decisão por você, o que eles fazem é te mostrar um problema de diferentes
maneiras...Mas a decisão final sempre é da pessoa.
_ Vó, como vou entrar no
supermercado com esses bichos enormes? Todo mundo vai correr de lá!
_ Lu, não fique preocupada.
Ninguém, além de você poderá vê-los. E tome cuidado com o que diz, eles ouvem
tudo. O leão em particular é muito sensível.
_ E como vou falar com eles?
Animais não falam!
_ Minha filha, animais também
não saem de estátuas de 4000 mil anos. Mas quando são animais mágicos, esses
falam! Por que não se apresenta para eles?
_ Olá pessoal!
_ Oi Lu – responderam os três
em coro!
_ Como vocês sabem meu nome?
Eu ainda nem me apresentei!
_ Desculpe, somos animais
mágicos. Sabemos tudo – respondeu a calma águia.
_ Minha querida, não se
preocupe. Com os três e mais isso aqui você irá ao supermercado sem problemas.
_ O que é isso? Ah, uma lista
de compras!
_ Escute muito bem minha
filha. Você não deve ficar andando sem rumo dentro do supermercado. Vá direto
aonde estão os itens da lista e qualquer dúvida pergunte aos três animais. Você
não vai ter problemas porque as coisas que precisa comprar já estão escritas aí.
Não se desvie dela, nem preste atenção a nada que te ofereçam e não esteja
escrito. Você promete?
_ Sim, vovó. Eu prometo.
_ Então vá, minha filha! Desde
que você era um bebê eu sabia que você era muito especial. Tinha muita mágica
mesmo você não sabendo e sendo uma menininha tímida. Agora chegou a hora de
você representar a mágica da família. Se alguém pode conseguir isso é você.
_ Está bem, vovó. Eu vou. Ei
vocês três! Vamos nessa!
_ Ei, por que ela não me chama
pelo nome, Leãonardo? – perguntou o leão.
_ Acho que é por que você não
disse seu nome – respondeu a esperta águia. Ela não é mágica como nós para
adivinhar as coisas.
_ Aonde vamos, Aguianaldo? –
perguntou o Boi para a águia.
_ A um lugar chamado supermercado,
Pit. Pelo que a Das Dores falou, é um lugar onde se obtém comida.
_ Ai meu Deus que fome! Faz
uns mil anos que não como!
_ Ei, vocês vamos – gritou
novamente Lu já saindo pela porta da frente da casa.
_ Vamos, não podemos perdê-la
de vista. Temos que protegê-la – disse o corajoso Leãonardo.
E lá se foram os quatro para o
supermercado da esquina. A vó das dores ficou confiante de que tudo daria
certo. Acontece que a fraqueza provocada pelo resfriado, mais a emoção de
deixar a neta ir sozinha num lugar tão perigoso fez com que ela cometesse um
terrível erro! Um erro que iria colocar Lu em grandes apuros!
Há alguns metros da casa da vó
das dores estava uma enorme construção que ocupava vários quarteirões de lado a
lado. Parecia que todos os carros da cidade cabiam em seu estacionamento, pelo
menos na cabeça da Lu. Talvez sua avó tivesse tido que o supermercado era
perigoso porque Lu poderia perder-se lá de tal grande o local. Até agora, Lu
não tinha sentido nada. Mas as palavras de alerta de sua vó e estar frente a
frente com um local tão grande fez com que seu coração disparasse feito o liquidificador
de sua mãe fazendo vitamina de abacate. Lu percebeu que estava com medo. E se
ela nunca mais saísse daquele lugar enorme? Seus pais não iam naquele
supermercado. E agora? O que fazer? Lu sabia que sua avó dependia dela e teria
que confiar que os animais iriam protegê-la. Ela decidiu atravessar a rua e
entrar.
_ Vamos – disse aos três.
_ Essa Lu não é muito
simpática, não é? – disse o Pit.
_ Não seja bobo – respondeu
Leãonardo. Ela está com medo, só isso.
_ E como você sabe? –
perguntou Aguianaldo.
_ Apenas sinto – respondeu
Leãonardo. Mas não me pergunte como Aguianaldo. É algo do coração, não do
pensamento.
_ Está certo – respondeu a
águia. Vamos entrar a menina já está quase lá.
A um metro da porta de vidro
essa se abriu sozinha. Lu fechou o olho e entrou. Quando olhou para os lados,
Aguianaldo, Leãonardo e Pit estavam lá.
_ Ei eu não vi vocês entrando
pela porta – disse a menina num susto.
_ Seres mágicos não precisam
de porta – respondeu Pit.
_ Lu, acho melhor você lembrar
que ninguém mais aqui, exceto você, pode nos ver – disse Aguianaldo.
_ E o que tem isso, demais? –
perguntou a menina.
_ Bem, é que para todo mundo
você estará falando sozinha entende? Adultos não gostam quando falamos
sozinhos. Para eles esse tipo de imaginação é sinal de loucura.
_ Está bem, vou prestar
atenção. Mas só para não chamar atenção e não ser incomodada por ninguém. Não ligo
de acharem que sou louca. O importante é que eu sei que vocês estão aqui
comigo.
_ Aí, falou com o coração
agora – disse Leãonardo visivelmente emocionado.
_ Ei mocinha, aonde pensa que
vai? – disse um elegantemente homem vestido de terno preto.
Meio assustada Lu voltou-se
para o homem.
_ Vou comprar algumas coisas
que minha vó pediu. Por que? Estou fazendo algo errado?
_ Claro que está – respondeu o
homem elegante. Não viu a placa?
_ Que placa?
_ Aquela ali – disse o homem
apontando para uma placa a alguns metros atrás de Lu.
A placa dizia “É proibida a
entrada de animais”.
_ Que animais? – respondeu Lu.
Afinal, ninguém exceto ela e sua avó podia ver os três.
_ Não se faça de boba! Esses
três aí que estão com você! São seus não são? Eles estavam conversando com você
agorinha.
_ Mas você pode vê-los?
_ Oh, claro que sim!
_ Lu, cuidado ele não é um ser
humano – disse Leãonardo. Não sinto as emoções normais de uma pessoa nele.
_ Mas eu nunca disse que era
uma pessoa – respondeu o homem de terno. É que as pessoas sempre nos julgam
pela aparência. Acontece que uma pessoa da minha importância para esse lugar
tem que estar bem apresentável. A maioria nunca suspeita que não sou uma pessoa.
Mas seu amiguinho aí é muito perceptivo. Permita-me apresentar, sou o espírito
do supermercado.
_ Não sabia que supermercados
tinham espíritos – disse Aguianaldo encarando o recém-apresentado.
_ Não sabia que águias, leões
e bois saiam por aí falando e acompanhando meninas em compras. Pelo menos isso
nunca ocorreu nessa loja! De qualquer modo, vocês não podem entrar. A mágica
desse lugar me permite barrá-los. Vocês só entrarão com minha permissão.
_ E agora o que fazemos? –
perguntou Pit. Estou com vontade de dar uma surra nesse cara!
_ Provavelmente você não vai
conseguir, Pit – disse Aguianaldo – se ele estiver certo nossos poderes mágicos
só vão funcionar aqui se ele permitir.
_ Claro que não darei tal permissão!
– respondeu o espírito do supermercado. Vocês iriam atrapalhar minhas
intenções.
_ Que intenções? – perguntou Lu.
_ Oras pequena, ajudá-la em
suas escolhas. Existem tantas coisas em meu domínio que você certamente precisa
de minha orientação.
_ Esqueça, Lu – disse
Aguianaldo – vamos a outro local.
_ Não adianta – respondeu o
espírito – todo supermercado tem seu próprio espírito.
_ Ei, senhor espírito. A minha
avó já me deu uma lista com tudo que preciso comprar. Não importa o que me
diga, eu só irei comprar o que ela pediu!
_ Hummm – muito esperta essa
avó! Ela costuma vir aqui?
_ Sim, ela se chama das dores.
_ Ah, não. Uma mulher muito
antipática. Nunca compra as coisas que sugiro. Bem, acredito que você seja
“farinha do mesmo saco”. Portanto, não vou perder meu tempo com você e esses
seus mascotes, babilônicos.
_ Babi..o quê? – perguntou Lu.
_ Ele está se referindo a
nossa origem Lu – respondeu Aguianaldo – há muito tempo atrás.
_ Vocês já deviam ter se
aposentado, rapazes – vocês são seres fora de moda! Espíritos como eu é que
representam o moderno! Não importa. Eu permito que vocês entrem. Não fará
diferença mesmo! Aquela velha detestável já protegeu a garota da minha
influência ao dar-lhe essa lista de compras.
_ Que bom! Ei, rapazes – disse
Lu para os três – podemos entrar! Vamos. Agora iremos comprar o que a vovó
pediu e podemos sair desse lugar maluco. Huummm, deixe-me ver: o primeiro item
é leite. Vamos ver onde tem.
O espírito do supermercado já
tinha abandonado Lu e seus três companheiros e estava cochichando no ouvido de
uma dona de casa as vantagens de um determinado produto quando ouviu Lu falar
sobre o leite. Sem aviso ele abandonou a mulher e decidiu aparecer na frente de
Lu e seus três companheiros.
_ Espere um pouco! Você disse
que o primeiro item é leite?
_ Sim, o que isso tem demais?
_ Nada. Mas me diga uma coisa.
Qual o tipo, a marca de leite sua vó lhe mandou comprar?
_ Marca? Não sei. Nenhum item
da lista diz qual a marca.
_ Oh, oh. É difícil acreditar que
alguém como sua vó tenha cometido esse engano. Agora tenho a obrigação de
orientá-la em suas compras. Afinal, existem produtos e produtos. Não é mesmo?
A pobre dona das dores tinha
esquecido de colocar a marca nos produtos que precisava. Era esse o erro
terrível que ela tinha cometido! Agora Lu, embora ainda não soubesse disso,
estava vulnerável à influência do espírito do supermercado.
_ Não pense que vai enganá-la
– disse Pit para o espírito – nos não vamos deixar.
_ Foi uma pena eu ter
permitido vocês entrarem. Agora não posso voltar atrás na minha decisão. Mas
não tem importância. Eu aceito o desafio. Será a luta entre seres ultrapassados
contra a Ciência do Consumo! A gente se vê! Ah, a seção de bebidas, digo
laticínios, é em frente. Até.
Assim dizendo o espírito do
supermercado desapareceu.
_ Esse cara me dá nos nervos –
disse Leãonardo.
_ Temos que prestar atenção a
tudo – disse Aguianaldo – ele vai aprontar alguma coisa para que a Lu compre o
que ele quer. Fiquem de olhos bem abertos. A das dores esqueceu de dizer a
marca das coisas. Agora temos que orientar a menina e não deixar que ela
escolha coisas erradas.
_ Ei vocês três. Não se
preocupem não deve ter nada de tão perigoso assim em comprar uma caixa de
leite.
Ao final do corredor Lu e os
três entraram numa seção que acreditavam ser a de laticínios. Eles entraram nela
assustados com medo de que o espírito do supermercado pudesse aprontar algo.
Mas a sessão era bem movimentada e nada de estranho parecia estar ocorrendo lá.
Pessoas entravam e saiam, na maioria das vezes cheias de bebidas alcoólicas!
_ Essa não é a seção de
laticínios! – disse a águia. É a seção de bebidas alcoólicas. Isso não é para
você, Lu. Vamos sair daqui e procurar pelo leite.
_ Nossa. Como esse pessoal
bebe! – disse Lu. Mamãe sempre diz que bebida não faz bem para a saúde. Mas as
pessoas aqui parecem felizes da vida.
Sem aviso a seção onde Lu e os
seus companheiros estavam se transformou. Não era mais aquele piso branquinho e
brilhante do supermercado. Não, agora eles estavam descalços e pisando na
areia! O friozinho do ar condicionado deu lugar ao calor escaldante do Sol.
_ O que esta acontecendo? –
perguntou Lu.
_ Estamos na praia! Melhor
impossível – respondeu Pit.
_ Vocês estão ouvindo a
música? – perguntou Leãonardo.
_ De onde vem essa música? –
perguntou Aguianaldo.
Foi então que os quatro
perceberam que toda vez que uma pessoa pegava uma bebida. Uma cerveja, exemplo,
uma música surgia do nada. Ao mesmo tempo a pessoa que em geral era gordinha e
fora de forma automaticamente aparecia em roupas de banho e com o corpo em
plena forma. Alguns estavam dançando, outros jogando vôlei ou futebol. Mas
todos que apanhavam uma cerveja transformavam-se em pessoas mais bonitas,
jovens e sempre praticando atividades saudáveis. Mesmo quando duas pessoas
apareciam jogando futebol a música que surgia de fundo era diferente para cada
pessoa. De alguma forma a música agradava em cheio a pessoa em questão. Elas
pareciam sentir-se bem e felizes.
_ Não estou entendendo nada –
disse Pit. Todos aqueles que se entregam ao álcool de forma descontrolada
passam mal. Eu sei disso, afinal de contas represento os desejos dos homens.
Mas aqui todos estão muito bem!
_ Vai ver que é porquê eles
ainda não estão bebendo – disse Leãonardo.
_ Não. Tem algo errado aqui –
disse Aguianaldo. Isso não pode ser real. As coisas simplesmente não se
transformam assim.
_ Ei, deixe de ser estraga
prazeres. Olha para você! Como uma águia falante pode duvidar de uma praiazinha?
_ O que estou querendo dizer e
que essas sensações que as pessoas estão tendo não são reais. Não podem ser.
Nos estamos vendo, eu sei, mas tem alguma coisa errada!
_ Puxa, a mamãe sempre disse
que bebida faz mal. Acho que isso deve ser para crianças. Esses adultos estão
adorando. Até dá vontade de provar uma. Eu também queria ouvir uma música só
para mim.
_ Nem pensar garota! – disse
Leãonardo. Isso não é bom para você. Eu sei que é difícil você acreditar, mas
acho que o Aguianaldo está certo. Já sei o que fazer. Afaste-se pequena!
Lu, Pit e Aguianaldo se
afastaram de Leãonardo. De repente ele estufou seu peito e soltou um ruidoso rugido.
Conforme ia soltando seu grito leonino uma enorme quantidade de vento ia saindo
de sua boca. Esse vento ia passando ao redor das pessoas e da praia envolvendo
a todos. Quando o leão parou de rugir tomou outro fôlego, só que agora começou
a puxar o vento que tinha lançado nas pessoas. Conforme o vento ia sendo
puxado, todos assim como o supermercado iam voltando ao normal.
_ Nossa Leãonardo! O que você
fez? – perguntou Lu.
_ Ele não vai conseguir
responder por algum tempo – disse Aguianaldo. Ele perdeu muita energia.
_ Como assim? – perguntou Lu.
_ Ele retirou as emoções dessa parte
do supermercado – respondeu Pit. Isso o enfraqueceu, principalmente porque
estamos nos domínios de outro ser mágico, o tal espírito do supermercado.
Aposto que isso tudo tem haver com ele.
_ Por que o Leãonardo retirou
as emoções daqui? – perguntou Lu.
_ Leãonardo é um ser mágico
que controla as emoções humanas. Ele percebeu que o que estava acontecendo aqui
era que as pessoas estavam sendo enganadas para comprar coisas. Bebidas alcoólicas
são coisas muito perigosas. Acontece que quando as pessoas se sentem bem
esquecem disso. Entregam-se às emoções. Acreditam que se beber aquilo vão estar
sempre com a sensação que acabaram de sentir.
_ Mas como a sensação dura
pouco tempo – continuou Pit – elas acabam voltando para ter mais desse mundo
mágico onde todos são eternamente jovens, atléticos e felizes. Basta você ir a
um bar ou ver como é o corpo de quem bebe todo dia que você vai entender a
ilusão.
_ E o que fazemos agora? –
perguntou Lu.
_ Vamos sair rápido daqui e ir
procurar o primeiro item da lista da sua vó, o leite.
Aguianaldo e Pit apoiaram
Leãonardo, que ainda estava muito fraco, em seus braços e juntos com Lu saíram
dali. Não perceberam que acima das prateleiras mais altas um par de olhos
vermelhos e raivosos observava tudo.
_ Vocês deram sorte! Mas eu
tenho outras surpresas muitas outras – disse para si o espírito do supermercado.
Algumas seções depois.
_ Será que estamos no caminho
certo? – perguntou Lu.
_ Não importa mais cedo ou
mais tarde a gente acha – disse Aguianaldo, sempre racional.
_ Olha ali – disse Lu. Deixa
eu perguntar para aquelas duas crianças.
Lu andou mais alguns metros e
aproximou-se de dois menininhos de cabelo amarelo que pareciam estar prestando
bastante atenção a uma folha de papel.
_ Olá guris – disse Lu. Vocês
podem me informar onde posso conseguir leite?
_ Ah, essa é fácil –
responderam os guris. Na seção de laticínios, claro.
_ Bem, é que eu gostaria de
saber onde fica a seção de laticínios.
_ Ah, claro. Fica naquela
direção – responderam novamente os guris. Agora se nos da licença estamos
ocupados com esse joguinho – responderam em coro.
Lu adorava joguinhos e ficou
curiosa sobre qual seria o jogo.
_ O que vocês estão jogando?
_ Estamos brincando de
resolver enigmas matemáticos – responderam os guris em conjunto.
_ Nossa! Matemática? Essas
contas aí são muito difíceis para serem uma brincadeira.
_ Não para nós - repetiram
sempre em coro. Nada e difícil para nós.
_ Não é possível! Todo mundo
na escola tem algo que acha difícil. Vocês também têm que achar algo difícil!
_ Não, não achamos.
_ Então vocês são aquele tipo
de pessoa super espertas? Como é mesmo que eles chamam isso? Ah, gênios?
_ Não, não somos gênios. Somos
guris comuns.
_ Ei, vocês não sabem falar um
de cada vez?
_ Não, gostamos de falar
juntos.
_ Se vocês não são
superespertos como podem não achar nada difícil na escola?
_ Essa é fácil. A resposta
está aí ao seu lado.
Ao olhar para o lado Lu pode
perceber que estava na seção de biscoitos. As prateleiras lotadas de biscoitos
recheados dos mais variados tipos iam até onde a vista alcançava.
_ Vocês estão dizendo que
vocês ficaram espertos por comer biscoitos recheados?
_ Isso mesmo!
_ Lu, porque você esta
demorando tanto com esses guris? – perguntou Aguianaldo que tinha se aproximado
de Lu e dos dois guris que só sabiam falar em conjunto.
Lu voltou-se para Aguianaldo
tentando disfarçar que estava falando com um ser imaginário.
_ Puxa, acabei de descobrir
algo maravilhoso!
_ O que você descobriu? –
perguntou Leãonardo que já estava quase recuperado do episódio das bebidas
alcoólicas.
_ Não vou ter mais que me
matar de estudar na escola! – respondeu Lu. Esses dois são vão bem em todas as
disciplinas e me disseram que o segredo deles está em comer biscoitos
recheados.
_ Não acredite nisso, Lu – eu
represento o pensamento humano e nunca ouvi falar que algo assim pudesse tornar
alguém mais inteligente. Eles devem estar te enganando. Pena eu não poder
fazer-lhes algumas perguntas para te mostrar que eles não são tão espertos
assim.
_ Você não os viu resolvendo
vários tipos de problemas como eu vi! As respostas deles sempre estão certas!
Não faz mal eu comprar um biscoitinho desses.
_ Lu, a das dores não pediu
para você comprar biscoitos recheados – disse Pit.
_ Com quem você está falando?
– perguntaram juntos os guris espertos.
_ Ah, com ninguém! Só estava
pensando alto – respondeu Lu meio sem graça. Acho que vou embora. Prometi para
minha avó que não iria ficar passeando por aqui e, além disso, acho que meu
dinheiro não dá para ficar comprando coisas como biscoitos recheados.
_ Aposto que sua vó não pediu
para você comprar porque ela esqueceu – continuaram os guris espertos. Dá uma
olhada aí nas prateleiras.
Quando Lu voltou-se percebeu
que as prateleiras estavam tomadas por uma multidão de mães que lutavam entre
si em busca da maior quantidade possível de biscoitos recheados.
_ Você acha que esse monte de
mães não sabe o que é melhor para seus filhinhos? – continuaram os guris.
Nenhuma mãe quer mal a seus filhos. Veja nossa mãe ali. Ei, mamãe!
Uma senhora bastante bonita e
simpática respondeu ao chamado dos guris com um aceno de mão e um beijo. Em
seguida voltou para sua importante tarefa de encher o carrinho de compras de
bolachas recheadas.
_ É, eu sei que minha mãe só
quer o melhor para mim – disse Lu. Minha vó também. Acho que ela esqueceu. Mas
não tem jeito meu dinheiro deve estar contado. Até mais guris.
_ Não tem problema. Da outra
vez você compra. Olha nos abrimos um pacote que a mamãe nos deu. Prove uma!
_ Pensei que os donos do
supermercado não gostassem que a gente coma antes de pagar.
_ Na verdade – responderam os
guris – eles não gostam que as pessoas comam e não paguem. Mas pagando bem que
mal tem? Mamãe vai pagar por esse pacote, aliás, por todos aqueles do carrinho.
Lu voltou-se para o carrinho e
viu que a mãe dos guris já o tinha enchido de biscoitos recheados.
_ Tome – insistiram os guris –
prove!
_ Lu, não prove nada – disse
Pit. Nós não sabemos se isso é bom para você. Vamos continuar e comprar logo
tudo o que precisamos.
_ Está bem – respondeu Lu –
vamos.
_ Ela está com tanta
dificuldade de aprender as coisas que está até falando sozinha – disseram os
guris que em seguida caíram na gargalhada.
Lu ficou furiosa com o
comentário. Ela não ficou brava por eles estarem falando que era podia ser
louca por falar sozinha. O que a tinha irritado era eles estarem achando que
ela fosse burra por ter dificuldade com algumas coisas na escola.
_ Me dá isso aqui – disse Lu
num impulso apanhando um biscoito recheado do pacote dos guris espertos. Em
seguida Lu foi levando o biscoito para a boca.
Nessa hora, Leãonardo,
Aguianaldo e Pit pareciam os guris espertos e gritaram juntos:
_ Lu, não faça isso!
Tarde demais Lu já tinha
consumido o presente dos guris. Ela havia apanhado o pacote com o último
biscoito recheado. Assim que Lu engoliu o biscoito os guris espertos caíram na
gargalhada.
_ E agora o que fazemos? –
disse Leãonardo.
_ Vamos esperar – disse Pit –
pode ser que não aconteça nada.
_ Duvido – disse Aguianaldo.
Vejam – falou apontando para os guris espertos.
Eles continuavam gargalhando
só que agora encaravam os três companheiros de Lu.
_ Eles podem nos ver? – disse
Pit.
_ Claro que podemos –
responderam. Agora estamos empatados – concluíram e saíram correndo entre os
corredores do supermercado como geralmente fazem os guris travessos.
_ Vamos pegá-los? – disse
Leãonardo.
_ Duvido que adiante –
respondeu Aguianaldo. Esse dois aí não eram pessoas comuns. Eles nos enganaram.
Agora devemos nos preocupar com a Lu. Ver o que esses biscoitos fizeram com
ela.
_ Lu – chamou Pit – você está
bem, querida?
_ Claro – respondeu a menina.
Não podia estar melhor. Estou me sentindo muito mais esperta.
_ Lu – disse Aguianaldo. Você
é uma menina muito esperta. Eu sei disso. Afinal, represento o pensamento.
_ Então porque estou me
sentindo muito mais esperta???
_ Você sempre foi muito
esperta, Lu. Sua vó já te disse e eu também digo que você é uma menina
maravilhosa. Só não tinha percebido ainda. Esses falsos guris espertos só se
aproveitaram das suas dúvidas para enganá-la. Você não precisa de nem de nenhum
biscoito para ser esperta. Basta você estudar bastante na escola e com o tempo
verá como é esperta.
_ Desculpe, Aguianaldo. Não
consigo acreditar em você. Eu estou pensando com muito mais facilidade. Esses
biscoitos são mágicos!
_ Mágicos somos nós, Lu –
disse Pit – isso deve ser alguma armadilha daquele espírito do supermercado.
_ O que ele iria ganhar em me
tornar mais esperta, Pit? E que mal há nisso?
_ Lembra que sua avó falou que
o importante num supermercado era saber decidir entre o que se precisa e aquilo
que se acredita precisar – perguntou Leãonardo. Acho que o espírito do
supermercado quer que você acredite que precisa de biscoitos recheados para ser
esperta. Aí você vai ficar dependente disso a vida toda.
_ Não tem problema. Quando
ficar mais velha eu trabalho, até porque mais esperta vou conseguir um super trabalho.
Daí, compro todo o biscoito que eu quiser! Não há mal nenhum nisso. Sem falar
que eles são muito gostosos.
_ São gostosos porque estão
cheios de gorduras que não são saudáveis, Lu. Eles não só não vão te deixar
mais esperta como vão fazer mal para a sua saúde.
_ Não acredito nisso –
respondeu a menina.
Leãonardo cochichou no ouvido
de Aguianaldo:
_ Você tem certeza que ela não
está mais esperta?
_ Deixe de bobagem! Eles só
fizeram ela acreditar nisso – respondeu – Aguianaldo. Se ela está mais esperta
é simplesmente porque está usando algo que já tinha dentro de si. Os guris
espertos fizeram isso desabrochar. O problema é que agora ela acredita que isso
e por causa dos biscoitos.
_ O que fazemos? – perguntou
Pit.
_ Nada – respondeu Aguianaldo
– vamos deixar ela assim por enquanto. Deixe que ela encha o carrinho de
biscoitos recheados. Até o caixa damos um jeito nisso! Espere acho que tive uma
idéia.
_ Lu – disse a águia –
desculpe duvidar de você. Sabe como eu sou. Sempre duvidando das coisas.
Acredito que os biscoitos recheados te fizeram mais inteligente. E para falar a
verdade eu queria comer uns também. Para ficar mais e mais esperta.
_ Que ótima idéia, Aguianaldo!
– respondeu Lu empolgada.
_ Nós também queremos! –
disseram Pit e Leãonardo.
Aguianaldo olhou para eles com um
olhar furioso, daqueles que as mães antigas lançavam para os filhos quando eles
aprontavam na casa dos outros e elas convinha dar-lhes uma bronca na hora. Um
olhar que poderia ser traduzido como “depois a gente conversa”. Os dois logo
entenderam que Aguianaldo só estava fingindo querer comer um biscoito. Era tudo
parte de seu plano.
_ Mas estou com uma dúvida, Lu.
Qual era o biscoito que você comeu mesmo? Existem tantos tipos aqui que eu nem
sei qual é o para aumentar a inteligência.
_ Puxa! Eu também não sei –
respondeu a menina desapontada.
_ É, pelo que posso ver –
continuou Aguianaldo – nessas prateleiras tem até biscoito recheado para deixar
a gente menos esperto.
_ Oras, Aguianaldo – disse
Leãonardo – quem ia querer ficar menos esperto?
Leãonardo recebeu outro
daqueles olhares.
_ É, quem iria querer ficar
menos esperto? – perguntou Lu.
_ Pessoas que são muito
espertas, oras. Existem pessoas que não gostam de ser muito espertas. Isso as
atrapalha. Veja o meu caso. Sempre fui considerado muito esperto, mas tenho a
maior dificuldade de escrever versinhos de amor para minha namorada. Sou tão
esperto que não consigo lidar muito bem com outras coisas com emoções, arte.
Nessas horas quem me salva e o Leãonardo, ele conhece tudo sobre emoções. Por
isso, acho que temos que escolher os biscoitos certos. Que não nos deixem nem
muito inteligentes nem pouco espertos.
_ Acho que você tem razão
Aguianaldo – concordou Lu – mas como vamos saber isso?
_ Por que não perguntamos aos
guris espertos? – respondeu a águia.
_ Mas eles foram embora –
disse Pit que não resistiu e acabou também recebendo um daqueles olhares de
Aguianaldo.
_ Isso eu sei – disse
Aguianaldo – mas nós podemos trazê-los de volta com mágica. Eu só preciso que
você me entregue o pacote de bolacha que estava com eles, Lu.
_ Esse pacote vazio? Toma é
todo seu.
_ Obrigado – respondeu
satisfeita a águia.
_ O que você pretende com esse
pacote, Aguianaldo? – perguntou Pit.
_ Aqueles dois pegaram esse
pacote na mão meu amigo.
_ E o que tem isso? –
perguntou Leãonardo.
_ Acordem – bronqueou
Aguianaldo – vocês ficaram tanto tempo na estátua que ficaram bobos? Já se
esqueceram da lei mágica da continuidade?
_ É claro! – concordaram os
dois.
_ Ei, do que vocês estão
falando? – perguntou Lu.
_ Na mágica, Lu, existe uma
lei que diz que nossa energia continua em tudo o que tocamos. Assim, os guris
espertos deixaram um pouquinho de sua energia nesse pacotinho. Com ela podemos
convocá-los aqui. Ou melhor, invocá-los.
_ Pit, vai até ali e me apanha
um pouquinho de farinha – ordenou Aguianaldo e você Leãonardo apanhe um pouco
de refrigerante.
_ Ei, eu quero apanhar o
refrigerante – reclamou Pit, mas só até receber um daqueles olhares. Ele nem
quis esperar a bronca da águia e lá se foi apanhar a farinha. O leão fez o
mesmo e saiu em disparada rumo aos refrigerantes.
_ Ei, Aguianaldo – disse Lu –
você não vai chamar os guris espertos?
_ Vou, sim. Pode deixar. Só
preciso que Pit e Leãonardo voltem com o que pedi para eles.
Alguns minutos depois Pit e
Leãonardo apareceram cada um trazendo o que Aguianaldo tinha pedido.
_ Muito bem rapazes. Agora
vocês lembram da lei mágica da similaridade?
_ Similaridade – disseram
ambos. Sim lembramos!
_ Muito bem, escondam-se e
usem essa farinha e refrigerante conforme a lei da similaridade. Vamos ver se
esses guris espertos são espertos mesmos. E você, Lu? Está pronta para rever
seus “amigos”?
_ Sim. Só não estou entendendo
como vai chamá-los.
_ Então veja. “Aqueles que
conhecem a lei, tocam tudo com receio, pois não querem deixar rastros como os
bobos dos guris espertos deixaram no pacote de biscoito com recheio”.
Assim que Aguianaldo acabou de
dizer as palavras mágicas os guris espertos apareceram diante dele e de Lu.
_ O que está acontecendo? –
disseram em coro, aliás como sempre faziam. Como viemos parar aqui? Nos
tínhamos ido embora!
_ Muito bem seus espertinhos
eu os trouxe aqui. Vocês deixaram um pouquinho de sua energia no pacote de
biscoitos recheados. Essa energia está ligada a vocês para sempre, por isso
posso chamá-los aqui quando quiser. Agora só vou parar de chamá-los se vocês
confessarem para a Lu que esse biscoito que ela comeu não tem nada de especial,
pelo contrário faz mal para a saúde.
_ Nunca diremos isso! – responderam.
E mesmo que nos prenda aqui não abriremos a boca! Você não pode nos forçar.
Essa sua mágica da energia não pode nos obrigar.
_ Vocês têm razão. A lei da
continuidade não pode forçá-los. Mas existe outra lei mágica antiga que pode.
Já ouviram falar da lei da similaridade?
_ Não, nunca ouvimos. Nossa
mágica é diferente. Ela serve para convencer as pessoas a comprarem coisas que
nem sempre precisam. Nós seguimos a grande mágica da publicidade!
_ Essa conversa está muito
chata – disseram os guris. Nós vamos desaparecer daqui. E pode nos trazer de
volta que não contaremos nada.
_ De publicidade eu nada sei –
disse Aguianaldo – mas minha mágica antiga vai lhes dar uma lição. Pit!
Leãonardo! Agora.
No instante em que os guris
espertos tentaram fugir eles caíram no chão gargalhando sem parar.
_ Hahahahaa – diziam – pare,
por favor. Hahahaha. Isso dói. Socorro. Hahahahaha.
_ O que você fez com eles,
Aguianaldo?
_ Nada de mais, Lu. Só usei a
lei mágica da similaridade. Essa lei diz que uma coisa semelhante interfere em
outra. Olhe nas mãos de Pit e Leãonardo.
Quando Lu voltou-se em direção
aos dois percebeu que cada um tinha um bonequinho de um dos guris espertos nas
mãos. Os bonequinhos haviam sido produzidos com a farinha de trigo e
refrigerante misturados. Misturados na quantidade correta a farinha e o
refrigerante produziram uma massinha capaz de ser modelada na forma dos guris.
_ Para que esses bonequinhos
dos guris? – perguntou Lu sem entender nada.
_ Lembra da lei da
similaridade? Os bonecos imitam os guris. Então tudo que acontece com os
bonequinhos, enquanto eu assim desejar, acontece com os guris.
_ Você está dizendo que é como
aquela coisa de espertar agulhinhas num bonequinho e a pessoa sente as picadas?
– perguntou Lu espantada.
_ Sim – respondeu Aguianaldo –
aquilo também usa o principio da similaridade. Mas nos seres mágicos somos
proibidos de fazer mal a quem quer que seja. Por isso, não usamos agulhas ou
outras coisas.
_ Mas então por que eles estão
no chão rindo sem parar? Apesar de estarem rindo eles parecem estar sofrendo!
_ Eles estão sentindo cócegas,
Lu – disse Pit.
_ Cócegas? – disse a menina
impressionada. Mas não estou vendo nem o Pit nem o Leãonardo fazendo cócegas
nos pezinhos dos bonequinhos!
_ Não precisa – respondeu
Aguianaldo – o mesmo efeito de cócegas pode ser obtido dependendo do material
que se usa. Nos usamos farinha branca e refrigerantes. A farinha branca é obtida
quando se tira toda a fibra dos alimentos. Em pessoas normais, principalmente
as que não se exercitam, tais alimentos sem fibras causam doenças. Em seres
mágicos como os guris elas causam paralisia. Por isso, eles caíram e ficaram
parados no mesmo lugar. Já o refrigerante além de permitir fazer uma massa com
a farinha é um péssimo alimento. Só tem açúcar e mais nada que faça bem a
saúde. Em pessoas normais o consumo de refrigerante em excesso também vai
causar uma série de problemas desde cáries até coisas mais graves. Em seres
mágicos açúcar gera formigamento. Embora você não possa ver há milhões de
formiguinhas mágicas cutucando o corpo dos guris espertos. Enquanto eu não
destruir os bonequinhos eles não vão parar de sentir cócegas.
Lu mal podia acreditar na
sabedoria de seus três novos amigos e como eles eram capazes de usar a mágica
para protegê-la. Os guris espertos continuavam rolando pelo chão dando
dolorosas gargalhadas. Lu não queria nem ver porque logo dava vontade de rir
também.
_ E então, piazada? Vocês vão
confessar que enganaram a Lu ou não? – perguntou Leãonardo.
_ Hahahaha – não podemos –
Hahahaha – o espírito do supermercado nos coloca na seção de congelados pelos
próximos cem anos.
_ Tudo bem, então. Nós
mandamos a Lu para casa, afinal cem anos é muito tempo para ela e, ficamos com
vocês aqui sentindo cócegas pelo mesmo tempo.
_ Hahahaha – não, por favor –
Hahahahaha. Está bem! Hahahaha – Lu, nós a enganamos. Hahahaha – não somos
espertos. Somos – hahahahaha – mágicos e fizemos você acreditar que é possível
– hahahahaha – ser esperto sem estudar. Na verdade – hahahaha – não tem jeito
só dá para ser esperto com muito – hahahahaha – estudo.
_ Então como esse biscoito me
fez sentir mais esperta? – perguntou Lu inconformada.
_ Não fez – hahahahaha – você
simplesmente está mais confiante –hahahaha – em algo que já estava ai com você.
Hahaha – o espírito do supermercado disse que esse truque funcionaria porquê –
hahahaha – pare hahahaha – porque você é uma menina muito inteligente.
_ Nossa! Aguianaldo, Pit,
Leãonardo. Me desculpem. Estou muito envergonhada de não acreditar em vocês.
_ Que isso, pequena. Esses
dois aí foram bem espertos – disse Leãonardo com lágrimas nos olhos.
_ Ei – hahahahaha – disseram
os guris espertos – hahahaha – cumprimos nossa parte no trato. Não vai nos Lubertar?
_ Sim, claro – respondeu
Aguianaldo. Eu fiz um biscoito recheado especial para vocês. Basta comê-lo e
vocês ficaram livres do feitiço.
_ Hahahahaha – que bom –
hahaha – pelo menos vamos comer um
biscoito recheado.
_ Ah, o Aguianaldo está
esquecendo de dizer que esses biscoitos têm recheio sabor alho!
_ Hahahaha – não por favor –
hahahahaha – alho é muito ruim – disseram os guris.
_ Desculpe pessoal – disse
Pit. É que no livro de mágicas está escrito que o alho e que protege contra
feitiços. Então, tem que ser alho.
Não tendo alternativa os guris
espertos comeram cada um biscoito recheado de alho. Imediatamente eles pararam
de rir e começaram a chorar devido ao gosto ruim do biscoito.
_ Isso não vale – diziam – alho
é muito ruim.
_ Ei – disseram os guris – nos
filmes o feitiço só é quebrado quando os bonequinhos são destruídos. Por que
tivemos que comer os biscoitos de alho? Não era só destruir os bonecos?
_ Oh, é mesmo! – disse
Aguianaldo – nós só tínhamos que quebrar os bonequinhos e foi o que fizemos.
Sem que vocês percebessem Pit e Leãonardo desmancharam os bonequinhos de
farinha e refrigerante no momento em que vocês comeram o biscoito de alho. O
que fez com que as cócegas parassem, foi a quebra dos bonequinhos e não o
biscoito de alho!
_ Então porque você nos fez
comer esses biscoitos horríveis?
_ Só por brincadeira. A vida
tem que ser divertida – respondeu Leãonardo já caindo na gargalhada.
_ Vocês são muito rui...antes
de completarem a frase os guris espertos desapareceram.
Não muito longe de onde Lu e
seus amigos estavam.
_ Eu não lhes disse que era só
dar o biscoito para a menina e sumir? – disse o espírito do supermercado com
voz abafada devido à máscara de gases.
_ Sim, chefe – responderam os
guris espertos. Mas aqueles três são mágicos poderosos e nos enganaram.
_ Já chega! Desapareçam daqui
e não me apareçam até a próxima grande liquidação. Vou mandá-los para um lugar
que garanto que vocês não esquecerão mais de prestar atenção no que eu digo.
Do outro lado, na entrada do
supermercado.
_ Oh, freguesa. Essa promoção
é imperdível. O frango baixou o preço, baixou mesmo. Só vai ficar nesse preço
enquanto durar o estoque, são as últimas unidades.
_ Onde estamos? – perguntaram
os guris espertos. Que barulho é esse?
_ Vai lá freguesa não perca. Liquidação
de computadores. Só tem mais duas unidades. Imperdível!
_ Oh, não! – disseram os guris
– aquele malvado do espírito do supermercado nos mandou para dentro do
microfone daquele cara chato que fica na frente do supermercado e não pára de
anunciar falsas promoções. Oh, não! Quero ir para a seção de congelados! E não
se ouviu mais falar dos guris espertos até a próxima liquidação.
De volta a Lu e seus amigos.
_ Ei rapazes – disse Lu – acho
que vocês exageraram com os pobres guris. Biscoito recheado de alho! Onde já se
viu?
_ Não se preocupe, Lu – disse
Pit que como os outros tentava com a mão na boca disfarçar a vontade de dar
risada. Eles são seres mágicos. Nada os machuca de verdade. Daqui a pouco eles
estão bem. Para os seres mágicos vale aquele ditado “seres mágicos não podem
ser criados nem destruídos só transformados”. Traduzindo. Vocês podem nos
amassar, assar, torcer e tudo mais que no final sempre estamos bem.
_ Ei – disse Leãonardo – olhem
ali nas gôndolas de biscoitos recheados.
Quando todos obedeceram ao
comando de Leãonardo perceberam que várias crianças se aproximavam das gôndolas
de supermercado e apanhavam pacotes de biscoito. Mas ao irem embora só parte
delas ia. Uma espécie de fumacinha na forma da criança ficava perto da
prateleira.
_ O que é aquilo? – perguntou Lu.
_ Aquilo são crianças que não
tiveram a mesma sorte que você – respondeu Aguianaldo. Elas foram seduzidas
pelo biscoito recheado. Toda vez que levam um pacote dele, deixam um pouquinho
de si aqui. Esse pouquinho as faz voltar sempre procurando mais. Crianças são
muito sensíveis ao que aprendem sobre comida. Se aprendem coisas boas, ótimo.
Se aprendem coisas ruins, infelizmente, levam isso para a vida toda. E que
também vai lhes trazer problemas de saúde. Esses biscoitos recheados estão
cheios de um tipo de gordura muito prejudicial para a saúde chamado de trans.
Esse era um dos motivos pelos quais sua avó tinha medo de você vir aqui
sozinha. Não desenvolver esses maus hábitos.
_ Mas não se preocupe, Lu –
enquanto Pit, Aguianaldo e eu estivermos com você nada de mal vai lhe
acontecer. Esse tal espírito do supermercado não é páreo para nós.
_ Não é bom ficar
menosprezando os outros, Leãonardo
Em outro ponto do supermercado.
_ Esses três seres mágicos são
mais poderosos do que eu imaginava – conversava sozinho o espírito do
supermercado. Eles usam um tipo de mágica que eu não conheço. Não estou
conseguindo fazer com que a menina compre o que eu quero. Toda ilusão que crio
sobre algum alimento ou produto não é capaz de enganar a menina por causa
desses três. Eles sempre ficam alertando a tal Lu sobre minhas artimanhas. E
mesmo quando eu penso que tive sucesso, como no caso dos guris espertos, eles
conseguem me desarmar no final. Isso não pode ficar assim. Tenho que dominá-los
principalmente aquela águia que parece ser o mais pensante dos três. Mas como?
Pelo que ouvi dos guris a águia falou em leis mágicas. Se não me engano lei da
continuidade e da similaridade. Ah, seu eu pudesse aprender essa mágica antiga
eu poderia combater fogo contra fogo.
_ Mas espere. Eu não tinha
reparado onde eu estou. Na seção de livros. Pelo que sei hoje tem livro sobre
tudo. Deve ter também de mágica. Deixa ver... huumm... livros de culinária, os
mais vendidos. Ah, aqui está! Magia. Vamos ver. “Simpatias simpáticas para
pessoas antipáticas”. Não esse não me serve. Deixa ver outro. “Emagreça o
olho-gordo dos outros e proteja-se”, também não. Aha! “Magias esquecidas usadas
por seres da antiga babilônia”. Nossa quem será que compra um livro desses?
Vamos, ver. Lei da continuidade, essa eles já usaram. Lei da similaridade
também. Oh, “lei da contrariedade”. Diz aqui que coisas opostas se afetam.
Exemplo: use um anão para afetar um grandão. Muito bem! Então eu só preciso saber
o que é o contrário da águia. Aí eu posso afetá-la. Esse outro livro também deve
ajudar “o significado dos sonhos”. “Águia – animal que representa o céu seu
oposto é a serpente, animal que representa a terra”. É isso! Eu só preciso
conseguir uma serpente! Mas onde eu vou conseguir isso num supermercado? Nosso
pet shop não tem esse tipo de bicho! Não acredito cheguei até aqui para nada.
Deixe-me pensar.
De volta a Lu e seus amigos.
_ Ei, Lu. Qual o segundo item
da Lusta? Esse leite esta complicado. Depois pegamos ele. Vamos trocar só para
dar um pouquinho de sorte.
_ A lista da vovó diz: carne
de soja.
_ Ufa. Eu já ia ficar chateado
com a dona das dores – disse Pit, o boi.
_ Certo – disse Leãonardo já
estamos muito tempo aqui para fazer essas compras. Claro que talvez aqui dentro
para nós que estamos sobre influência da magia esse tempo não passe tão rápido
quanto para as outras pessoas.
_ Não acredito – disse
Aguianaldo – está muito fácil para ser verdade a seção de carnes está logo ali,
a poucos metros.
_ Mas, Aguianaldo. Na lista da
vovó esta escrito “carne de soja”. Será que ali tem carne de soja?
_ Carne deve ser tudo igual –
respondeu Aguianaldo. Vamos até lá e buscar o terceiro item da lista.
Ao andarem mais alguns metros
os quatro chegaram a um espaço bem amplo que estava assinalado como seção de
carnes. A seção era enorme e aparentemente formava um círculo no qual podia-se
chegar por cinco corredores diferentes. Quando se deram conta, Lu e os outros
perceberam que estavam bem no meio do círculo e perceberam que estavam cercados
por uma grande quantidade de pessoas. Eram mães e pais que tinham pouco tempo
para estar com seus filhos devido ao seu trabalho puxado. Dava para perceber
isso por suas roupas e o ar de culpa com o qual olhavam para os filhos. Além do
fato de pedirem desculpa o tempo todo para eles e sempre ao final das desculpas
davam um pirulito para seus filhos, para consolá-los.
Lu e os outros perceberam que
todos diziam a mesma coisa:
_ Rápido, rápido, não tenho
tempo.
Assim que um desses pais
entrava na seção de carnes, o ponteiro de seus relógios de pulso acelerava em
ritmo frenético. E mesmo os que tinham relógio digital viam o tempo aceler. Já a
distância entre eles e as carnes ia diminuindo. Quando faltava a distância de
um fio de cabelo para eles apanharem as carnes saudáveis e com pouca gordura
saturada, o tempo, sem o menor aviso, ficava muito, muito lento. Tudo ficava em
câmera lenta. E as carnes saudáveis iam ficando mais longe, como se o espaço da
seção aumentasse até perder de vista. Isso não tinha fim. E aumentava a
sensação de desespero dos pais que ficavam preocupados em conseguir comprar e
preparar alimentos para os filhos. E a coisa ia por aí. Uma hora o relógio
acelerava e o espaço encolhia e depois o tempo encolhia e o espaço aumentava.
Quando parecia que a situação não tinha mais fim e ficaria assim para sempre,
os pais em grupo, recebiam em suas mãos porções de linguiças, salsichas,
empanados. Quem lhes entregava essas carnes gordas não era outro senão o
espírito do supermercado. E ele dizia:
_ Para quem tem tempo e espaço
reduzidos essas carninhas gordas aceleram seus cozidos!
E os pais respondiam em coro aliviados:
_ Obrigado, obrigado senhor espírito
do supermercado. Nossos filhos coitadinhos vão comer e ficar gordinhos.
Assim que um pai ou mãe
apanhava a carne aquela sensação de que não ia dar tempo de preparar o alimento
sumia. No lugar dela vinha um enorme alívio de que agora as crianças não iam
mais ficar sem comer. Eles também não se lembravam de tudo que acontecia com
eles, saiam com amnésia e só tinham lembrança da sensação de alívio.
_ Ei, espírito – disse Lu –
por que você vende para eles essas carnes mais gordas? Minha vó fala que o
excesso de gordura de carne faz mal para a saúde.
_ Ora, ora, se não é a pequena
Lu e seus três bichinhos mágicos! Por que eu vendo essas carnes para eles? Quem
disse que eu vendo carne? Eu vendo tempo. Eles economizam tempo consumindo
essas carnes gordurosas que demoram pouco para ficarem prontas, algumas em 2 ou
3 minutos. Eu vendo conforto para quem não pode perder tempo. Ficar doente ou
não é só um detalhe. Além do mais... isso é segredo, hein? Não conte para
ninguém. Alimentos, cortes de carne ricos em gordura agradam mais ao paladar
das pessoas e elas sempre voltam para comprar mais. E o supermercado ganhando,
eu continuo o rei do pedaço.
_ Como pode fazer isso –
perguntou Leãonardo? Você não tem pena das pessoas que vão ficar doentes?
_ Meu caro leãozinho, o que é
um coraçãozinho que não bate muito bem diante da felicidade, da alegria. Além
do mais comendo minhas carnes as pessoas são felizes durante muito tempo. Um
coração não vai incomodar mais que uma ou duas vezes quando resolver falhar...hahahaha.
Ah, e por falar nisso, um pedacinho de costela de boi bem gordurosa para você Lu.
Venha pegar.
_ Seu espírito do mal – disse Pit – acha mesmo
que vamos deixar a Lu cair nessa sua armadilha de espaço e tempo?
_ Tenho certeza que não. Vocês
três juntos são muito espertos. Infelizmente, devo admitir.
_ Então, você vai desistir de
nos incomodar e deixar a Lu fazer suas compras em paz?
_ Eu? Desistir? Eu não disse
isso. Disse que vocês são muito espertos quando estão juntos. Então, se eu
quiser que a Lu compre uns produtos de “primeira” eu tenho que afastá-la de
vocês. Principalmente da cabeça do grupo, não é senhor, Aguianaldo?
_ E como acha que vai fazer
isso – perguntou Leãonardo?
_ Que tal assim?
Dizendo essas palavras o
espírito do supermercado arremessou no chão uma fileira de linguiças amarradas
umas nas outras. A coleção de embutidos retorcia-se no chão como se fosse uma
cobra.
_ “Linguiças gordurosas e
maléficas prenda essa águia orgulhosa com toda a pressa”.
Assim que o espírito disse as
palavras mágicas as peças de resto de carne se enrolaram umas nas outras ao
mesmo tempo que Aguianaldo caía no chão todo travado sem conseguir se mexer.
E o toque de mestre foi a
frase:
- Linguiça
que pode ser frita, assada ou cozida leva essa águia para longe da minha vida.
Leãonardo e Pit tentaram
segurar Aguianaldo e libertá-lo, porém, antes que conseguissem ele desapareceu.
_ O que você fez? – perguntou
Pit.
_ Usei a mesma arma que vocês,
Boizinho. Usei magia antiga.
_ Que tipo de magia faz com
que linguiças façam um ser mágico desaparecer? – perguntou inconformado
Leãonardo.
_ Eu posso explicar. Descobri
um livro de magia aqui no supermercado e decidir dar uma olhadinha nele. Lá
estavam descritas as leis da continuidade e da similaridade que vocês usaram
para enganar os guris espertos. Acontece que havia uma outra lei lá, a da
contrariedade. Ela simplesmente diz que coisas opostas se afetam. Aí pensei “o
que é o oposto da uma águia? Um ser celestial, que anda próximo ao sol e que
representa o bem? A resposta é: um se que rasteja, que anda nas sombras e que é
associado ao mal, a serpente. O meu problema é que não vendemos serpentes em
nenhuma das seções desse supermercado. Foi ai que eu olhei bem no finalzinho da
página. Lá estavam aquelas letrinhas bem miudinhas que usamos para escrever que
o super desconto da promoção só valia até ontem. Sabem o que estava escrito lá?
Que podemos combinar as três leis da magia como bem entendermos. Então pensei
posso combinar todas as leis entre si? Foi então que usei uma mágica para fazer
a linguiça acreditar que era uma serpente, afinal elas são parecidas, eis a lei
da similaridade. Daí, foi fácil! Como seu amigo Aguianaldo é o oposto de uma
serpente, tudo o que eu fizesse na minha
“linguiça-serpente” iria acontecer com ele. Viu? Fácil, não é?
_ Traga ele de volta – ordenou
Lu.
_ Quando vocês tiverem
terminado as compras ele volta, são e salvo. Não se preocupem. Aliás, vou fazer
um acordo com vocês.
Sem aviso a lista de coisas da
vó das dores saiu voando das mãos de Lu e foi parar na mão esquerda do espírito
do supermercado.
_ Vocês já devem ter reparado
que o supermercado começa e termina no mesmo lugar, como uma cobrinha que morde
o próprio rabo. Então, esqueçam os itens da lista de compras da vovó. Se vocês
conseguirem chegar até os caixas, o começo e o fim dos supermercados, eu me
encarrego de encher o carrinho para vocês. Com todos esses itens pedidos por ela
e garanto que só colocarei mercadoria de primeira.
_ E se nós não conseguirmos? –
perguntou Pit.
_ Bem, a Lu vai voltar para
sua casa, claro que agora sob minha influência e sempre vai voltar. Cada vez mais
fácil de convencer a comprar aquilo que ela não precisa. Já você e seus dois
companheiros ficaram aqui comigo. Sempre preciso de muita gente na seção de
pacotes.
_ Nós podemos não aceitar sua
proposta? – perguntou Leãonardo.
_ Não!
_ Já que é assim, nos
aceitamos seu acordo – disse Lu.
_ Muito bem! O jogo começa
agora. Ainda bem que não vou perder, se tivesse que procurar essas coisas
saudáveis que sua vó pediu eu teria que procurar nos porões do supermercado.
Afinal só deixamos ao alcance de todos o que não é tão bom assim. Claro que a
possibilidade de eu perder não existe...rs. Adeus, a gente se vê.
_ E agora? O que fazemos? –
perguntou Pit todo nervoso.
_ Temos que voltar para a
entrada do supermercado – respondeu Leãonardo. Mas eu não sei como. Já percebi
que toda vez que passamos por um lugar, as mercadorias das gôndolas são
trocadas!
_ Já sei – disse Lu – tendo
uma tremenda idéia – vamos usar fios de macarrão para ir marcando o caminho! A
gente amarra a ponta do fio de macarrão aqui e vai emendando outro e outro e
outro. Caso a gente se perca a gente pode sempre recomeçar a partir daqui.
_ Nossa não teria sido melhor
amarrar o primeiro macarrão quando entramos nesse troço? – perguntou Pit.
_ Claro que sim Pit –
respondeu Lu - mas nós não sabíamos que iríamos ficar presos aqui. Eu só não
sei como podemos fazer o macarrão ficar molinho a ponto de podermos amarrar um
no outro.
_ Isso é fácil – disse Pit. Eu
posso ir mastigando os fios de macarrão e com meu bafo de boi ele fica cozido
num instante!
_ Nossa, Pit! Você deveria
escovar os dentes – disse Lu com cara de nojo.
_Tá e quem ia te salvar? –
respondeu o boi meio ofendido.
_ A Lu já deu uma ótima idéia
para marcarmos o caminho – disse Leãonardo. Agora temos que voltar ao começo é
a única forma de ganharmos desse espírito do supermercado. Ele conhece tudo por
aqui, todas as seções. Nós não. Ele pode nos enganar com facilidade.
_ Vamos. Temos que voltar e
salvar o Aguianaldo.
E lá se foram eles, rumo às
prateleiras do desconhecido. Depois de vários minutos andando, Lu, Leãonardo e
Pit estavam com a impressão de estarem perdidos. As prateleiras pareciam todas
iguais. Pit continuava usando seu bafo de boi para amolecer o macarrão enquanto
Leãonardo e Lu iam amarrando um fio no outro. Eles são não sabiam se o macarrão
não iria acabar até eles acharem a saída.
_ Ei, você. É você mesmo! Você
está se sentindo fraco? – dizia uma voz que sem aviso surgiu do nada assustando
os três.
_ Nossa! Quem disse isso? –
perguntou Lu.
_ Não sei – respondeu Pit.
Essa voz parece estar vindo de todos os lados. E a voz continuava.
_ Aposto que você também está
cansado! Também acho que você não está crescendo!
Pouco à frente, Lu e seus
amigos avistaram várias pessoas que pareciam enfeitiçadas pela voz. Assim que
elas ouviam alguma afirmação da voz elas acenavam com a cabeça concordando com
tudo o que a voz dizia. Finalmente a voz falou:
_ Seu problema pode ser falta
de vitaminas.
Todas as pessoas enfeitiçadas
fizeram uma terrível cara de espanto e surpresa ao descobrirem que seus possíveis
problemas estavam acontecendo por falta de vitaminas. E a voz concluiu:
_ Tome vitaminex. Um produto a
base de vitaminas que vai ajudá-lo a ficar mais feliz, a crescer mais, a
crescer seu cabelo. Sei lá. Vai te ajudar a fazer tudo o que você quiser.
Todos os enfeitiçados gritavam:
_ Queremos vitaminex. Queremos
vitaminex.
De repente uma outra voz pôde
ser ouvida. Só que agora era uma das pessoas do grupo de enfeitiçados que
falava. Era um homenzinho com um livro de receitas na mão. Acontece que ele era
tão pequeno, mas tão pequeno que precisava subir numa enorme pilha de jornais
para que as pessoas pudessem enxergá-lo. Ele gritava:
_ Não acreditem nessa voz a
melhor fonte vitaminas saudáveis são alimentos naturais.
De alguma forma o homenzinho
com o livro de receitas não tinha sido enfeitiçado pela voz que mandava todo
mundo tomar vitaminex. E o ele continuava:
_ Não tomem esse vitaminex.
Vejam só. Aqui ao lado temos uma excelente fonte de vitaminas saudáveis. Basta
entrarmos na seção de frutas e vegetais. Eles são excelentes fontes de
vitaminas naturais e saudáveis.
O homenzinho do livro de
receitas falava com tanta certeza que todos os enfeitiçados acreditaram nele e
começaram a correr em bando para comprar frutas e vegetais. Acontece que assim
que elas entraram na seção de vegetais uma coisa terrível aconteceu. Os
vegetais e frutas começaram a atacar as pessoas. O abacaxi usava sua coroa para
espetar a mão dos que tentavam apanhá-lo. A cebola fazia com que as pessoas
começassem a chorar. Os cocos rolavam e caiam sobre os pés das pessoas. Enfim,
uma cena apavorante. E tudo parecia ser comandado por uma abóbora que tinha uma
cara terrível e assustadora igualzinha a essas que a gente vê em dia das bruxas
ou em filmes de terror. Ela não parava de comandar os vegetais para que
atacassem as pessoas. De todos, os mais assustados eram as crianças que na hora
começaram a morrer de medo só de ver um vegetal ou uma fruta.
_ Que coisa terrível – disse
Leãonardo. As pessoas estão morrendo de medo dos vegetais e frutas.
_ Temos que fazer alguma coisa
para ajudá-las – disse Lu.
O homenzinho com o livro de
receitas nas mãos continuava falando sobre a importância de consumir vitaminas
por meio do consumo de alimentos naturais. Só que em meio ao pânico ninguém
mais o ouvia. A voz que vinha de todos os lados repetia:
_ Vitaminex, vitaminex,
vitaminex.
Enquanto as pessoas corriam
dos vegetais e iam pegar caixas e mais caixas de vitaminas para levar para
casa.
_ Pessoal – disse o Pit – essa
voz está enganando as pessoas. O homenzinho do livro de receitas está certo. Os
vegetais e frutas são muito melhores em termos de vitaminas que o vitaminex. A
natureza já colocou tudo que o corpo precisa em quantidade e combinações
corretas nos alimentos. Isso não é assim no vitaminex.
_ Como você quer que as
pessoas comam frutas e vegetais se elas estão quase sendo comidas por eles? –
perguntou Lu.
_ Eu já tive vários amigos
vegetais e frutas – disse Leãonardo – e todos eles eram muito legais e dóceis.
Eles, inclusive, adoravam ser comidos. Não entendo porque os vegetais e frutas
desse supermercado estão agindo assim! Opa, o que é isso que está caindo na
minha cabeça?
Uma porção de sementinhas de
abóbora começou a cair sobre Leãonardo, Lu e Pit. Enquanto elas caíam era
possível ouvir bem baixinho o choro delas. As sementes estavam caindo do teto
em cascata e os três não puderam deixar de imaginar que aquelas sementinhas
pareciam lágrimas caindo do céu. Lu apanhou uma delas em suas mãos.
_ Ei, sementinha. Por que você
está chorando?
_ Por que nós fomos arrancados
de nossa casa, a abóbora. Agora sem nós ela está vazia e por isso ficou má. Não
tem mais sua essência.
_ Então é por isso que todas
as frutas e vegetais estão agindo dessa forma? – perguntou Lu para a
sementinha.
_ Sim. Todos esses vegetais e
frutas foram processados. Quer dizer eles não são mais saudáveis, pois foram
modificados. Alguns perderam as sementes, outros a casca. Uns receberam
substâncias químicas para ficarem mais verdinhos ou amarelinhos. Todos foram
modificados. Com isso, ficaram infelizes e começaram a atacar as pessoas. Daí,
ninguém vai querer consumir seus nutrientes partir de alimentos saudáveis. Vão
querer tomar produtos como o vitaminex que nem são bons e custam bem mais caro
que os vegetais ou frutas. Os donos do supermercado agradecem e o espiríto do
supermercado é promovido a gerente.
_ Então é isso! – disse
Leãonardo. Mas como a gente vai fazer com que os vegetais e plantas voltem ao
normal?
_ Não sei – disse Pit.
_ Nem eu!– falou Lu.
_ Nós podemos amadurecê-las
disse a sementinha.
_ Como assim? – perguntaram os
três.
_ A maioria desses vegetais e
frutas ainda são verdinhos. São bem jovens. Muitas vezes os jovens são mais
impacientes e não entendem bem as coisas. Por exemplo, os vegetais e frutas
dessa seção ficaram bravos por terem sido processados, como eu já disse. Quando
vamos ficando mais maduros, a gente entende melhor as coisas. Por isso, costuma
ficar um pouquinho mais paciente.
_ Mas como vamos com que eles
fiquem maduros? Isso pode demorar muito – disse Lu.
_ Vamos embrulhar todo mundo
em jornal – respondeu a sementinha. Quanto mais velho o jornal melhor! As
plantas vão ver a data do jornal e vão se sentir velhas. Logo, logo elas ficam
maduras. Bem rapidinho.
_ Então vamos – disse Pit.
Os três foram correndo até o
homenzinho do livro de receitas na mão. Explicaram para ele que precisavam dos
jornais dele para evitar que as pessoas comprassem o vitaminex. O homenzinho
ficou muito contente e deu todos os seus jornais de sua pilha com prazer. Lu,
Leãonardo e Pit começaram a enrolar os vegetais e frutas nos jornais. Claro que
não foi fácil. Eles levaram muita espetada dos abacaxis, choraram bastante por
causa da cebola e Pit caiu umas 4 vezes tropeçando em cascas de banana. Mas em
alguns minutos conseguiram embrulhar todo mundo!
_ E agora? – perguntou Lu.
_ E só esperar um pouquinho –
respondeu a sementinha.
Assim que foram embrulhados os
vegetais e frutas começaram a lutar para escapar do jornal. Mas depois de uns
dois minutos eles pararam de se agitar e assovios baixinhos começaram a serem
ouvidos. Em pouco tempo eram tantos assovios que pareciam que o som da música
deles vinha do sistema de auto-falantes do supermercado. Eles estavam
assoviando a primavera das quatro estações de Vivaldi!
Lu e seus amigos começaram a retirar os
jornais de cima das plantas e vegetais e perceberam que eles agora estavam mais
velhos, mais sábios e felizes. Eles já não eram aquelas plantas bravas que
atacavam as pessoas. Aos pouquinhos os enfeitiçados foram tomando coragem para
voltar até a seção de vegetais e frutas. Dessa vez eles não foram mais
atacados. As plantas e vegetais os recebiam de braços abertos e com um enorme
sorriso. Aos poucos elas foram deixando de comprar vitaminex. As plantas
pareciam melhores para as pessoas e custavam bem menos, isso era uma coisa
importante, pois para quem tava com o dinheirinho contado com a Lu, toda
economia era benvinda.
Logo já não tinha ninguém mais
comprando vitaminex. A voz que antes mandava comprar vitaminex não parava de
dizer:
_ Vocês três ainda me pagam!
Vou me vingar de vocês por não deixarem as pessoas comprarem vitaminex.
_ Obrigada, sementinha – disse
Lu dando pouca importância para as ameaças da voz.
_ Não tem do que. Eu é que preciso agradecer.
Mesmo que nunca mais possa estar junto a nossa querida abóbora. Pelo menos,
agora, eu e minhas irmãs sementes sabemos que ela vai ficar feliz e realizar
seu sonho de vida. Ser almoçada ou jantada num belo bobó de camarão!
_ Agora nós temos que ir –
disse Leãonardo. Adeus, sementinha. Precisamos sair desse supermercado que mais
parece um labirinto e achar nosso amigo, Aguianaldo.
_ Como ele é? – perguntou a
sementinha.
_ Ele tem penas marrons no
corpo e brancas na cabeça – respondeu Pit.
_ Eu sei onde ele está! –
respondeu a sementinha surpreendendo a todos. Enquanto eu estava caindo do teto
eu tinha uma boa visão de todo o supermercado e pude ver seu amigo. Ele está na
seção de “produtos que todos querem”. Basta
seguir em frente até o final da seção de vegetais e frutas. Não tem como errar!
O amigo de vocês está lá bem no meio, parado.
_ Que tipo de seção é essa? –
perguntou Leãonardo. Nunca ouvi falar disso!
_ Não sei – respondeu a
sementinha. Eles a chamam assim. Mas eu nunca estive lá. Essa é a primeira vez
que saio da abóbora. Ainda não conheço nada do mundo. Desculpem.
_ Tudo bem – disse Lu.
Sementinha você não sabe o quanto nos ajudou! – agradeceu. Adeus.
E saíram os três correndo em
direção a seção de “produtos que todos querem”.
_ Como vocês acham que é essa
seção? – perguntou Lu.
_ Não consigo imaginar. Pena
que o Aguianaldo não está aqui ele é que é bom nesse negócio de pensar –
respondeu Pit.
_ Como um lugar pode ter tudo
o que as pessoas precisam? – perguntou Leãonardo. Essa seção teria que ser do
tamanho do mundo!
Quando chegaram ao fim das
seção de vegetais e frutas os três tiveram sua resposta. Antes de entrar na
seção eles perceberam que nas prateleiras não havia produtos. Eles só tinham
palavras indicadas nelas: sem colesterol, 0% de gordura, natural, sem aditivos,
orgânico, bom para o crescimento. Foi então que eles perceberam como a coisa
toda funcionava. Quem entrava na seção tinha sempre um desejo em relação aos alimentos.
Algumas mães estavam preocupadas com a alimentação de seus filhos, daí quando
elas viam a frase “bom para o crescimento”, logo iam para a prateleira
correspondente. Como que por milagre aparecia um produto na prateleira que não
tinha marca ou preço. Mas as mães nem prestavam atenção nisso!
_ Nossa! O que esta
acontecendo lá? – perguntou Lu.
_ São os desejos! Eu entendo
tudo de desejo – disse Pit. São os desejos das pessoas que criam essas coisas
nas prateleiras. Vocês se lembram que estávamos curiosos com o tamanho que essa
seção teria? Ela não precisa ser grande. Na verdade não há nada nas prateleiras.
O truque está em fazer a pessoa comprar aquilo que ela já quer. Viram aquelas
mães? Elas nem prestaram atenção em outras coisas. O desejo delas era manter
seus filhos saudáveis!
_ Você tem certeza que é isso?
– perguntou Leãonardo.
_ Olhe lá – foi a resposta de
Pit.
Diante de uma prateleira que
dizia 0% de gordura um monte de esqueletinhos brigava como louco apanhando
iorgutes, barrinhas de cereais e outras coisas criadas por sua imaginação.
Todas, claro, sem o menor sinal de gordura.
_ Nossa por que as pessoas
estão aparecendo para nós como esqueletos? – perguntou Lu.
_ Por quê esse é o desejo
delas – respondeu Pit. Elas gostariam de ter tão pouca gordura que se pudessem
ficariam como esqueletinhos. Na verdade a aparência de esqueleto e a imagem do
desejo dessas pessoas de serem muito magras.
_ O triste – completou
Leãonardo – é que se uma pessoa fica sem comer gordura acaba virando um
esqueleto de verdade!
_ Como assim? – perguntou Lu.
_ O que o Leãonardo quer dizer
Lu – respondeu Pit – é que vocês humanos precisam de gordura para ficarem
vivos. Uma pessoa que fique muito tempo comendo coisas sem gordura acaba
morrendo.
_ Por que não avisamos elas
desse perigo? – perguntou Lu.
_ Não adianta – respondeu Pit.
O problema não é delas, é o supermercado. O problema é que elas já vêm para o
supermercado com esse desejo de não ter gordura. Nosso amigo, o espírito do
supermercado só se aproveita disso.
Enquanto os três discutiam o
que estava acontecendo na seção de “produtos que todos querem” a loucura
continuava entre as pessoas que entravam na seção. Um bando de mulheres atacava
produtos que prometiam ajudar pessoas que demoram muito a ir ao banheiro. Eram
os produtos contra a prisão de ventre. Enquanto as mulheres lutavam pelos
produtos imaginários, um monte de crianças verdes de vontade de ir ao banheiro
também tentavam pegar alguns. Só que elas nunca conseguiam.
_ Por que as crianças não
conseguem pegar os produtos contra prisão de ventre? – perguntou Lu. Elas estão
até verdes de vontade de fazer coco e não conseguem pegar nenhum um produtinho!
_ É que esses produtos não são
vendidos para crianças, os fabricantes os oferecem só para os adultos por isso
os desejos das crianças não têm efeito nas prateleiras – respondeu Pit.
_ E eles funcionam? –
perguntou Leãonardo.
_ Elefantes voam? – respondeu
Pit com outra pergunta.
_ Não entendi sua resposta –
disse Lu.
_ O Pit está brincando, Lu,
quando ele perguntou se os elefantes voam, ele quis dizer que os produtos
funcionam tanto quanto os elefantes são capazes de voar. Como os elefantes não
voam, os produtos não funcionam.
_ Ah, entendi – respondeu Lu.
Pessoal sabe do que estamos nos esquecendo?
_ É verdade! – respondeu
Leãonardo. Nos esquecemos do Aguianaldo. A sementinha disse que ele estava por
aqui.
_ Então, vamos entrar! –
respondeu Lu.
_ Eu não posso entrar! – disse
Pit assustando Leãonardo e Lu.
_ Por que não, Pit? –
perguntou Lu.
_ Porque existe muito desejo
flutuando nessa seção. Não sei se eu conseguiria me controlar aí. Eu posso cair
nas mãos do espírito do supermercado.
_ Mas você não precisa ter
desejos – disse Lu – você é um ser mágico. Você já é completo.
_ Eu sei, Lu – mas às vezes
não acreditamos nisso e acabamos enganados pelos nossos desejos.
_ Vamos, amigo – disse
Leãonardo. Nós lhe ajudaremos a passar por esse desafio.
_ Não posso, tenho medo! –
respondeu Pit. Vão e eu ficarei aqui esperando vocês.
_ Vamos, Pit – implorou Lu.
_ Está bem – concordou
finalmente.
E foram entrando naquela
confusão que era a seção dos “produtos que todos querem”. Mas assim que entrou,
Pit, e somente ele, começou a ouvir:
_ Você está com fome, não
está? Seu apetite é insaciável, não é? Não se preocupe não temos tudo o que
você precisa aqui. Sem perceber nada Leãonardo e Lu continuavam andando.
_ Vejam – disse Lu – lá na
frente. É o Aguianaldo. Vamos até lá.
Aguianaldo estava no meio da
seção com as asas abertas com se fosse voar. Ele estava duro como uma pedra, na
verdade, ele parecia uma estátua!
_ Aguianaldo, Aguianaldo –
chamava Lu.
_ Ele não consegue te ouvir –
disse Leãonardo. Ele ainda está enfeitiçado. Precisamos descobrir como quebrar
esse encanto e libertá-lo.
Enquanto isso Pit que estava a
alguns metros atrás continuava ouvindo coisas.
_ Você não quer matar sua
fome?
_ Você não vai me enganar –
respondia Pit para a voz. Eu sei que isso é um plano do espírito do
supermercado.
_ Então você não vai matar sua
fome?
_ Ei, Leãonardo – disse Lu –
com quem o Pit está conversando lá atrás? Eu não consigo ouvir o que ele está
dizendo.
_ É, você tem razão. Ele está
estranho. Vamos voltar lá e ver o que está acontecendo. A gente não devia ter
saído de perto dele.
_ Vamos lá! Prove alguma coisa
– continuava a voz que tentava Pit.
O pobre boi já não conseguia
pensar direito tal a fome que acreditava estar sentindo.
_ Veja! Prove esse peixinho de
açúcar e chocolate. Ele está divino. Você não acredita que uma coisinha tão
pequena como essa possa fazer mal a um boizão como você, não é? – insistia a
voz.
Não aguentando mais e sem
pensar direito, Pit resolveu apanhar o peixinho de açúcar e chocolate.
Leãonardo percebeu o perigo e gritou:
_ Pit, não prove esse negócio
– meu coração me diz que é uma armadilha!
Era tarde. Quando Pit
aproximou o peixinho de seus lábios esse ficou do tamanho de uma baleia e o
engoliu inteiro. Agora Pit estava dentro do estômago da baleia de açúcar e
chocolate. Assim que o engoliu, a baleia mergulhou num pote de frutos do mar e
desapareceu.
_ Pit, Pit – gritava Lu. O que
vamos fazer agora, Leãonardo?
Antes que esse pudesse
responder a mesma voz que tinha provocado Pit a provar o peixinho falou:
_ Dois já foram só falta um –
em seguida pode-se ouvir uma terrível gargalhada.
Quando Lu e Pit se viraram
para a direção de onde vieram e onde estava Aguianaldo esse também havia
sumido.
_ Vamos continuar, Lu –
respondeu atrasado Leãonardo. Segundo o pacto que fizemos com o espírito do
supermercado, se conseguirmos chegar aos caixas ele será obrigado a nos
devolver Pit e Aguianaldo.
_ Mas e se ele não cumprir sua
promessa? – perguntou Lu preocupada.
_ Não se preocupe – um ser
mágico não é como os seres humanos. Quando damos nossa palavra somos obrigados
a cumpri-la, independente de sermos seres bons ou ruins.
_ Então vamos? Quero sair dessa seção maluca – disse Lu.
_ Ainda não – disse Leãonardo.
Tenho uma surpresinha para o nosso amigo espírito do supermercado.
_ O que é?
_ É uma “pena rótulo” do
Aguianaldo.
_ Pena rótulo? O que é isso?
_ Nessa seção as pessoas estão
levando os produtos de acordo com seus desejos. E não com sua razão. Quer dizer
elas não estão pensando no que estão comprando. Elas compram por impulso. Por
isso, elas nem prestam atenção no que sai das prateleiras se é bom ou ruim. Pit
passou mal aqui, pois a energia dos desejos é muito forte e ele representa os
desejos humanos. Se quisermos ajudar essas pessoas, pelo menos enquanto
estiverem nessa seção, temos que dar elas algo oposto ao desejo impulsivo e
descontrolado.
_ E o que isso tem haver com
as penas do Aguianaldo? – perguntou Lu.
_ É que o Aguianaldo é o
símbolo da razão humana. Se a energia dele, a energia do pensamento, estivesse
forte aqui, as pessoas não comprariam por impulso, elas pensariam antes no que
estão fazendo. Pois entregar-se aos impulsos sem pensar pode ser muito
perigoso. Veja o que está acontecendo aqui. É aí que entra a “pena rótulo”.
Essa pena mágica aumenta a capacidade das pessoas pensarem no que vão comprar.
_ Mas como elas vão pensar
nisso? – perguntou Lu.
_ Elas não vão pensar
sozinhas. Eis a magia da pena. Com ela todos os produtos passarão a ter
informações corretas atrás deles. Essas informações são chamadas de rótulos.
Tudo o que a pessoa quiser saber sobre os alimentos esta lá. Com isso, ela vai
pensar bem antes de comprar e vai saber o que está comprando. Aí essa não vai
ser mais a seção dos “produtos que todos querem”.
_ Assim, ajudamos as pessoas a
comprarem melhor e atrapalhamos os planos do malvado espírito do supermercado,
não é?
_ É isso mesmo, Lu. Você
entendeu bem o plano.
_ E como fazemos isso?
_ Basta dizer algumas palavras
mágicas e jogar a pena para o alto. Toda vez que alguém imaginar alguma coisa,
essa alguma coisa vai aparecer com rótulo. Se a pessoa pegar o produto de
frente, pois o rótulo fica atrás, sentira cócegas nas mãos e será obrigado a
virar o produto. Daí vai saber toda a verdade sobre o que está comprando,
inclusive se o produto funciona para o que ela quer.
_ Uau! Isso vai ser demais.
_ Então aí vai: “Para quem tem
dúvida sobre o que escolher e só sabe usar a compulsão aí vai uma pena rótulo
para ajudar na decisão”.
Assim que disse as palavras
mágicas Leãonardo lançou a pena rótulo para o alto e ela se dividiu em milhares
de outras penas que foram pousar nas prateleiras da seção. Depois de alguns
minutos, os esqueletos voltaram a adquirir aparência de gente, as crianças
verdes voltaram à aparência normal e as mães esvaziaram seus carrinhos de
falsos produtos para crescimento. Lu e Leãonardo não esperaram para ouvir os
gritos de raiva do espírito do supermercado:
_ Ai que raiva! Esse pessoal já está me torrando a paciência.
Lu e o leão seguiam em frente.
_ Você acha que falta muito? –
perguntou Lu.
_ Já estamos bem perto do
final.
_ Como você sabe, Leãonardo?
_ Sou um ser mágico, lembra?
Minha capacidade de saber tudo está afetada pelos poderes do espírito do
supermercado. Se pelo menos a gente pudesse contar com os pensamentos de
Aguianaldo e os impulsos do Pit, poderíamos saber com mais certeza. Mas ainda
acho que estamos perto.
_ Tomara que você esteja,
amigo.
_ Podemos perguntar a eles ali
na frente.
Leãonardo estava falando de um
monte de seres que estavam pulando, voando e lutando entre si nas prateleiras
da próxima seção. Na verdade eram serem muitos especiais. Eles eram
super-heróis e personagens infantis que tinham sido desenhados nas embalagens
de pães, pizzas e biscoitos da seção. Embora ninguém pudesse vê-los eles
continuavam suas aventuras das revistas em quadrinho e da televisão nas
embalagens.
_ Veja, Leãonardo. Os meus
super-heróis prediletos! Nossa que emoção! Acho que vou levá-los comigo!
_ Isso mesmo – disse um dos
personagens prediletos de Lu – o monstrinho Bacu. Leve-nos para casa e nós
brincaremos juntos.
_ Brincar com você? Onde? –
perguntou a menina entusiasmada.
_ Aqui mesmo no meu mundo! Você não gostaria
de ver bem de pertinho essas cores vivas e maravilhosas do meu mundo?
_ Claro que quero – respondeu Lu.
_ Espere um pouco, Lu – disse
Leãonardo. Esse monstrinho Bacu esta te enganando. Um super-herói de verdade
não pode ficar do lado de produtos que fazem mal para a saúde.
De repente todos os
personagens e heróis dos pacotes de pães e bolos começaram a vaiar com
Leãonardo.
_ Não acredite neles, Lu –
continuava Leãonardo. Eles não são seus personagens. Esses daí estão dominados
pelo espírito do supermercado.
Os personagens continuavam a
vaiar Leãonardo e Lu estava totalmente confusa. Sem aviso, vários personagens
das embalagens, todos do tamanho de um polegar, começaram a agarrar Leãonardo.
Apesar deles serem bem pequeninhos eles eram tantos que depois de alguns
segundos tinham prendido Leãonardo no chão. Quando ele estava totalmente imobilizado
o monstrinho Bacu saiu de seu pacote de bolo e pousou sobre o peito do leão.
Leãonardo tentava se Lubertar, mas era inútil. Ele não conseguia se mexer. Já
não conseguia nem falar, pois os personagens dos quadrinhos estavam segurando
sua língua. Lu desesperada pedia para que parassem.
_ Por favor, soltem ele. Ele e
meu amigo. Isso não está certo. Meus super-heróis jamais fariam isso!
De nada adiantou os apelos de Lu.
O monstrinho Bacu que ainda estava sobre o peito de Leãonardo parecia não ouvir
nada. Com um olhar enlouquecido ele enfiou um dos braços no peito de Leãonardo
e retirou seu coração mágico. Sem seu coração o leão parou de se mexer. O
monstrinho Bacu tinha matado Leãonardo! Um minuto depois o corpo de Leãonardo
desapareceu.
Sem acreditar na maldade do
monstrinho Bacu Lu saiu correndo dali chorando desesperada. Não sem antes dizer
ao monstrinho Bacu o que achava dele agora.
_ Eu te odeio – disse a
menina.
Os olhos do monstrinho Bacu
que estavam transformados pelo ódio contra Leãonardo, mudaram quando ele ouviu
aquilo da admiradora que ele mais gostava. Se Lu tivesse esperado um pouquinho
mais teria percebido que não só o olhar mudou, os olhos também ficaram um
pouquinho mais cheios de água.
Lu continuava correndo
desesperada, não conseguia ver para onde estava indo. Não conseguia pensar em
nada a não ser em ter perdido seus amigos. Ela não sabia o que fazer. Ela só
chorava. Ela só parou de chorar quando tropeçou em algo e caiu. Agora ela
estava em um lugar diferente. Na verdade, bem diferente de todo o resto do
supermercado. No centro do lugar estavam Aguianaldo, Pit e Leãonardo. Todos
como estátuas. De fato, ela já tinha visto Aguianaldo assim, mas Pit e
Leãonardo eram uma novidade.
_ Onde estou? – perguntou a
menina para si e sem esperar nenhuma resposta. Mas a resposta acabou vindo.
_ Você está na seção de
conservas salgadas. E pelo que vejo está sozinha – completou a voz de forma
maldosa.
_ A culpa é toda sua. Como
alguém pode ser tão mal como você, Sr. espírito do supermercado?
_ Na verdade eu não sou mau.
Sou só um espírito, uma energia. Mas que, por causa da ganância das pessoas,
acaba sendo usado para o mal.
_ Você não pode culpar os
outros pelo mal que faz. Mesmo que eles lhe peçam algo ruim, no final, é você
quem deve tomar a decisão.
_ Não tente me ensinar o que
fazer mocinha! Você nem é capaz de decidir o que comprar sozinha! – completou o
espírito do supermercado. Por sua causa seus amigos estão aí. Presos para
sempre.
_ O que você fez com eles?
_ Nada demais. Eu apenas os pus
no sal! O sal em excesso retira a umidade de tudo e as preserva para sempre.
Tudo fica estéril e sem vida com o excesso de sal. Mas o sabor dele e
fantástico. As pessoas preferem arriscar a saúde e comer coisas salgadas só
para sentir o sabor.
_ O que esse excesso faz nas
pessoas?
_ Bem, em seres mágicos como
seus amigos ele paralisa e petrifica. Em seres humanos ele desequilibra o
organismo. Depois de algum tempo a pessoa não consegue mais viver!
_ Você é um monstro!
_ Não. Eu não as obrigo a
consumir coisas salgadas. Elas ouvem o tempo todos que isso faz mal.
_ Então porque você não coloca
aviso nas prateleiras ou rótulos nos produtos? Não. Você só quer que as pessoas
comprem e não está preocupado com a saúde delas – completou a menina cujas
lágrimas voltavam a aparecer no rosto.
_ Isso não é minha responsabiLudade.
_ Na verdade, a menina está
certa, espírito – disse uma voz vinda detrás. Era o monstrinho Bacu.
_ Você, seu monstro. Eu lhe
odeio. Você tirou a vida de Leãonardo.
_ Não te culpo por você me odiar,
Lu. Mas não posso viver sabendo disso! Você me fez descobrir que nós os heróis
estávamos todos errados. Super-heróis infantis têm muita responsabilidade em
relação as crianças. Nós somos modelos e nossas atitudes representam exemplos que
as crianças desejariam seguir. Se decidirmos algo errado, que exemplo estamos
dando? Eu lhe digo, o pior possível. Independente do que nos peça o espírito do
supermercado ou qualquer outro, não podemos associar nossa imagem a produtos
pouco saudáveis como cigarros, cervejas, pães não integrais, bolos cheios de
açúcar ou pizzas. Sim, pizzas. Todos só culpam o hambúrguer como algo ruim,
algo que afeta a população de todas as pessoas do mundo. Mas o que dizem das
pizzas? Nada não é? Mas elas são tão ou mais perigosas que os hambúrgueres.
_ Do que adianta tudo isso se
meu amigo está morto?
_ Ele não está morto, Lu.
Seres mágicos não morrem. Eles ficam dormindo por um tempo e depois voltam.
_ O que você pensa que esta fazendo Bacu? –
disse o espírito do supermercado. Nós temos um acordo!
_ Não, nós tínhamos um acordo.
Você nos disse que se ficássemos nas embalagens iríamos alegrar as crianças e
fazê-las felizes. Como isso pode ser verdade se o que estamos vendendo faz mal
para a saúde? Fiz a fã que mais admiro chorar e agora ela me odeia. Não posso
mudar isso. Mas posso corrigir o que sei que está errado. Nosso trato está
desfeito. Todos os outros personagens concordam comigo e estão em dívida com
seus admiradores. Lu, você já prestou atenção no sabor das suas lágrimas?
_ Minhas lágrimas?
_ Prove-as, por favor – disse
o monstrinho Bacu.
Lu fez o que o monstrinho Bacu
pediu.
_ Elas são salgadas! Mas o
espírito do supermercado disse que o sal mata as pessoas? Como algo que mata
pode estar no meu corpo?
_ Ele não te disse toda a
verdade. Sem o sal não vivemos. Ele faz parte de nosso organismo, mas em
excesso, como muitas outras coisas importantes, ele pode fazer mal.
_ Então o segredo entre a
saúde e a doença, quando falamos de sal, é a quantidade que comemos?
_ Sim, Lu. É exatamente isso.
O sal tem que ser consumido com moderação. O problema de seus três amigos é que
eles foram mergulhados numa quantidade muito grande de sal.
_ Como vou ajudá-los?
_ Com suas lágrimas. Elas vão
dissolver o excesso de sal.
_ Você não pode ensinar isso a
ela! – disse o espírito do supermercado furioso.
_ Posso, sim – disse o
monstrinho Bacu. Rapazes, segurem-no!
Todos os personagens de
embalagens de pães não integrais, pizzas e bolos agarraram o espírito. E nem
com toda sua magia ele foi capaz de se libertar. Lu apanhou três lagrimas de
seu choro e pingou uma em cada um dos seus amigos. Quando o sal de seus amigos
foi diluído eles voltaram ao normal.
_ Obrigado, Lu – respondeu
Aguianaldo.
_ Você conseguiu! – disse Pit.
_ Sua vó ficará orgulhosa de
você – finalmente, falou Leãonardo. É bom estar de volta, obrigado Lu. Ficar
sem coração é uma chatice.
Lu abraçou seus amigos mágicos
bem apertado e com lágrimas nos olhos. Só que dessa vez de felicidade.
Quando deram por si estavam
junto aos caixas. Eles tinham voltado para a entrada do supermercado! Haviam
vencido o espírito do supermercado! Como sinal de sua vitória um carrinho com
todos os itens pedidos pela vó das doress apareceu na frente de Lu. Claro que
os alimentos eram dos mais saudáveis. E o que era melhor, as compras estavam do
lado de fora dos caixas. Elas estavam pagas! Leãonardo estava certo, mesmo
seres mágicos malignos como o espírito do supermercado, tinham de cumprir a
palavra dada.
_ E agora? – perguntou Lu.
_ Agora vamos voltar para a casa
da sua vó – respondeu Aguianaldo.
_ Nós já estávamos sentindo
falta desse seu jeito todo certinho de pensar Aguianaldo – disse Lu e todos
riram.
_ E quanto ao espírito do
supermercado? – perguntou Pit.
_ Ele continuará aqui. Afinal,
ele foi criado nesse lugar – respondeu Leãonardo.
_ Então ele continuará
enfeitiçando as pessoas para que elas comprem coisas iludidas? – perguntou Lu
espantada. Então tudo o que passamos foi inútil?
_ Não, Lu, não foi – disse o
monstrinho Bacu que estava ao lado dos quatro. Você mudou minha cabeça e a dos
meus irmãos super-heróis. Agora o espírito do supermercado não terá mais nossa
ajuda em suas maldades. Ele também está mais fraco, pois agora conheceu a
derrota. Além disso, vocês não poderiam resolver tudo. Lembre-se a magia só
funciona porque as pessoas acreditam nela. O espírito do supermercado só tem
poder sobre as pessoas porquê elas permitem. Nem todo mundo tem ajuda do
pensamento, emoção ou desejo como você. Afinal, é isso o que seus amigos são. E
lhe dou uma última dica, minha querida. Quando eles se unem eles não formam
apenas um Lamassu. Eles formam o homem. O homem perfeito é a união dessas
coisas, cabeça, coração e estômago. Se isso estiver equilibrado na proporção
correta, assim como seus amigos são equilibrados entre si, qualquer pessoa pode
entrar num supermercado sem ter medo de ser enganada.
_ Ei, Bacu – disse Lu – me desculpe
por dizer que te odiava!
_ Não precisa pedir desculpa,
minha querida – disse o monstrinho Bacu com lágrimas mágicas nos olhos – você deve
desculpar a mim porque quase não fui capaz de merecer seu amor. Agora vocês
devem ir, sua vó está lhe esperando.
Minutos depois Lu chegava com
as compras na casa de sua avó.
_ Vovó, vovó! Cheguei.
_ Oi, filhinha – respondeu a
vó das dores que já estava de pé e arrumando a sala.
_ Vó, você se levantou?
_ Não se preocupe meu bem, eu
já estou totalmente recuperada!
_ Puxa, vó! Você parecia tão
doente! Que se não te conhecesse acharia que você fingiu ficar doente.
_ Eu, filhinha? Imagina! Mas
me diga como foi no supermercado? Você teve problemas?
_ Só um pouquinho, vovó. Mas
foi como você disse. Aguianaldo, Leãonardo e Pit me ajudaram muito!
_ Quem?
_ Os animais mágicos do
Lamassu.
_ Ah, então esse foi o nome
que você lhes deu?
_ Como assim, vó? Esses não
são os nomes deles?
_ Não, filha. Cada um lhes dá
um nome diferente. Eu os chamava diferente. Para cada pessoa eles se apresentam
de um jeito único. Agora eles se apresentaram para você, pois é com você que
vão ficar.
_ Ficar comigo? O Lamassu é
seu vó.
_ Não. Eles são meu presente
para você. Sua mãe não o quis. Ela já não acreditava em magia. Você não foi mudada
pela falta de fé do mundo. Cabe a você usá-lo da melhor forma para receber
ajuda e, principalmente, auxilir aos que não tem um Lamassu. Lembra da palavra
que invoca os três animais?
_ Sim. Mas eu não preciso
usá-la, eles ainda estão aqui comigo – disse Lu. Mas em seguida ela reparou que
seus três amigos já tinham voltado para a estátua do Lamassu.
_ Então, filha? Já sabe para
que vai usá-lo?
_ Bem, vó das dores, a gente
tem muito tempo para pensar em tudo o que pode fazer. Mas por enquanto há
muitos espíritos de supermercados para visitar aqui na cidade.
FIM