sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Quando papai me desenhou



Diz o ditado que “coração de mãe não se engana”, e o de Priscila não se enganou, desde que soube que teria Guilherme, ela sentia que seria um menino muito, muito levado.
Como não queria ficar com os cabelos brancos antes da hora, decidiu tentar deixar “Gui” um pouco mais calmo ainda na barriga: comprou uma coleção de musiquinhas tranquilas, começou a respirar bem devagarzinho e sempre dizia: “Fica quietinho, Gui.”
Mas era como se Priscila estivesse pedindo: “faça bagunça”. Pois quanto mais ela pedia para ele ficar tranquilo, mas o menino parecia se divertir pulando e se agitando sem parar. Priscila, teimosa, não desistia. Sendo uma mulher bastante séria e comportada desde pequena ela queria fazer valer outro ditado: “Filho de peixe, peixinho é”.
Nos últimos três meses, contudo, o rapazinho estava exagerando. Não importava se sua mãe estivesse na sala de casa, na academia de dança ou no supermercado, Gui começava a pular, chutar para todos os lados e não parava mais. A agitação era tanta que Priscila não conseguia fazer mais nada e ficava repetindo “fica quietinho, Gui”, mas o sapeca não dava bola.
Sem que a mãe percebesse, Zenon, o pai do garoto, ria baixinho do jeito levado do filho e fechava os olhos imaginando-o mais velho, fazendo bagunça em todos os lugares.
Então, um dia, Guilherme despertou assustado porque em algum lugar sua mãe estava chorando e gritando de dor. Ao mesmo tempo, as paredes da barriga dela pareciam querer expulsá-lo dali. Já seu pai, pedia que ela se acalmasse, pois tudo acabaria bem, isso enquanto dizia palavras feias para que os outros os deixasse passar com o carro.
Já no hospital e sem entender o que estava acontecendo, o menino começou a pular e se agitar para ver se sua mãe falava com ele, mas ela ficou ainda mais nervosa e por fim gritou bem alto: “agora não, fica quieto, Gui, por favor!” Se até então os pedidos de sua mãe o deixavam com vontade de se mexer ainda mais, daquela vez, foi um baita susto. Priscila parecia brava com ele e de repente parou de dirigir-lhe a palavra! Assustado, pela primeira vez ele resolveu obedecer. Ao longe Gui ainda ouvia “amor, acorde, por favor”, mas magoado, resolveu tapar os ouvidos.
Depois de muito tempo amanheceu e o pai de Gui, espantado, acordou a mulher:
“Meu amor, venha ver isso!”
Na cômoda ao lado da cama em que estavam um livro grande, com um lápis ao seu lado, piscava liberando uma luz verde fosforescente. Nenhum dos dois tinha ideia de onde tais objetos tinham surgido. Indeciso, Zenon, logo sugeriu que talvez fosse melhor não tocar nele. Priscila, contudo, corajosa como sempre, apanhou o livro e quis ver o que havia nele, mas logo descobriu: estava em branco. Alguns instantes depois ele parou de piscar. Sem poder explicar o que estava acontecendo deixaram o livro onde o encontraram.
Na madrugada seguinte, Priscila ouviu um barulhinho de folhas sendo manuseadas, quando abriu os olhos, o misterioso livro estava aberto! Onde antes só existia uma página em branco, agora estava escrito “Guilherme. Além disso, embaixo do nome vários desenhos compondo uma história enchiam as páginas. Priscila e Zenon perceberam que já tinha visto o personagem daquele desenhos, era o Tímpano, uma famosa orelha mutante de um desenho animado muito visto por Gui e cuja força dependia dos barulhos da grande cidade. Guilherme gostava muito do tímpano.
A primeira página da história mostrava que o herói havia sido enganado por seu grande rival, o Girafa. Sem que Tímpano soubesse, o terrível vilão esvaziara a cidade dizendo para todo mundo que era feriado. Aproveitando a falta de barulho para enfraquecer Tímpano, Girafa o capturou e amarrou na linha do super silencioso metrô ecológico. O pobre herói seria amassado...
Então, na próxima cena, Zenon e Priscila, levaram um susto: enquanto o desenho mostrava o Girafa dizendo a Tímpano que aquele era o fim (como fazem todos os vilões que estão perto de acabar com  seus inimigos), Gui entrava em cena! Ele estava com a aparência de 4 ou 5 anos; curioso, Zenon não lembrava com quantos anos o filho estava agora.
   Surpreso o Girafa pegou caneta e lápis e mostrou um bilhete com os dizeres:
“Vá embora, Guilherme, você não pertence a essa história”.
Decidido, Gui ordenou que seu herói predileto, o pobre Tímpano, fosse solto imediatamente! Sem responder, o Girafa, sacou uma arma de raios e disparou. Com incrível agilidade, Gui se desviou daquele e de todos os outros raios lançados pela arma do vilão, mas não o fez quietinho, enquanto pulava e esperneava para não ser atingido, o menino cantava e gritava como só ele sabia fazer. Quanto mais barulho ele fazia, mais aumentava a fúria silenciosa do Girafa e o que era melhor, a força do Tímpano!
Quando o dedo do Girafa já estava quase dormente, ocorreu um estrondo! Era o Tímpano que graças à barulheira do agitado Gui conseguiu as forças necessárias para arrembentar as correntes de aço que o prendiam. Sem esforço o herói, capturou o Girafa; antes de levá-lo à delegacia, ele agradeceu:
_ Gui, você me salvou, muito obrigado. Por que você não fica aqui e me ajuda com os malfeitores? Seríamos uma dupla imbatível!
_ E mamãe e papai?
_  Oras, eles não o querem com seu super poder de fazer bagunça. Ficam sempre te pedindo para ficar quieto. Vem comigo!
De repente, a próxima página do livro estava em branco! Aquele tinha sido o último quadrinho. Zenon e Priscila se entreolharam e, de repente, ela deu um grito de horror. Ela ainda não tinha visto Gui naquele dia e pressentiu que caso seu filhinho ficasse na historinha, ela o perderia para sempre!
Então, uma luzinha acendeu lá no fundo da cabeça do pai de Gui. Apanhando o lápis que encontrara próximo ao livro, ele começou a desenhar o filho do jeito mais parecido que se lembrava. E as páginas do livro começaram a se preenchidas por outra história. Agora Gui não era só mais um menininho, e sim um adolescente que tinha assumido a identidade de um super herói, o Goela. Intrépido parceiro do Tímpano para juntos lutarem contra o mal!
Com o livro nas mãos, Zenon começou a chamar pelo filho. Contudo, por mais que gritasse não conseguia que o desenho de Guilherme o ouvisse. Então, também sem saber de onde vinha aquilo, foi a vez de Priscila ter sua ideia fantástica: pediu a Zenon que se desenhasse no caderno e fosse falar com o filho.
Desesperado para encontrar o filho seguiu o conselho da mulher. Contudo, diferente de Gui e do Tímpano cujos traços reproduziam aqueles de desenhos novos, os que passavam na televisão naqueles dias, Zenon só foi capaz de se desenhar com a aparência dos antigos desenhos de sua própria infância! Assim que terminou o esboço de si próprio, o pai de Gui acordou dentro da história. Ele começou a correr e gritar pelo filho e não demorou para encontrá-lo só que agora ele já era um adolescente. Quando se aproximou o pai percebeu que seu filho conversava com o Tímpano sobre sua próxima aventura dos dois.
Quando se viram, pai e filho trocaram um longo abraço e com lágrimas nos olhos Zenon pediu ao garoto que voltasse com ele para casa. Nessa hora, o Tímpano se aproximou e lembrou ao rapaz que os pais dele viviam dizendo para ficasse quieto. Segundo a orelha mutante, Gui não era querido por eles. Por outro lado, no papel de Goela ele seria sempre útil e amado. Por fim, Tímpano disse que depois de um tempo o casal acabaria tendo outro filho como queriam, isto é, mais quieto e seriam felizes sem nunca sentir a falta de Gui.
Então o Goela, ou melhor, Guilherme se afastou do abraço do pai e perguntou a ele se aquilo era verdade: se não gostavam de seu jeito ativo e levado. Sem querer demonstrar ao filho a raiva que estava sentindo pelas palavras daquela orelha, o desesperado Zenon disse que não e que tanto ele quanto Priscila o amavam mais que tudo!
De repente, Tímpano fez com que a história mudasse e as cenas dos natais que Gui passou com seus pais foram surgindo. Em nenhuma daquelas data o menino ganhara os presentes que tanto desejara: instrumentos musicais, carrinhos de controle remoto chineses luminosos e barulhentos, bolas de futebol para chutar dentro de casa. Nada disso! Ano após ano, o menino ganhava palavras cruzadas, apitos para chamar cachorros, quebra-cabeças, um contador de decibéis para controlar o próprio barulho.
À medida que ia vendo seus sucessivos natais, Guilherme afastava-se do pai e se aproximava de seu novo amigo. Zenon dizia ao filho que aquilo não era verdade; aqueles natais nunca tinham existido. Daí, o pai olhou para cima rumo ao céu branco e infinito do livro e disse: “não é verdade, amor?” Torcendo para que a esposa, em algum lugar o ouvisse, e respondesse. Os segundos se passaram e a voz de Priscila não se fez ouvir. Aproveitando-se Tímpano falou:
_ Não te disse que ela não liga pra você?
Então, puxando Gui pelo braço o herói sumiu num quadrinho qualquer da história.
Zenão não sabia mais o que fazer. Quem sempre tinha uma saída era Priscila, mas parecia que ela não estava vendo o que acontecia no livro. Mas quando ele começa a se achar mais desesperado que uma criança pequena ao perceber que se perdeu dos pais num supermercado gigante, vários personagens novos foram surgindo ao lado de Zenon; ele mal pôde acreditar, eram os mesmos dos desenhos que ele assistia quando criança. Era a mãe do garoto enviando uma ajuda ao marido.
Depois de abraçar todos seus desenhos prediletos da infância Zenon começou a gritar por Gui. Seus amigos começaram a fazer o mesmo. Logo a gritaria se tornou insuportável e ninguém naquele livro poderia deixar de ouvi-los. De fato, de um quadrinho lateral da história surgiu o Tímpano; ele estava sozinho.
Ele partiu em direção a Zenon tentando atacá-lo, mas os desenho antigos vieram defender o pai de Gui. Porém, um a um eles foram derrotados por Tímpano. Só então o pai de Gui percebeu seu erro: ao gritarem eles aumentaram incrivelmente as forças do desenho amigo de seu filho! Assim que derrotou o último desenho antigo a orelha e agora revelado falso herói disse:
_ Vou me livrar de você e Gui ficará aqui para sempre!
Ao mesmo tempo em que tentava se defender dos socos e pontapés de Tímpano Zenon gritava por seu filho. Quando ele finalmente que não tinha mais forças uma voz disse:
_ Tímpano, o que você está fazendo?
Era um jovem de uns 25 anos, um homem feito, mas entre seus olhos inchados Zenon conseguiu ver claramente que era Gui crescido.
Sem olhar para trás e segurando o pescoço de Zenon Tímpano respondeu que estava se livrando de uma praga. Gui disse que heróis não faziam aquilo e que deveriam libertar aquele homem para enfrentarem novas missões. Contudo, Tímpano já não o estava ouvindo e começou a apertar o pescoço de Zenon. Confuso, o rapaz não sabia o que fazer, achava que conhecia aquele homem, mas não se lembrava de onde.
Quando Zenon estava prestes a desmaiar novos desenhos surgiram entre ele e Gui. O curioso é que não eram nem os desenhos da época de Zenon nem os que Guilherme conhecia, mas eram desenhos sobre os dois. Eles iam surgindo um após o outro. Podia-se ver quando Gui fugia da cama de madrugada aos finais de semana para ficar assistindo televisão com seu pai que chegara do serviço. Noutro, Gui e Zenon apareciam na primeira vez que ambos foram ao estádio assistir a um jogo de futebol. Gui riu quando viu o desenho dele tomando uma bronca de sua mãe e seu pai, incapaz de ficar sério, começou rir fazendo com que todos caíssem na gargalhada. Desenho após desenho Gui foi se lembrando, então:
_ Tímpano, largue meu pai!
A ajuda dada por Priscila desenhando várias lembranças no livro tinha funcionado!
Surpresa a orelha mutante se voltou para Gui e perguntou como o jovem podia ficar ao lado de quem não o amava enquanto ele, Tímpano, tinha cuidado dele e o aceitado do jeito que era. Mas como resposta ouviu que tudo o que tinha feito foi enganá-lo, ninguém o amava mais que seus pais. Furioso, o ex-herói de Gui disse que se ele tentasse defender Zenon ele também seria atacado já que agora ele estava muito forte e não precisava de mais ninguém. Gui disse apenas:
_Você não é mais meu herói.
Tímpano começou a gargalhar, mas depois de alguns segundos parou e começou a perguntar o que estava acontecendo até que desapareceu da história; ele nunca soube mas sem Gui não tinha como existir.
De repente Priscila abriu os olhos. Estava numa mesa cirúrgica com vários médicos a sua volta e Zenon segurando sua mão. O que está acontecendo? Onde estou? Perguntava ela. Então, com lágrimas nos olhos, seu marido lhe disse que no meio do parto ela tinha desmaiado e o bebê deles havia parado de se mexer. Agora os médicos estavam preocupados com o que iria acontecer.
“Então tinha sido tudo um sonho?” se perguntava Priscila. E se tivesse sido? O importante era que seu Gui estava correndo perigo. Arrependida por querer moldar o jeito de seu futuro filho, num impulso um grito veio de seu coração de mãe:
_  Gui para de ficar quieto! Mamãe ama que você seja sapeca!
Todos na sala se entreolharam e um dos médicos se adiantou a dizer entre lábios para Zenon que aquilo era efeito da anestesia. Efeito do remédio ou não, um segundo após o grito de Priscila um dos doutores, aquele que estava com as mãos por cima da barriga da mulher, deu o alarme: o garoto tinha voltado a se mexer e estava terminando de sair!
Enquanto os médicos mais contidos respiravam aliviados, Zenon deu um beijo na esposa e, emocionada, uma enfermeira começou a bater palmas!
Quando puxaram Gui para fora, ele se mexia e pulava alegremente e assim que recebeu o famoso tapinha no bumbum resolveu fazer sua primeira travessura: ao invés de chorar, espirrou!

FIM

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Supermercado: o lugar mais perigoso do mundo - 2006




O dia mais gostoso da semana tinha finalmente chegado! Uma vez por semana, toda sexta-feira, era dia de Lu visitar sua avó, Maria das Dores. Ou simplesmente vó “das dores”.
A vó das dores vivia sozinha. Costumava dizer que os filhos deviam ter suas próprias casas e cuidar da própria vida. Claro que todos eles, inclusive os pais de Lu, estavam sempre por perto cuidando da mãe. Mas ninguém ousava contrariar a bondosa senhora em seu desejo de viver em sua própria casa, sozinha. Lu não conheceu seu avô.
A garota tinha um jeitinho um pouco diferente de suas amiguinhas, ao contrário da maioria das meninas do sul do Brasil ela tinha uma pele morena, tipo jambo e o cabelo mais pretinho que uma jabuticaba. Seus olhos eram tão escuros quanto os cabelos, mas quase sempre estavam iluminados e brilhantes. A vó das dores falava que isso era a alminha curiosa da neta que brilhava toda vez que ela aprendia coisas novas, e Lu, adorava aprender o tempo todo. Por isso, as sextas-feiras eram especiais. Era certo que a avó das dores ia contar um monte de histórias novas para ela.
_ Vovó? – chamou Lu na porta da casa da avó.
Era só chamar que “das dores” aparecia como um raio na porta para receber a neta com uma chuva de beijos. Tão rápido que Lu chegava a duvidar que sua avó não conhecia alguma mágica que sempre a deixava em plena forma física. A senhora respondia que essa mágica era o amor que ela tinha pela neta.
Mas hoje algo diferente estava acontecendo. Lu teve que chamar a avó mais uma vez, outra e mais uma ainda. E ela não apareceu, nem mesmo devagar como a maioria das velhinhas costumava fazer. Lu decidiu entrar! Passando pela sala, subiu as escadas e chegou no quarto da avó com o coração batendo a toda força...mais de preocupação do que pela corrida.
_ Oi Lu – respondeu dona das dores que estava deitada na cama.
_ Vovó. O que aconteceu? Você está doente? Por que seus olhos estão tão grandes? Por que seu nariz está tão vermelho?
_ Não é nada, meu bem. Só peguei um resfriado daqueles! Mas já, já, vou levantar. Preciso cuidar das coisas.
_ Nem pensar. Hoje você vai ficar aqui na cama. Pode deixar que eu te ajudo na casa.
_ A casa não é problema, meu bem.
_ Acontece que amanhã é vinte e seis de março e você sabe que em nossa família essa ocasião é especial. Eu sempre faço um almoço para todos.
_ Bem, vovó. Ainda sou pequena para fazer o almoço sozinha. Mas posso chamar a mamãe.
_ Não, Lu. Sua mãe já tem muita coisa para fazer. Deixe ela lá. Além disso, minha filha, o problema não é fazer o almoço. Acontece que eu não tenho os principais ingredientes e tenho que comprá-los.
_ Isso eu posso fazer. Mamãe me pede para comprar coisas em frente de casa.
_ Mas você nunca foi onde eu preciso ir hoje, Lu.
_ Por que? Tem que pegar ônibus? Eu já vou para a escola sozinha de ônibus.
_ Eu sei disso, querida. Mas o lugar que eu preciso ir é muito perigoso para uma menina como você! Não posso deixar você ir lá, não sozinha. Não sei o que fazer...se eu pudesse levantar da cama. Acho que terei que deixar de comemorar a data especial esse ano, a primeira vez em 50 anos!
_ Nossa, vó!  Onde é esse lugar tão perigoso? Meu pai fala para tomar cuidado nas ruas, pois existem muitos perigos e mesmo assim me deixa passear sozinha! Esse lugar que você vai comprar as coisas não pode ser tão terrível assim!
_ Mas é minha filha. Quando você sai das ruas o perigo não te acompanha. Esse lugar é bem mais perigoso, pois o perigo que ele representa te acompanha mesmo quando você sai de lá. E te acompanha, muitas vezes, para o resto da vida!!! Não posso te deixar ir lá sozinha, você ainda não está pronta! A não ser que...não mesmo assim é muito arriscado.
_ Nossa! Quanto mistério! Vó, você está me assustando. Parece minha amiga a Ana Luiza que faz o maior mistério para contar qualquer coisa.
_ Desculpe, Lu. Não quero te assustar. Mas é que se trata de algo muito sério! A questão é: deixo ou não você ir ao supermercado comprar as coisas para o almoço?
_ É isso? Vó, todas minhas amigas vão ao supermercado com os pais. E elas nunca tiveram problema. É verdade que mamãe ou papai nunca me levaram ao supermercado. Mas acho que foi porque eles não tiveram tempo.
_ Não foi por falta de tempo minha querida. Eles não te levaram até lá ainda porque combinamos assim. O supermercado e um lugar que você só deve ir quando estiver pronta ou a influência que ele terá sobre você vai ser muito ruim.
_ Quer dizer que minhas amigas não estavam prontas para ir lá? E foram? Mas eu não vejo nada de diferente nelas mesmo elas indo lá.
_ Um dos efeitos do supermercado é justamente mudar você, mas de uma forma tão disfarçada que isso só vai aparecendo ao longo da sua vida. No seu dia-a-dia nos seus hábitos. Nessa família todos concordamos que nas primeiras vezes que você fosse ao supermercado precisaria estar muito bem vigiada para não sofrer as influências negativas dele. Você iria comigo, Lu. Eu te protegeria e ensinaria os perigos ao mesmo tempo. Assim, um dia você poderia fazer o mesmo com seus filhos. É por isso que não posso permitir que vá sozinha. É melhor não quebrar a tradição da família.
_ Mas vovó. Há pouco você disse que eu não poderia ir “a não ser que...”. Não tão ninguém mais que possa ir comigo?
_ Na verdade tem, minha filha. Mas não é uma pessoa. É um objeto mágico que essa família guarda há muito tempo, muito mesmo. Um parente seu chamado Sargon II foi quem descobriu esse tesouro.
_ Ele era seu pai?
_ De certa forma sim, Lu. Mas quando te digo muito tempo...não sei se alguém da sua idade consegue entender o que são 4000 anos! Então posso dizer que nós duas somos parentes muito distantes dele. Mas o importante foi o que ele deixou para a gente, o Lamassu.
_ O que é Lamassu?
_ Espere que vou te mostrar. Está ali naquela caixa. Você pode apanhá-la para mim?
Lu, levantou-se e foi para o outro canto quarto. Ela já tinha reparado naquela bela caixinha de metal amarelado, cobre segundo a avó, mas nunca tinha tido a curiosidade de ver o que tinha dentro dela. A caixa era bem mais leve do que parecia e Lu a entregou para sua avó.
_ Olhe – disse Maria das dores mostrando uma pequena estátua que estava dentro da caixinha de metal. Eis o Lamassu.
O tal Lamassu era tão esquisito quanto seu nome. Como descrevê-lo? Ele era do tamanho de um poodle, desses pequenininhos que Lu sempre quis ter e sua mãe não deixava dizendo que era preciso responsabilidade para cuidar de um. Mas a forma dele não era de nenhum bichinho desse mundo. Tinha asas de pássaro, patas de vaca, peito forte como o de um leão e cabeça de homem!
_ Nossa vó! Que coisa mais estranha esse Lamassu! Como é que ele pode me ajudar com as compras no supermercado.
_ Ele não é uma estátua comum, Lu. Por isso, pode nos ajudar com nossos problemas.
_ Como na história da lâmpada do Aladim? Puxa!
_ Não, Lu. A lâmpada do Aladim pode fazer qualquer coisa menos uma que o Lamassu faz. A mais importante de todas.
_ E o que pode ser mais importante do que ter todas as coisas que se deseja, vovó?
_ Saber escolher as coisas certas, minha filha. Muitas das coisas que queremos a todo custo perdem a graça assim que as conseguimos.
_ É verdade já quis muito uma boneca, mas quando a ganhei ela ficou sem graça em poucos dias. Por que isso acontece vovó?
_ Por que seu desejo não era verdadeiro, vindo direto do seu coração. Por isso logo a boneca perdeu o encanto. Ela não era importante de verdade. O Lamassu te ajuda a escolher coisas que você realmente precisa, aquelas que seu coração precisa e que ao conseguí-las você sempre será feliz.
  _ Mas o que isso tem haver com ir ao supermercado, vó?
_ Tudo minha filha! O perigo lá está justamente em não saber escolher entre o que realmente se quer e precisa, daquilo que nos fazem acreditar que queremos e precisamos. O que estou te dizendo é que lá, se você não souber enxergar as coisas como ela são vai acabar tendo problemas.
_ Que tipos de problemas, vó?
_ O tipo que vai te deixar doente e infeliz para o resto da vida, meu bem.
_ Mas como esse Lamassu vai me ajudar? Onde eu ligo ele?
_Ele não é uma máquina meu bem, é um objeto mágico. E só os parentes de Sargon II conseguem usar sua mágica. Venha até aqui. Segure-o em suas mãos. Pronto!
_ Pronto o quê? Não aconteceu nada!
_ Oh, sim. Que cabeça a minha. Deve ser o resfriado. Você tem quer dizer atchim...
_ Atchim! Não aconteceu nada!
_ Esse foi só um espirro, Lu. O que você precisa dizer é: “liberdade”. Sargon escolheu essa palavra porque ele acreditava que saber escolher o que realmente é importante nos deixa livres para uma vida feliz.
_ Vou tentar. Liberdade!
Por alguns segundos nada aconteceu. De repente Lu deu um grito tal foi o susto que tomou. Além dela e da vó das dores o quarto tinha três novos ocupantes, três animais. Por sinal, enormes e assustadores.
_ Não tenha medo, meu bem. Eles estão aqui para te proteger.
Um dos animais era um pássaro todo marrom e pescoço branco. Tinha um olhar aguçado e garras afiadíssimas. O segundo animal era um leão, tão grande que Lu não sabia como ele podia caber no pequeno quarto. E por último havia um boi, tão grande quanto o leão.
_ Lu, esses três animais combinados é que formam o Lamassu. Cada um deles representa uma característica importante das pessoas. A águia representa o pensar. O leão vai te ajudar com as emoções e o boi representa nossos impulsos e desejos. Para que o Lamassu possa te ajudar você precisa ouvir sempre a opinião dos três animais sobre o problema em questão. Então, analisar todos os pontos de vista e tomar a decisão que você achar mais correta.
_ Mas, vovó, pensei que eles fossem escolher as coisas por mim. Assim, é bem mais fácil. Se eu tiver que tomar a decisão eles não vão me ajudar em nada! Só vão me confundir.
_ Não se preocupe, Lu. O Lamassu nos ajuda faz milhares de anos. No começo é um pouco difícil lidar com eles, mas com o tempo as coisas ficam mais fáceis. Esses animais não podem tomar a decisão por você, o que eles fazem é te mostrar um problema de diferentes maneiras...Mas a decisão final sempre é da pessoa.
_ Vó, como vou entrar no supermercado com esses bichos enormes? Todo mundo vai correr de lá!
_ Lu, não fique preocupada. Ninguém, além de você poderá vê-los. E tome cuidado com o que diz, eles ouvem tudo. O leão em particular é muito sensível.
_ E como vou falar com eles? Animais não falam!
_ Minha filha, animais também não saem de estátuas de 4000 mil anos. Mas quando são animais mágicos, esses falam! Por que não se apresenta para eles?
_ Olá pessoal!
_ Oi Lu – responderam os três em coro!
_ Como vocês sabem meu nome? Eu ainda nem me apresentei!
_ Desculpe, somos animais mágicos. Sabemos tudo – respondeu a calma águia.
_ Minha querida, não se preocupe. Com os três e mais isso aqui você irá ao supermercado sem problemas.
_ O que é isso? Ah, uma lista de compras!
_ Escute muito bem minha filha. Você não deve ficar andando sem rumo dentro do supermercado. Vá direto aonde estão os itens da lista e qualquer dúvida pergunte aos três animais. Você não vai ter problemas porque as coisas que precisa comprar já estão escritas aí. Não se desvie dela, nem preste atenção a nada que te ofereçam e não esteja escrito. Você promete?
_ Sim, vovó. Eu prometo.
_ Então vá, minha filha! Desde que você era um bebê eu sabia que você era muito especial. Tinha muita mágica mesmo você não sabendo e sendo uma menininha tímida. Agora chegou a hora de você representar a mágica da família. Se alguém pode conseguir isso é você.
_ Está bem, vovó. Eu vou. Ei vocês três! Vamos nessa!
_ Ei, por que ela não me chama pelo nome, Leãonardo? – perguntou o leão.
_ Acho que é por que você não disse seu nome – respondeu a esperta águia. Ela não é mágica como nós para adivinhar as coisas.
_ Aonde vamos, Aguianaldo? – perguntou o Boi para a águia.
_ A um lugar chamado supermercado, Pit. Pelo que a Das Dores falou, é um lugar onde se obtém comida.
_ Ai meu Deus que fome! Faz uns mil anos que não como!
_ Ei, vocês vamos – gritou novamente Lu já saindo pela porta da frente da casa.
_ Vamos, não podemos perdê-la de vista. Temos que protegê-la – disse o corajoso Leãonardo.
E lá se foram os quatro para o supermercado da esquina. A vó das dores ficou confiante de que tudo daria certo. Acontece que a fraqueza provocada pelo resfriado, mais a emoção de deixar a neta ir sozinha num lugar tão perigoso fez com que ela cometesse um terrível erro! Um erro que iria colocar Lu em grandes apuros!    
Há alguns metros da casa da vó das dores estava uma enorme construção que ocupava vários quarteirões de lado a lado. Parecia que todos os carros da cidade cabiam em seu estacionamento, pelo menos na cabeça da Lu. Talvez sua avó tivesse tido que o supermercado era perigoso porque Lu poderia perder-se lá de tal grande o local. Até agora, Lu não tinha sentido nada. Mas as palavras de alerta de sua vó e estar frente a frente com um local tão grande fez com que seu coração disparasse feito o liquidificador de sua mãe fazendo vitamina de abacate. Lu percebeu que estava com medo. E se ela nunca mais saísse daquele lugar enorme? Seus pais não iam naquele supermercado. E agora? O que fazer? Lu sabia que sua avó dependia dela e teria que confiar que os animais iriam protegê-la. Ela decidiu atravessar a rua e entrar.
_ Vamos – disse aos três.
_ Essa Lu não é muito simpática, não é? – disse o Pit.
_ Não seja bobo – respondeu Leãonardo. Ela está com medo, só isso.
_ E como você sabe? – perguntou Aguianaldo.
_ Apenas sinto – respondeu Leãonardo. Mas não me pergunte como Aguianaldo. É algo do coração, não do pensamento.
_ Está certo – respondeu a águia. Vamos entrar a menina já está quase lá.
A um metro da porta de vidro essa se abriu sozinha. Lu fechou o olho e entrou. Quando olhou para os lados, Aguianaldo, Leãonardo e Pit estavam lá.
_ Ei eu não vi vocês entrando pela porta – disse a menina num susto.
_ Seres mágicos não precisam de porta – respondeu Pit.
_ Lu, acho melhor você lembrar que ninguém mais aqui, exceto você, pode nos ver – disse Aguianaldo.
_ E o que tem isso, demais? – perguntou a menina.
_ Bem, é que para todo mundo você estará falando sozinha entende? Adultos não gostam quando falamos sozinhos. Para eles esse tipo de imaginação é sinal de loucura.
_ Está bem, vou prestar atenção. Mas só para não chamar atenção e não ser incomodada por ninguém. Não ligo de acharem que sou louca. O importante é que eu sei que vocês estão aqui comigo.
_ Aí, falou com o coração agora – disse Leãonardo visivelmente emocionado.
_ Ei mocinha, aonde pensa que vai? – disse um elegantemente homem vestido de terno preto.
Meio assustada Lu voltou-se para o homem.
_ Vou comprar algumas coisas que minha vó pediu. Por que? Estou fazendo algo errado?
_ Claro que está – respondeu o homem elegante. Não viu a placa?
_ Que placa?
_ Aquela ali – disse o homem apontando para uma placa a alguns metros atrás de Lu.
A placa dizia “É proibida a entrada de animais”.
_ Que animais? – respondeu Lu. Afinal, ninguém exceto ela e sua avó podia ver os três.
_ Não se faça de boba! Esses três aí que estão com você! São seus não são? Eles estavam conversando com você agorinha.
_ Mas você pode vê-los?
_ Oh, claro que sim!
_ Lu, cuidado ele não é um ser humano – disse Leãonardo. Não sinto as emoções normais de uma pessoa nele.
_ Mas eu nunca disse que era uma pessoa – respondeu o homem de terno. É que as pessoas sempre nos julgam pela aparência. Acontece que uma pessoa da minha importância para esse lugar tem que estar bem apresentável. A maioria nunca suspeita que não sou uma pessoa. Mas seu amiguinho aí é muito perceptivo. Permita-me apresentar, sou o espírito do supermercado.
_ Não sabia que supermercados tinham espíritos – disse Aguianaldo encarando o recém-apresentado.
_ Não sabia que águias, leões e bois saiam por aí falando e acompanhando meninas em compras. Pelo menos isso nunca ocorreu nessa loja! De qualquer modo, vocês não podem entrar. A mágica desse lugar me permite barrá-los. Vocês só entrarão com minha permissão.
_ E agora o que fazemos? – perguntou Pit. Estou com vontade de dar uma surra nesse cara!
_ Provavelmente você não vai conseguir, Pit – disse Aguianaldo – se ele estiver certo nossos poderes mágicos só vão funcionar aqui se ele permitir.
_ Claro que não darei tal permissão! – respondeu o espírito do supermercado. Vocês iriam atrapalhar minhas intenções.
_ Que intenções? – perguntou Lu.
_ Oras pequena, ajudá-la em suas escolhas. Existem tantas coisas em meu domínio que você certamente precisa de minha orientação.
_ Esqueça, Lu – disse Aguianaldo – vamos a outro local.
_ Não adianta – respondeu o espírito – todo supermercado tem seu próprio espírito.
_ Ei, senhor espírito. A minha avó já me deu uma lista com tudo que preciso comprar. Não importa o que me diga, eu só irei comprar o que ela pediu!
_ Hummm – muito esperta essa avó! Ela costuma vir aqui?
_ Sim, ela se chama das dores.
_ Ah, não. Uma mulher muito antipática. Nunca compra as coisas que sugiro. Bem, acredito que você seja “farinha do mesmo saco”. Portanto, não vou perder meu tempo com você e esses seus mascotes, babilônicos.
_ Babi..o quê? – perguntou Lu.
_ Ele está se referindo a nossa origem Lu – respondeu Aguianaldo – há muito tempo atrás.
_ Vocês já deviam ter se aposentado, rapazes – vocês são seres fora de moda! Espíritos como eu é que representam o moderno! Não importa. Eu permito que vocês entrem. Não fará diferença mesmo! Aquela velha detestável já protegeu a garota da minha influência ao dar-lhe essa lista de compras.
_ Que bom! Ei, rapazes – disse Lu para os três – podemos entrar! Vamos. Agora iremos comprar o que a vovó pediu e podemos sair desse lugar maluco. Huummm, deixe-me ver: o primeiro item é leite. Vamos ver onde tem.
O espírito do supermercado já tinha abandonado Lu e seus três companheiros e estava cochichando no ouvido de uma dona de casa as vantagens de um determinado produto quando ouviu Lu falar sobre o leite. Sem aviso ele abandonou a mulher e decidiu aparecer na frente de Lu e seus três companheiros.
_ Espere um pouco! Você disse que o primeiro item é leite?
_ Sim, o que isso tem demais?
_ Nada. Mas me diga uma coisa. Qual o tipo, a marca de leite sua vó lhe mandou comprar?
_ Marca? Não sei. Nenhum item da lista diz qual a marca.
_ Oh, oh. É difícil acreditar que alguém como sua vó tenha cometido esse engano. Agora tenho a obrigação de orientá-la em suas compras. Afinal, existem produtos e produtos. Não é mesmo?
A pobre dona das dores tinha esquecido de colocar a marca nos produtos que precisava. Era esse o erro terrível que ela tinha cometido! Agora Lu, embora ainda não soubesse disso, estava vulnerável à influência do espírito do supermercado.
_ Não pense que vai enganá-la – disse Pit para o espírito – nos não vamos deixar.
_ Foi uma pena eu ter permitido vocês entrarem. Agora não posso voltar atrás na minha decisão. Mas não tem importância. Eu aceito o desafio. Será a luta entre seres ultrapassados contra a Ciência do Consumo! A gente se vê! Ah, a seção de bebidas, digo laticínios, é em frente. Até.
Assim dizendo o espírito do supermercado desapareceu.
_ Esse cara me dá nos nervos – disse Leãonardo.
_ Temos que prestar atenção a tudo – disse Aguianaldo – ele vai aprontar alguma coisa para que a Lu compre o que ele quer. Fiquem de olhos bem abertos. A das dores esqueceu de dizer a marca das coisas. Agora temos que orientar a menina e não deixar que ela escolha coisas erradas.
_ Ei vocês três. Não se preocupem não deve ter nada de tão perigoso assim em comprar uma caixa de leite.
Ao final do corredor Lu e os três entraram numa seção que acreditavam ser a de laticínios. Eles entraram nela assustados com medo de que o espírito do supermercado pudesse aprontar algo. Mas a sessão era bem movimentada e nada de estranho parecia estar ocorrendo lá. Pessoas entravam e saiam, na maioria das vezes cheias de bebidas alcoólicas!
_ Essa não é a seção de laticínios! – disse a águia. É a seção de bebidas alcoólicas. Isso não é para você, Lu. Vamos sair daqui e procurar pelo leite.
_ Nossa. Como esse pessoal bebe! – disse Lu. Mamãe sempre diz que bebida não faz bem para a saúde. Mas as pessoas aqui parecem felizes da vida.
Sem aviso a seção onde Lu e os seus companheiros estavam se transformou. Não era mais aquele piso branquinho e brilhante do supermercado. Não, agora eles estavam descalços e pisando na areia! O friozinho do ar condicionado deu lugar ao calor escaldante do Sol.
_ O que esta acontecendo? – perguntou Lu.
_ Estamos na praia! Melhor impossível – respondeu Pit.
_ Vocês estão ouvindo a música? – perguntou Leãonardo.
_ De onde vem essa música? – perguntou Aguianaldo.
Foi então que os quatro perceberam que toda vez que uma pessoa pegava uma bebida. Uma cerveja, exemplo, uma música surgia do nada. Ao mesmo tempo a pessoa que em geral era gordinha e fora de forma automaticamente aparecia em roupas de banho e com o corpo em plena forma. Alguns estavam dançando, outros jogando vôlei ou futebol. Mas todos que apanhavam uma cerveja transformavam-se em pessoas mais bonitas, jovens e sempre praticando atividades saudáveis. Mesmo quando duas pessoas apareciam jogando futebol a música que surgia de fundo era diferente para cada pessoa. De alguma forma a música agradava em cheio a pessoa em questão. Elas pareciam sentir-se bem e felizes.
_ Não estou entendendo nada – disse Pit. Todos aqueles que se entregam ao álcool de forma descontrolada passam mal. Eu sei disso, afinal de contas represento os desejos dos homens. Mas aqui todos estão muito bem!
_ Vai ver que é porquê eles ainda não estão bebendo – disse Leãonardo.
_ Não. Tem algo errado aqui – disse Aguianaldo. Isso não pode ser real. As coisas simplesmente não se transformam assim.
_ Ei, deixe de ser estraga prazeres. Olha para você! Como uma águia falante pode duvidar de uma praiazinha?
_ O que estou querendo dizer e que essas sensações que as pessoas estão tendo não são reais. Não podem ser. Nos estamos vendo, eu sei, mas tem alguma coisa errada!
_ Puxa, a mamãe sempre disse que bebida faz mal. Acho que isso deve ser para crianças. Esses adultos estão adorando. Até dá vontade de provar uma. Eu também queria ouvir uma música só para mim.
_ Nem pensar garota! – disse Leãonardo. Isso não é bom para você. Eu sei que é difícil você acreditar, mas acho que o Aguianaldo está certo. Já sei o que fazer. Afaste-se pequena!
Lu, Pit e Aguianaldo se afastaram de Leãonardo. De repente ele estufou seu peito e soltou um ruidoso rugido. Conforme ia soltando seu grito leonino uma enorme quantidade de vento ia saindo de sua boca. Esse vento ia passando ao redor das pessoas e da praia envolvendo a todos. Quando o leão parou de rugir tomou outro fôlego, só que agora começou a puxar o vento que tinha lançado nas pessoas. Conforme o vento ia sendo puxado, todos assim como o supermercado iam voltando ao normal.
_ Nossa Leãonardo! O que você fez? – perguntou Lu.
_ Ele não vai conseguir responder por algum tempo – disse Aguianaldo. Ele perdeu muita energia.
_ Como assim? – perguntou Lu.
_ Ele retirou as emoções dessa parte do supermercado – respondeu Pit. Isso o enfraqueceu, principalmente porque estamos nos domínios de outro ser mágico, o tal espírito do supermercado. Aposto que isso tudo tem haver com ele.
_ Por que o Leãonardo retirou as emoções daqui? – perguntou Lu.
_ Leãonardo é um ser mágico que controla as emoções humanas. Ele percebeu que o que estava acontecendo aqui era que as pessoas estavam sendo enganadas para comprar coisas. Bebidas alcoólicas são coisas muito perigosas. Acontece que quando as pessoas se sentem bem esquecem disso. Entregam-se às emoções. Acreditam que se beber aquilo vão estar sempre com a sensação que acabaram de sentir.
_ Mas como a sensação dura pouco tempo – continuou Pit – elas acabam voltando para ter mais desse mundo mágico onde todos são eternamente jovens, atléticos e felizes. Basta você ir a um bar ou ver como é o corpo de quem bebe todo dia que você vai entender a ilusão.
_ E o que fazemos agora? – perguntou Lu.
_ Vamos sair rápido daqui e ir procurar o primeiro item da lista da sua vó, o leite.
Aguianaldo e Pit apoiaram Leãonardo, que ainda estava muito fraco, em seus braços e juntos com Lu saíram dali. Não perceberam que acima das prateleiras mais altas um par de olhos vermelhos e raivosos observava tudo.
_ Vocês deram sorte! Mas eu tenho outras surpresas muitas outras – disse para si o espírito do supermercado.
Algumas seções depois.
_ Será que estamos no caminho certo? – perguntou Lu.
_ Não importa mais cedo ou mais tarde a gente acha – disse Aguianaldo, sempre racional.
_ Olha ali – disse Lu. Deixa eu perguntar para aquelas duas crianças.
Lu andou mais alguns metros e aproximou-se de dois menininhos de cabelo amarelo que pareciam estar prestando bastante atenção a uma folha de papel.
_ Olá guris – disse Lu. Vocês podem me informar onde posso conseguir leite?
_ Ah, essa é fácil – responderam os guris. Na seção de laticínios, claro.
_ Bem, é que eu gostaria de saber onde fica a seção de laticínios.
_ Ah, claro. Fica naquela direção – responderam novamente os guris. Agora se nos da licença estamos ocupados com esse joguinho – responderam em coro.
Lu adorava joguinhos e ficou curiosa sobre qual seria o jogo.
_ O que vocês estão jogando?
_ Estamos brincando de resolver enigmas matemáticos – responderam os guris em conjunto.
_ Nossa! Matemática? Essas contas aí são muito difíceis para serem uma brincadeira.
_ Não para nós - repetiram sempre em coro. Nada e difícil para nós.
_ Não é possível! Todo mundo na escola tem algo que acha difícil. Vocês também têm que achar algo difícil!
_ Não, não achamos.
_ Então vocês são aquele tipo de pessoa super espertas? Como é mesmo que eles chamam isso? Ah, gênios?
_ Não, não somos gênios. Somos guris comuns.
_ Ei, vocês não sabem falar um de cada vez?
_ Não, gostamos de falar juntos.
_ Se vocês não são superespertos como podem não achar nada difícil na escola?
_ Essa é fácil. A resposta está aí ao seu lado.
Ao olhar para o lado Lu pode perceber que estava na seção de biscoitos. As prateleiras lotadas de biscoitos recheados dos mais variados tipos iam até onde a vista alcançava.
_ Vocês estão dizendo que vocês ficaram espertos por comer biscoitos recheados?
_ Isso mesmo!
_ Lu, porque você esta demorando tanto com esses guris? – perguntou Aguianaldo que tinha se aproximado de Lu e dos dois guris que só sabiam falar em conjunto.
Lu voltou-se para Aguianaldo tentando disfarçar que estava falando com um ser imaginário.
_ Puxa, acabei de descobrir algo maravilhoso!
_ O que você descobriu? – perguntou Leãonardo que já estava quase recuperado do episódio das bebidas alcoólicas.
_ Não vou ter mais que me matar de estudar na escola! – respondeu Lu. Esses dois são vão bem em todas as disciplinas e me disseram que o segredo deles está em comer biscoitos recheados.
_ Não acredite nisso, Lu – eu represento o pensamento humano e nunca ouvi falar que algo assim pudesse tornar alguém mais inteligente. Eles devem estar te enganando. Pena eu não poder fazer-lhes algumas perguntas para te mostrar que eles não são tão espertos assim.
_ Você não os viu resolvendo vários tipos de problemas como eu vi! As respostas deles sempre estão certas! Não faz mal eu comprar um biscoitinho desses.
_ Lu, a das dores não pediu para você comprar biscoitos recheados – disse Pit.
_ Com quem você está falando? – perguntaram juntos os guris espertos.
_ Ah, com ninguém! Só estava pensando alto – respondeu Lu meio sem graça. Acho que vou embora. Prometi para minha avó que não iria ficar passeando por aqui e, além disso, acho que meu dinheiro não dá para ficar comprando coisas como biscoitos recheados.
_ Aposto que sua vó não pediu para você comprar porque ela esqueceu – continuaram os guris espertos. Dá uma olhada aí nas prateleiras.
Quando Lu voltou-se percebeu que as prateleiras estavam tomadas por uma multidão de mães que lutavam entre si em busca da maior quantidade possível de biscoitos recheados.
_ Você acha que esse monte de mães não sabe o que é melhor para seus filhinhos? – continuaram os guris. Nenhuma mãe quer mal a seus filhos. Veja nossa mãe ali. Ei, mamãe!
Uma senhora bastante bonita e simpática respondeu ao chamado dos guris com um aceno de mão e um beijo. Em seguida voltou para sua importante tarefa de encher o carrinho de compras de bolachas recheadas.
_ É, eu sei que minha mãe só quer o melhor para mim – disse Lu. Minha vó também. Acho que ela esqueceu. Mas não tem jeito meu dinheiro deve estar contado. Até mais guris.
_ Não tem problema. Da outra vez você compra. Olha nos abrimos um pacote que a mamãe nos deu. Prove uma!
_ Pensei que os donos do supermercado não gostassem que a gente coma antes de pagar.
_ Na verdade – responderam os guris – eles não gostam que as pessoas comam e não paguem. Mas pagando bem que mal tem? Mamãe vai pagar por esse pacote, aliás, por todos aqueles do carrinho.
Lu voltou-se para o carrinho e viu que a mãe dos guris já o tinha enchido de biscoitos recheados.
_ Tome – insistiram os guris – prove!
_ Lu, não prove nada – disse Pit. Nós não sabemos se isso é bom para você. Vamos continuar e comprar logo tudo o que precisamos.
_ Está bem – respondeu Lu – vamos.
_ Ela está com tanta dificuldade de aprender as coisas que está até falando sozinha – disseram os guris que em seguida caíram na gargalhada.
Lu ficou furiosa com o comentário. Ela não ficou brava por eles estarem falando que era podia ser louca por falar sozinha. O que a tinha irritado era eles estarem achando que ela fosse burra por ter dificuldade com algumas coisas na escola.
_ Me dá isso aqui – disse Lu num impulso apanhando um biscoito recheado do pacote dos guris espertos. Em seguida Lu foi levando o biscoito para a boca.
Nessa hora, Leãonardo, Aguianaldo e Pit pareciam os guris espertos e gritaram juntos:
_ Lu, não faça isso!
Tarde demais Lu já tinha consumido o presente dos guris. Ela havia apanhado o pacote com o último biscoito recheado. Assim que Lu engoliu o biscoito os guris espertos caíram na gargalhada.
_ E agora o que fazemos? – disse Leãonardo.
_ Vamos esperar – disse Pit – pode ser que não aconteça nada.
_ Duvido – disse Aguianaldo. Vejam – falou apontando para os guris espertos.
Eles continuavam gargalhando só que agora encaravam os três companheiros de Lu.
_ Eles podem nos ver? – disse Pit.
_ Claro que podemos – responderam. Agora estamos empatados – concluíram e saíram correndo entre os corredores do supermercado como geralmente fazem os guris travessos.
_ Vamos pegá-los? – disse Leãonardo.
_ Duvido que adiante – respondeu Aguianaldo. Esse dois aí não eram pessoas comuns. Eles nos enganaram. Agora devemos nos preocupar com a Lu. Ver o que esses biscoitos fizeram com ela.
_ Lu – chamou Pit – você está bem, querida?
_ Claro – respondeu a menina. Não podia estar melhor. Estou me sentindo muito mais esperta.
_ Lu – disse Aguianaldo. Você é uma menina muito esperta. Eu sei disso. Afinal, represento o pensamento.
_ Então porque estou me sentindo muito mais esperta???
_ Você sempre foi muito esperta, Lu. Sua vó já te disse e eu também digo que você é uma menina maravilhosa. Só não tinha percebido ainda. Esses falsos guris espertos só se aproveitaram das suas dúvidas para enganá-la. Você não precisa de nem de nenhum biscoito para ser esperta. Basta você estudar bastante na escola e com o tempo verá como é esperta.
_ Desculpe, Aguianaldo. Não consigo acreditar em você. Eu estou pensando com muito mais facilidade. Esses biscoitos são mágicos!
_ Mágicos somos nós, Lu – disse Pit – isso deve ser alguma armadilha daquele espírito do supermercado.
_ O que ele iria ganhar em me tornar mais esperta, Pit? E que mal há nisso?
_ Lembra que sua avó falou que o importante num supermercado era saber decidir entre o que se precisa e aquilo que se acredita precisar – perguntou Leãonardo. Acho que o espírito do supermercado quer que você acredite que precisa de biscoitos recheados para ser esperta. Aí você vai ficar dependente disso a vida toda.
_ Não tem problema. Quando ficar mais velha eu trabalho, até porque mais esperta vou conseguir um super trabalho. Daí, compro todo o biscoito que eu quiser! Não há mal nenhum nisso. Sem falar que eles são muito gostosos.
_ São gostosos porque estão cheios de gorduras que não são saudáveis, Lu. Eles não só não vão te deixar mais esperta como vão fazer mal para a sua saúde.
_ Não acredito nisso – respondeu a menina.
Leãonardo cochichou no ouvido de Aguianaldo:
_ Você tem certeza que ela não está mais esperta?
_ Deixe de bobagem! Eles só fizeram ela acreditar nisso – respondeu – Aguianaldo. Se ela está mais esperta é simplesmente porque está usando algo que já tinha dentro de si. Os guris espertos fizeram isso desabrochar. O problema é que agora ela acredita que isso e por causa dos biscoitos.
_ O que fazemos? – perguntou Pit.
_ Nada – respondeu Aguianaldo – vamos deixar ela assim por enquanto. Deixe que ela encha o carrinho de biscoitos recheados. Até o caixa damos um jeito nisso! Espere acho que tive uma idéia.
_ Lu – disse a águia – desculpe duvidar de você. Sabe como eu sou. Sempre duvidando das coisas. Acredito que os biscoitos recheados te fizeram mais inteligente. E para falar a verdade eu queria comer uns também. Para ficar mais e mais esperta.
_ Que ótima idéia, Aguianaldo! – respondeu Lu empolgada.
_ Nós também queremos! – disseram Pit e Leãonardo.
Aguianaldo olhou para eles com um olhar furioso, daqueles que as mães antigas lançavam para os filhos quando eles aprontavam na casa dos outros e elas convinha dar-lhes uma bronca na hora. Um olhar que poderia ser traduzido como “depois a gente conversa”. Os dois logo entenderam que Aguianaldo só estava fingindo querer comer um biscoito. Era tudo parte de seu plano.
_ Mas estou com uma dúvida, Lu. Qual era o biscoito que você comeu mesmo? Existem tantos tipos aqui que eu nem sei qual é o para aumentar a inteligência.
_ Puxa! Eu também não sei – respondeu a menina desapontada.
_ É, pelo que posso ver – continuou Aguianaldo – nessas prateleiras tem até biscoito recheado para deixar a gente menos esperto.
_ Oras, Aguianaldo – disse Leãonardo – quem ia querer ficar menos esperto?
Leãonardo recebeu outro daqueles olhares.
_ É, quem iria querer ficar menos esperto? – perguntou Lu.
_ Pessoas que são muito espertas, oras. Existem pessoas que não gostam de ser muito espertas. Isso as atrapalha. Veja o meu caso. Sempre fui considerado muito esperto, mas tenho a maior dificuldade de escrever versinhos de amor para minha namorada. Sou tão esperto que não consigo lidar muito bem com outras coisas com emoções, arte. Nessas horas quem me salva e o Leãonardo, ele conhece tudo sobre emoções. Por isso, acho que temos que escolher os biscoitos certos. Que não nos deixem nem muito inteligentes nem pouco espertos.
_ Acho que você tem razão Aguianaldo – concordou Lu – mas como vamos saber isso?
_ Por que não perguntamos aos guris espertos? – respondeu a águia.
_ Mas eles foram embora – disse Pit que não resistiu e acabou também recebendo um daqueles olhares de Aguianaldo.
_ Isso eu sei – disse Aguianaldo – mas nós podemos trazê-los de volta com mágica. Eu só preciso que você me entregue o pacote de bolacha que estava com eles, Lu.
_ Esse pacote vazio? Toma é todo seu.
_ Obrigado – respondeu satisfeita a águia.
_ O que você pretende com esse pacote, Aguianaldo? – perguntou Pit.
_ Aqueles dois pegaram esse pacote na mão meu amigo.
_ E o que tem isso? – perguntou Leãonardo.
_ Acordem – bronqueou Aguianaldo – vocês ficaram tanto tempo na estátua que ficaram bobos? Já se esqueceram da lei mágica da continuidade?
_ É claro! – concordaram os dois.
_ Ei, do que vocês estão falando? – perguntou Lu.
_ Na mágica, Lu, existe uma lei que diz que nossa energia continua em tudo o que tocamos. Assim, os guris espertos deixaram um pouquinho de sua energia nesse pacotinho. Com ela podemos convocá-los aqui. Ou melhor, invocá-los.
_ Pit, vai até ali e me apanha um pouquinho de farinha – ordenou Aguianaldo e você Leãonardo apanhe um pouco de refrigerante.
_ Ei, eu quero apanhar o refrigerante – reclamou Pit, mas só até receber um daqueles olhares. Ele nem quis esperar a bronca da águia e lá se foi apanhar a farinha. O leão fez o mesmo e saiu em disparada rumo aos refrigerantes.
_ Ei, Aguianaldo – disse Lu – você não vai chamar os guris espertos?
_ Vou, sim. Pode deixar. Só preciso que Pit e Leãonardo voltem com o que pedi para eles.
Alguns minutos depois Pit e Leãonardo apareceram cada um trazendo o que Aguianaldo tinha pedido.
_ Muito bem rapazes. Agora vocês lembram da lei mágica da similaridade?
_ Similaridade – disseram ambos. Sim lembramos!
_ Muito bem, escondam-se e usem essa farinha e refrigerante conforme a lei da similaridade. Vamos ver se esses guris espertos são espertos mesmos. E você, Lu? Está pronta para rever seus “amigos”?
_ Sim. Só não estou entendendo como vai chamá-los.
_ Então veja. “Aqueles que conhecem a lei, tocam tudo com receio, pois não querem deixar rastros como os bobos dos guris espertos deixaram no pacote de biscoito com recheio”.
Assim que Aguianaldo acabou de dizer as palavras mágicas os guris espertos apareceram diante dele e de Lu.
_ O que está acontecendo? – disseram em coro, aliás como sempre faziam. Como viemos parar aqui? Nos tínhamos ido embora!
_ Muito bem seus espertinhos eu os trouxe aqui. Vocês deixaram um pouquinho de sua energia no pacote de biscoitos recheados. Essa energia está ligada a vocês para sempre, por isso posso chamá-los aqui quando quiser. Agora só vou parar de chamá-los se vocês confessarem para a Lu que esse biscoito que ela comeu não tem nada de especial, pelo contrário faz mal para a saúde.
_ Nunca diremos isso! – responderam. E mesmo que nos prenda aqui não abriremos a boca! Você não pode nos forçar. Essa sua mágica da energia não pode nos obrigar.
_ Vocês têm razão. A lei da continuidade não pode forçá-los. Mas existe outra lei mágica antiga que pode. Já ouviram falar da lei da similaridade?
_ Não, nunca ouvimos. Nossa mágica é diferente. Ela serve para convencer as pessoas a comprarem coisas que nem sempre precisam. Nós seguimos a grande mágica da publicidade!
_ Essa conversa está muito chata – disseram os guris. Nós vamos desaparecer daqui. E pode nos trazer de volta que não contaremos nada.
_ De publicidade eu nada sei – disse Aguianaldo – mas minha mágica antiga vai lhes dar uma lição. Pit! Leãonardo! Agora.
No instante em que os guris espertos tentaram fugir eles caíram no chão gargalhando sem parar.
_ Hahahahaa – diziam – pare, por favor. Hahahaha. Isso dói. Socorro. Hahahahaha.
_ O que você fez com eles, Aguianaldo?
_ Nada de mais, Lu. Só usei a lei mágica da similaridade. Essa lei diz que uma coisa semelhante interfere em outra. Olhe nas mãos de Pit e Leãonardo.
Quando Lu voltou-se em direção aos dois percebeu que cada um tinha um bonequinho de um dos guris espertos nas mãos. Os bonequinhos haviam sido produzidos com a farinha de trigo e refrigerante misturados. Misturados na quantidade correta a farinha e o refrigerante produziram uma massinha capaz de ser modelada na forma dos guris.
_ Para que esses bonequinhos dos guris? – perguntou Lu sem entender nada.
_ Lembra da lei da similaridade? Os bonecos imitam os guris. Então tudo que acontece com os bonequinhos, enquanto eu assim desejar, acontece com os guris.
_ Você está dizendo que é como aquela coisa de espertar agulhinhas num bonequinho e a pessoa sente as picadas? – perguntou Lu espantada.
_ Sim – respondeu Aguianaldo – aquilo também usa o principio da similaridade. Mas nos seres mágicos somos proibidos de fazer mal a quem quer que seja. Por isso, não usamos agulhas ou outras coisas.
_ Mas então por que eles estão no chão rindo sem parar? Apesar de estarem rindo eles parecem estar sofrendo!
_ Eles estão sentindo cócegas, Lu – disse Pit.
_ Cócegas? – disse a menina impressionada. Mas não estou vendo nem o Pit nem o Leãonardo fazendo cócegas nos pezinhos dos bonequinhos!
_ Não precisa – respondeu Aguianaldo – o mesmo efeito de cócegas pode ser obtido dependendo do material que se usa. Nos usamos farinha branca e refrigerantes. A farinha branca é obtida quando se tira toda a fibra dos alimentos. Em pessoas normais, principalmente as que não se exercitam, tais alimentos sem fibras causam doenças. Em seres mágicos como os guris elas causam paralisia. Por isso, eles caíram e ficaram parados no mesmo lugar. Já o refrigerante além de permitir fazer uma massa com a farinha é um péssimo alimento. Só tem açúcar e mais nada que faça bem a saúde. Em pessoas normais o consumo de refrigerante em excesso também vai causar uma série de problemas desde cáries até coisas mais graves. Em seres mágicos açúcar gera formigamento. Embora você não possa ver há milhões de formiguinhas mágicas cutucando o corpo dos guris espertos. Enquanto eu não destruir os bonequinhos eles não vão parar de sentir cócegas.   
Lu mal podia acreditar na sabedoria de seus três novos amigos e como eles eram capazes de usar a mágica para protegê-la. Os guris espertos continuavam rolando pelo chão dando dolorosas gargalhadas. Lu não queria nem ver porque logo dava vontade de rir também.
_ E então, piazada? Vocês vão confessar que enganaram a Lu ou não? – perguntou Leãonardo.
_ Hahahaha – não podemos – Hahahaha – o espírito do supermercado nos coloca na seção de congelados pelos próximos cem anos.
_ Tudo bem, então. Nós mandamos a Lu para casa, afinal cem anos é muito tempo para ela e, ficamos com vocês aqui sentindo cócegas pelo mesmo tempo.
_ Hahahaha – não, por favor – Hahahahaha. Está bem! Hahahaha – Lu, nós a enganamos. Hahahaha – não somos espertos. Somos – hahahahaha – mágicos e fizemos você acreditar que é possível – hahahahaha – ser esperto sem estudar. Na verdade – hahahaha – não tem jeito só dá para ser esperto com muito – hahahahaha – estudo.
_ Então como esse biscoito me fez sentir mais esperta? – perguntou Lu inconformada.
_ Não fez – hahahahaha – você simplesmente está mais confiante –hahahaha – em algo que já estava ai com você. Hahaha – o espírito do supermercado disse que esse truque funcionaria porquê – hahahaha – pare hahahaha – porque você é uma menina muito inteligente.
_ Nossa! Aguianaldo, Pit, Leãonardo. Me desculpem. Estou muito envergonhada de não acreditar em vocês.
_ Que isso, pequena. Esses dois aí foram bem espertos – disse Leãonardo com lágrimas nos olhos.
_ Ei – hahahahaha – disseram os guris espertos – hahahaha – cumprimos nossa parte no trato.  Não vai nos Lubertar?
_ Sim, claro – respondeu Aguianaldo. Eu fiz um biscoito recheado especial para vocês. Basta comê-lo e vocês ficaram livres do feitiço.
_ Hahahahaha – que bom – hahaha –  pelo menos vamos comer um biscoito recheado.
_ Ah, o Aguianaldo está esquecendo de dizer que esses biscoitos têm recheio sabor alho!
_ Hahahaha – não por favor – hahahahaha – alho é muito ruim – disseram os guris.
_ Desculpe pessoal – disse Pit. É que no livro de mágicas está escrito que o alho e que protege contra feitiços. Então, tem que ser alho.
Não tendo alternativa os guris espertos comeram cada um biscoito recheado de alho. Imediatamente eles pararam de rir e começaram a chorar devido ao gosto ruim do biscoito.
_ Isso não vale – diziam – alho é muito ruim.
_ Ei – disseram os guris – nos filmes o feitiço só é quebrado quando os bonequinhos são destruídos. Por que tivemos que comer os biscoitos de alho? Não era só destruir os bonecos?
_ Oh, é mesmo! – disse Aguianaldo – nós só tínhamos que quebrar os bonequinhos e foi o que fizemos. Sem que vocês percebessem Pit e Leãonardo desmancharam os bonequinhos de farinha e refrigerante no momento em que vocês comeram o biscoito de alho. O que fez com que as cócegas parassem, foi a quebra dos bonequinhos e não o biscoito de alho!
_ Então porque você nos fez comer esses biscoitos horríveis?
_ Só por brincadeira. A vida tem que ser divertida – respondeu Leãonardo já caindo na gargalhada.
_ Vocês são muito rui...antes de completarem a frase os guris espertos desapareceram.
Não muito longe de onde Lu e seus amigos estavam.
_ Eu não lhes disse que era só dar o biscoito para a menina e sumir? – disse o espírito do supermercado com voz abafada devido à máscara de gases.
_ Sim, chefe – responderam os guris espertos. Mas aqueles três são mágicos poderosos e nos enganaram.
_ Já chega! Desapareçam daqui e não me apareçam até a próxima grande liquidação. Vou mandá-los para um lugar que garanto que vocês não esquecerão mais de prestar atenção no que eu digo.
Do outro lado, na entrada do supermercado.
_ Oh, freguesa. Essa promoção é imperdível. O frango baixou o preço, baixou mesmo. Só vai ficar nesse preço enquanto durar o estoque, são as últimas unidades.
_ Onde estamos? – perguntaram os guris espertos. Que barulho é esse?
_ Vai lá freguesa não perca. Liquidação de computadores. Só tem mais duas unidades. Imperdível!
_ Oh, não! – disseram os guris – aquele malvado do espírito do supermercado nos mandou para dentro do microfone daquele cara chato que fica na frente do supermercado e não pára de anunciar falsas promoções. Oh, não! Quero ir para a seção de congelados! E não se ouviu mais falar dos guris espertos até a próxima liquidação.
De volta a Lu e seus amigos.
_ Ei rapazes – disse Lu – acho que vocês exageraram com os pobres guris. Biscoito recheado de alho! Onde já se viu?
_ Não se preocupe, Lu – disse Pit que como os outros tentava com a mão na boca disfarçar a vontade de dar risada. Eles são seres mágicos. Nada os machuca de verdade. Daqui a pouco eles estão bem. Para os seres mágicos vale aquele ditado “seres mágicos não podem ser criados nem destruídos só transformados”. Traduzindo. Vocês podem nos amassar, assar, torcer e tudo mais que no final sempre estamos bem.
_ Ei – disse Leãonardo – olhem ali nas gôndolas de biscoitos recheados.
Quando todos obedeceram ao comando de Leãonardo perceberam que várias crianças se aproximavam das gôndolas de supermercado e apanhavam pacotes de biscoito. Mas ao irem embora só parte delas ia. Uma espécie de fumacinha na forma da criança ficava perto da prateleira.
_ O que é aquilo? – perguntou Lu.
_ Aquilo são crianças que não tiveram a mesma sorte que você – respondeu Aguianaldo. Elas foram seduzidas pelo biscoito recheado. Toda vez que levam um pacote dele, deixam um pouquinho de si aqui. Esse pouquinho as faz voltar sempre procurando mais. Crianças são muito sensíveis ao que aprendem sobre comida. Se aprendem coisas boas, ótimo. Se aprendem coisas ruins, infelizmente, levam isso para a vida toda. E que também vai lhes trazer problemas de saúde. Esses biscoitos recheados estão cheios de um tipo de gordura muito prejudicial para a saúde chamado de trans. Esse era um dos motivos pelos quais sua avó tinha medo de você vir aqui sozinha. Não desenvolver esses maus hábitos.
_ Mas não se preocupe, Lu – enquanto Pit, Aguianaldo e eu estivermos com você nada de mal vai lhe acontecer. Esse tal espírito do supermercado não é páreo para nós.
_ Não é bom ficar menosprezando os outros, Leãonardo
 Em outro ponto do supermercado.
_ Esses três seres mágicos são mais poderosos do que eu imaginava – conversava sozinho o espírito do supermercado. Eles usam um tipo de mágica que eu não conheço. Não estou conseguindo fazer com que a menina compre o que eu quero. Toda ilusão que crio sobre algum alimento ou produto não é capaz de enganar a menina por causa desses três. Eles sempre ficam alertando a tal Lu sobre minhas artimanhas. E mesmo quando eu penso que tive sucesso, como no caso dos guris espertos, eles conseguem me desarmar no final. Isso não pode ficar assim. Tenho que dominá-los principalmente aquela águia que parece ser o mais pensante dos três. Mas como? Pelo que ouvi dos guris a águia falou em leis mágicas. Se não me engano lei da continuidade e da similaridade. Ah, seu eu pudesse aprender essa mágica antiga eu poderia combater fogo contra fogo.
_ Mas espere. Eu não tinha reparado onde eu estou. Na seção de livros. Pelo que sei hoje tem livro sobre tudo. Deve ter também de mágica. Deixa ver... huumm... livros de culinária, os mais vendidos. Ah, aqui está! Magia. Vamos ver. “Simpatias simpáticas para pessoas antipáticas”. Não esse não me serve. Deixa ver outro. “Emagreça o olho-gordo dos outros e proteja-se”, também não. Aha! “Magias esquecidas usadas por seres da antiga babilônia”. Nossa quem será que compra um livro desses? Vamos, ver. Lei da continuidade, essa eles já usaram. Lei da similaridade também. Oh, “lei da contrariedade”. Diz aqui que coisas opostas se afetam. Exemplo: use um anão para afetar um grandão. Muito bem! Então eu só preciso saber o que é o contrário da águia. Aí eu posso afetá-la. Esse outro livro também deve ajudar “o significado dos sonhos”. “Águia – animal que representa o céu seu oposto é a serpente, animal que representa a terra”. É isso! Eu só preciso conseguir uma serpente! Mas onde eu vou conseguir isso num supermercado? Nosso pet shop não tem esse tipo de bicho! Não acredito cheguei até aqui para nada. Deixe-me pensar.
De volta a Lu e seus amigos.
_ Ei, Lu. Qual o segundo item da Lusta? Esse leite esta complicado. Depois pegamos ele. Vamos trocar só para dar um pouquinho de sorte.
_ A lista da vovó diz: carne de soja.
_ Ufa. Eu já ia ficar chateado com a dona das dores – disse Pit, o boi.
_ Certo – disse Leãonardo já estamos muito tempo aqui para fazer essas compras. Claro que talvez aqui dentro para nós que estamos sobre influência da magia esse tempo não passe tão rápido quanto para as outras pessoas.
_ Não acredito – disse Aguianaldo – está muito fácil para ser verdade a seção de carnes está logo ali, a poucos metros.
_ Mas, Aguianaldo. Na lista da vovó esta escrito “carne de soja”. Será que ali tem carne de soja?
_ Carne deve ser tudo igual – respondeu Aguianaldo. Vamos até lá e buscar o terceiro item da lista.
Ao andarem mais alguns metros os quatro chegaram a um espaço bem amplo que estava assinalado como seção de carnes. A seção era enorme e aparentemente formava um círculo no qual podia-se chegar por cinco corredores diferentes. Quando se deram conta, Lu e os outros perceberam que estavam bem no meio do círculo e perceberam que estavam cercados por uma grande quantidade de pessoas. Eram mães e pais que tinham pouco tempo para estar com seus filhos devido ao seu trabalho puxado. Dava para perceber isso por suas roupas e o ar de culpa com o qual olhavam para os filhos. Além do fato de pedirem desculpa o tempo todo para eles e sempre ao final das desculpas davam um pirulito para seus filhos, para consolá-los.
Lu e os outros perceberam que todos diziam a mesma coisa:
_ Rápido, rápido, não tenho tempo.
Assim que um desses pais entrava na seção de carnes, o ponteiro de seus relógios de pulso acelerava em ritmo frenético. E mesmo os que tinham relógio digital viam o tempo aceler. Já a distância entre eles e as carnes ia diminuindo. Quando faltava a distância de um fio de cabelo para eles apanharem as carnes saudáveis e com pouca gordura saturada, o tempo, sem o menor aviso, ficava muito, muito lento. Tudo ficava em câmera lenta. E as carnes saudáveis iam ficando mais longe, como se o espaço da seção aumentasse até perder de vista. Isso não tinha fim. E aumentava a sensação de desespero dos pais que ficavam preocupados em conseguir comprar e preparar alimentos para os filhos. E a coisa ia por aí. Uma hora o relógio acelerava e o espaço encolhia e depois o tempo encolhia e o espaço aumentava. Quando parecia que a situação não tinha mais fim e ficaria assim para sempre, os pais em grupo, recebiam em suas mãos porções de linguiças, salsichas, empanados. Quem lhes entregava essas carnes gordas não era outro senão o espírito do supermercado. E ele dizia:
_ Para quem tem tempo e espaço reduzidos essas carninhas gordas aceleram seus cozidos!
E os pais respondiam em coro aliviados:
_ Obrigado, obrigado senhor espírito do supermercado. Nossos filhos coitadinhos vão comer e ficar gordinhos.
Assim que um pai ou mãe apanhava a carne aquela sensação de que não ia dar tempo de preparar o alimento sumia. No lugar dela vinha um enorme alívio de que agora as crianças não iam mais ficar sem comer. Eles também não se lembravam de tudo que acontecia com eles, saiam com amnésia e só tinham lembrança da sensação de alívio.
_ Ei, espírito – disse Lu – por que você vende para eles essas carnes mais gordas? Minha vó fala que o excesso de gordura de carne faz mal para a saúde.
_ Ora, ora, se não é a pequena Lu e seus três bichinhos mágicos! Por que eu vendo essas carnes para eles? Quem disse que eu vendo carne? Eu vendo tempo. Eles economizam tempo consumindo essas carnes gordurosas que demoram pouco para ficarem prontas, algumas em 2 ou 3 minutos. Eu vendo conforto para quem não pode perder tempo. Ficar doente ou não é só um detalhe. Além do mais... isso é segredo, hein? Não conte para ninguém. Alimentos, cortes de carne ricos em gordura agradam mais ao paladar das pessoas e elas sempre voltam para comprar mais. E o supermercado ganhando, eu continuo o rei do pedaço.
_ Como pode fazer isso – perguntou Leãonardo? Você não tem pena das pessoas que vão ficar doentes?
_ Meu caro leãozinho, o que é um coraçãozinho que não bate muito bem diante da felicidade, da alegria. Além do mais comendo minhas carnes as pessoas são felizes durante muito tempo. Um coração não vai incomodar mais que uma ou duas vezes quando resolver falhar...hahahaha. Ah, e por falar nisso, um pedacinho de costela de boi bem gordurosa para você Lu. Venha pegar.
 _ Seu espírito do mal – disse Pit – acha mesmo que vamos deixar a Lu cair nessa sua armadilha de espaço e tempo?
_ Tenho certeza que não. Vocês três juntos são muito espertos. Infelizmente, devo admitir.
_ Então, você vai desistir de nos incomodar e deixar a Lu fazer suas compras em paz?
_ Eu? Desistir? Eu não disse isso. Disse que vocês são muito espertos quando estão juntos. Então, se eu quiser que a Lu compre uns produtos de “primeira” eu tenho que afastá-la de vocês. Principalmente da cabeça do grupo, não é senhor, Aguianaldo?
_ E como acha que vai fazer isso – perguntou Leãonardo?
_ Que tal assim?
Dizendo essas palavras o espírito do supermercado arremessou no chão uma fileira de linguiças amarradas umas nas outras. A coleção de embutidos retorcia-se no chão como se fosse uma cobra.
_ “Linguiças gordurosas e maléficas prenda essa águia orgulhosa com toda a pressa”.
Assim que o espírito disse as palavras mágicas as peças de resto de carne se enrolaram umas nas outras ao mesmo tempo que Aguianaldo caía no chão todo travado sem conseguir se mexer.
E o toque de mestre foi a frase:
  - Linguiça que pode ser frita, assada ou cozida leva essa águia para longe da minha vida.
Leãonardo e Pit tentaram segurar Aguianaldo e libertá-lo, porém, antes que conseguissem ele desapareceu.
_ O que você fez? – perguntou Pit.
_ Usei a mesma arma que vocês, Boizinho. Usei magia antiga.
_ Que tipo de magia faz com que linguiças façam um ser mágico desaparecer? – perguntou inconformado Leãonardo.
_ Eu posso explicar. Descobri um livro de magia aqui no supermercado e decidir dar uma olhadinha nele. Lá estavam descritas as leis da continuidade e da similaridade que vocês usaram para enganar os guris espertos. Acontece que havia uma outra lei lá, a da contrariedade. Ela simplesmente diz que coisas opostas se afetam. Aí pensei “o que é o oposto da uma águia? Um ser celestial, que anda próximo ao sol e que representa o bem? A resposta é: um se que rasteja, que anda nas sombras e que é associado ao mal, a serpente. O meu problema é que não vendemos serpentes em nenhuma das seções desse supermercado. Foi ai que eu olhei bem no finalzinho da página. Lá estavam aquelas letrinhas bem miudinhas que usamos para escrever que o super desconto da promoção só valia até ontem. Sabem o que estava escrito lá? Que podemos combinar as três leis da magia como bem entendermos. Então pensei posso combinar todas as leis entre si? Foi então que usei uma mágica para fazer a linguiça acreditar que era uma serpente, afinal elas são parecidas, eis a lei da similaridade. Daí, foi fácil! Como seu amigo Aguianaldo é o oposto de uma serpente,  tudo o que eu fizesse na minha “linguiça-serpente” iria acontecer com ele. Viu? Fácil, não é?
_ Traga ele de volta – ordenou Lu.
_ Quando vocês tiverem terminado as compras ele volta, são e salvo. Não se preocupem. Aliás, vou fazer um acordo com vocês.
Sem aviso a lista de coisas da vó das dores saiu voando das mãos de Lu e foi parar na mão esquerda do espírito do supermercado.
_ Vocês já devem ter reparado que o supermercado começa e termina no mesmo lugar, como uma cobrinha que morde o próprio rabo. Então, esqueçam os itens da lista de compras da vovó. Se vocês conseguirem chegar até os caixas, o começo e o fim dos supermercados, eu me encarrego de encher o carrinho para vocês. Com todos esses itens pedidos por ela e garanto que só colocarei mercadoria de primeira.
_ E se nós não conseguirmos? – perguntou Pit.
_ Bem, a Lu vai voltar para sua casa, claro que agora sob minha influência e sempre vai voltar. Cada vez mais fácil de convencer a comprar aquilo que ela não precisa. Já você e seus dois companheiros ficaram aqui comigo. Sempre preciso de muita gente na seção de pacotes.
_ Nós podemos não aceitar sua proposta? – perguntou Leãonardo.
_ Não!
_ Já que é assim, nos aceitamos seu acordo – disse Lu.
_ Muito bem! O jogo começa agora. Ainda bem que não vou perder, se tivesse que procurar essas coisas saudáveis que sua vó pediu eu teria que procurar nos porões do supermercado. Afinal só deixamos ao alcance de todos o que não é tão bom assim. Claro que a possibilidade de eu perder não existe...rs. Adeus, a gente se vê.
_ E agora? O que fazemos? – perguntou Pit todo nervoso.
_ Temos que voltar para a entrada do supermercado – respondeu Leãonardo. Mas eu não sei como. Já percebi que toda vez que passamos por um lugar, as mercadorias das gôndolas são trocadas!
_ Já sei – disse Lu – tendo uma tremenda idéia – vamos usar fios de macarrão para ir marcando o caminho! A gente amarra a ponta do fio de macarrão aqui e vai emendando outro e outro e outro. Caso a gente se perca a gente pode sempre recomeçar a partir daqui.
_ Nossa não teria sido melhor amarrar o primeiro macarrão quando entramos nesse troço? – perguntou Pit.
_ Claro que sim Pit – respondeu Lu - mas nós não sabíamos que iríamos ficar presos aqui. Eu só não sei como podemos fazer o macarrão ficar molinho a ponto de podermos amarrar um no outro.
_ Isso é fácil – disse Pit. Eu posso ir mastigando os fios de macarrão e com meu bafo de boi ele fica cozido num instante!
_ Nossa, Pit! Você deveria escovar os dentes – disse Lu com cara de nojo.
_Tá e quem ia te salvar? – respondeu o boi meio ofendido.
_ A Lu já deu uma ótima idéia para marcarmos o caminho – disse Leãonardo. Agora temos que voltar ao começo é a única forma de ganharmos desse espírito do supermercado. Ele conhece tudo por aqui, todas as seções. Nós não. Ele pode nos enganar com facilidade.
_ Vamos. Temos que voltar e salvar o Aguianaldo.
E lá se foram eles, rumo às prateleiras do desconhecido. Depois de vários minutos andando, Lu, Leãonardo e Pit estavam com a impressão de estarem perdidos. As prateleiras pareciam todas iguais. Pit continuava usando seu bafo de boi para amolecer o macarrão enquanto Leãonardo e Lu iam amarrando um fio no outro. Eles são não sabiam se o macarrão não iria acabar até eles acharem a saída.
_ Ei, você. É você mesmo! Você está se sentindo fraco? – dizia uma voz que sem aviso surgiu do nada assustando os três.
_ Nossa! Quem disse isso? – perguntou Lu.
_ Não sei – respondeu Pit. Essa voz parece estar vindo de todos os lados. E a voz continuava.
_ Aposto que você também está cansado! Também acho que você não está crescendo!
Pouco à frente, Lu e seus amigos avistaram várias pessoas que pareciam enfeitiçadas pela voz. Assim que elas ouviam alguma afirmação da voz elas acenavam com a cabeça concordando com tudo o que a voz dizia. Finalmente a voz falou:
_ Seu problema pode ser falta de vitaminas.
Todas as pessoas enfeitiçadas fizeram uma terrível cara de espanto e surpresa ao descobrirem que seus possíveis problemas estavam acontecendo por falta de vitaminas. E a voz concluiu:
_ Tome vitaminex. Um produto a base de vitaminas que vai ajudá-lo a ficar mais feliz, a crescer mais, a crescer seu cabelo. Sei lá. Vai te ajudar a fazer tudo o que você quiser.
Todos os enfeitiçados gritavam:
_ Queremos vitaminex. Queremos vitaminex.
De repente uma outra voz pôde ser ouvida. Só que agora era uma das pessoas do grupo de enfeitiçados que falava. Era um homenzinho com um livro de receitas na mão. Acontece que ele era tão pequeno, mas tão pequeno que precisava subir numa enorme pilha de jornais para que as pessoas pudessem enxergá-lo. Ele gritava:
_ Não acreditem nessa voz a melhor fonte vitaminas saudáveis são alimentos naturais.
De alguma forma o homenzinho com o livro de receitas não tinha sido enfeitiçado pela voz que mandava todo mundo tomar vitaminex. E o ele continuava:
_ Não tomem esse vitaminex. Vejam só. Aqui ao lado temos uma excelente fonte de vitaminas saudáveis. Basta entrarmos na seção de frutas e vegetais. Eles são excelentes fontes de vitaminas naturais e saudáveis.
O homenzinho do livro de receitas falava com tanta certeza que todos os enfeitiçados acreditaram nele e começaram a correr em bando para comprar frutas e vegetais. Acontece que assim que elas entraram na seção de vegetais uma coisa terrível aconteceu. Os vegetais e frutas começaram a atacar as pessoas. O abacaxi usava sua coroa para espetar a mão dos que tentavam apanhá-lo. A cebola fazia com que as pessoas começassem a chorar. Os cocos rolavam e caiam sobre os pés das pessoas. Enfim, uma cena apavorante. E tudo parecia ser comandado por uma abóbora que tinha uma cara terrível e assustadora igualzinha a essas que a gente vê em dia das bruxas ou em filmes de terror. Ela não parava de comandar os vegetais para que atacassem as pessoas. De todos, os mais assustados eram as crianças que na hora começaram a morrer de medo só de ver um vegetal ou uma fruta.
_ Que coisa terrível – disse Leãonardo. As pessoas estão morrendo de medo dos vegetais e frutas.
_ Temos que fazer alguma coisa para ajudá-las – disse Lu.
O homenzinho com o livro de receitas nas mãos continuava falando sobre a importância de consumir vitaminas por meio do consumo de alimentos naturais. Só que em meio ao pânico ninguém mais o ouvia. A voz que vinha de todos os lados repetia:
_ Vitaminex, vitaminex, vitaminex.
Enquanto as pessoas corriam dos vegetais e iam pegar caixas e mais caixas de vitaminas para levar para casa.
_ Pessoal – disse o Pit – essa voz está enganando as pessoas. O homenzinho do livro de receitas está certo. Os vegetais e frutas são muito melhores em termos de vitaminas que o vitaminex. A natureza já colocou tudo que o corpo precisa em quantidade e combinações corretas nos alimentos. Isso não é assim no vitaminex.
_ Como você quer que as pessoas comam frutas e vegetais se elas estão quase sendo comidas por eles? – perguntou Lu.
_ Eu já tive vários amigos vegetais e frutas – disse Leãonardo – e todos eles eram muito legais e dóceis. Eles, inclusive, adoravam ser comidos. Não entendo porque os vegetais e frutas desse supermercado estão agindo assim! Opa, o que é isso que está caindo na minha cabeça?
Uma porção de sementinhas de abóbora começou a cair sobre Leãonardo, Lu e Pit. Enquanto elas caíam era possível ouvir bem baixinho o choro delas. As sementes estavam caindo do teto em cascata e os três não puderam deixar de imaginar que aquelas sementinhas pareciam lágrimas caindo do céu. Lu apanhou uma delas em suas mãos.
_ Ei, sementinha. Por que você está chorando?
_ Por que nós fomos arrancados de nossa casa, a abóbora. Agora sem nós ela está vazia e por isso ficou má. Não tem mais sua essência.
_ Então é por isso que todas as frutas e vegetais estão agindo dessa forma? – perguntou Lu para a sementinha.
_ Sim. Todos esses vegetais e frutas foram processados. Quer dizer eles não são mais saudáveis, pois foram modificados. Alguns perderam as sementes, outros a casca. Uns receberam substâncias químicas para ficarem mais verdinhos ou amarelinhos. Todos foram modificados. Com isso, ficaram infelizes e começaram a atacar as pessoas. Daí, ninguém vai querer consumir seus nutrientes partir de alimentos saudáveis. Vão querer tomar produtos como o vitaminex que nem são bons e custam bem mais caro que os vegetais ou frutas. Os donos do supermercado agradecem e o espiríto do supermercado é promovido a gerente.
_ Então é isso! – disse Leãonardo. Mas como a gente vai fazer com que os vegetais e plantas voltem ao normal?
_ Não sei – disse Pit.
_ Nem eu!– falou Lu.
_ Nós podemos amadurecê-las disse a sementinha.
_ Como assim? – perguntaram os três.
_ A maioria desses vegetais e frutas ainda são verdinhos. São bem jovens. Muitas vezes os jovens são mais impacientes e não entendem bem as coisas. Por exemplo, os vegetais e frutas dessa seção ficaram bravos por terem sido processados, como eu já disse. Quando vamos ficando mais maduros, a gente entende melhor as coisas. Por isso, costuma ficar um pouquinho mais paciente.
_ Mas como vamos com que eles fiquem maduros? Isso pode demorar muito – disse Lu.
_ Vamos embrulhar todo mundo em jornal – respondeu a sementinha. Quanto mais velho o jornal melhor! As plantas vão ver a data do jornal e vão se sentir velhas. Logo, logo elas ficam maduras. Bem rapidinho.
_ Então vamos – disse Pit.
Os três foram correndo até o homenzinho do livro de receitas na mão. Explicaram para ele que precisavam dos jornais dele para evitar que as pessoas comprassem o vitaminex. O homenzinho ficou muito contente e deu todos os seus jornais de sua pilha com prazer. Lu, Leãonardo e Pit começaram a enrolar os vegetais e frutas nos jornais. Claro que não foi fácil. Eles levaram muita espetada dos abacaxis, choraram bastante por causa da cebola e Pit caiu umas 4 vezes tropeçando em cascas de banana. Mas em alguns minutos conseguiram embrulhar todo mundo!
_ E agora? – perguntou Lu.
_ E só esperar um pouquinho – respondeu a sementinha.
Assim que foram embrulhados os vegetais e frutas começaram a lutar para escapar do jornal. Mas depois de uns dois minutos eles pararam de se agitar e assovios baixinhos começaram a serem ouvidos. Em pouco tempo eram tantos assovios que pareciam que o som da música deles vinha do sistema de auto-falantes do supermercado. Eles estavam assoviando a primavera das quatro estações de Vivaldi!
 Lu e seus amigos começaram a retirar os jornais de cima das plantas e vegetais e perceberam que eles agora estavam mais velhos, mais sábios e felizes. Eles já não eram aquelas plantas bravas que atacavam as pessoas. Aos pouquinhos os enfeitiçados foram tomando coragem para voltar até a seção de vegetais e frutas. Dessa vez eles não foram mais atacados. As plantas e vegetais os recebiam de braços abertos e com um enorme sorriso. Aos poucos elas foram deixando de comprar vitaminex. As plantas pareciam melhores para as pessoas e custavam bem menos, isso era uma coisa importante, pois para quem tava com o dinheirinho contado com a Lu, toda economia era benvinda.
Logo já não tinha ninguém mais comprando vitaminex. A voz que antes mandava comprar vitaminex não parava de dizer:
_ Vocês três ainda me pagam! Vou me vingar de vocês por não deixarem as pessoas comprarem vitaminex.
_ Obrigada, sementinha – disse Lu dando pouca importância para as ameaças da voz.
  _ Não tem do que. Eu é que preciso agradecer. Mesmo que nunca mais possa estar junto a nossa querida abóbora. Pelo menos, agora, eu e minhas irmãs sementes sabemos que ela vai ficar feliz e realizar seu sonho de vida. Ser almoçada ou jantada num belo bobó de camarão!
_ Agora nós temos que ir – disse Leãonardo. Adeus, sementinha. Precisamos sair desse supermercado que mais parece um labirinto e achar nosso amigo, Aguianaldo.
_ Como ele é? – perguntou a sementinha.
_ Ele tem penas marrons no corpo e brancas na cabeça – respondeu Pit.
_ Eu sei onde ele está! – respondeu a sementinha surpreendendo a todos. Enquanto eu estava caindo do teto eu tinha uma boa visão de todo o supermercado e pude ver seu amigo. Ele está na seção de “produtos que todos querem”. Basta seguir em frente até o final da seção de vegetais e frutas. Não tem como errar! O amigo de vocês está lá bem no meio, parado.
_ Que tipo de seção é essa? – perguntou Leãonardo. Nunca ouvi falar disso!
_ Não sei – respondeu a sementinha. Eles a chamam assim. Mas eu nunca estive lá. Essa é a primeira vez que saio da abóbora. Ainda não conheço nada do mundo. Desculpem.
_ Tudo bem – disse Lu. Sementinha você não sabe o quanto nos ajudou! – agradeceu. Adeus.
E saíram os três correndo em direção a seção de “produtos que todos querem”.
_ Como vocês acham que é essa seção? – perguntou Lu.
_ Não consigo imaginar. Pena que o Aguianaldo não está aqui ele é que é bom nesse negócio de pensar – respondeu Pit.
_ Como um lugar pode ter tudo o que as pessoas precisam? – perguntou Leãonardo. Essa seção teria que ser do tamanho do mundo!
Quando chegaram ao fim das seção de vegetais e frutas os três tiveram sua resposta. Antes de entrar na seção eles perceberam que nas prateleiras não havia produtos. Eles só tinham palavras indicadas nelas: sem colesterol, 0% de gordura, natural, sem aditivos, orgânico, bom para o crescimento. Foi então que eles perceberam como a coisa toda funcionava. Quem entrava na seção tinha sempre um desejo em relação aos alimentos. Algumas mães estavam preocupadas com a alimentação de seus filhos, daí quando elas viam a frase “bom para o crescimento”, logo iam para a prateleira correspondente. Como que por milagre aparecia um produto na prateleira que não tinha marca ou preço. Mas as mães nem prestavam atenção nisso!
_ Nossa! O que esta acontecendo lá? – perguntou Lu.
_ São os desejos! Eu entendo tudo de desejo – disse Pit. São os desejos das pessoas que criam essas coisas nas prateleiras. Vocês se lembram que estávamos curiosos com o tamanho que essa seção teria? Ela não precisa ser grande. Na verdade não há nada nas prateleiras. O truque está em fazer a pessoa comprar aquilo que ela já quer. Viram aquelas mães? Elas nem prestaram atenção em outras coisas. O desejo delas era manter seus filhos saudáveis!
_ Você tem certeza que é isso? – perguntou Leãonardo.
_ Olhe lá – foi a resposta de Pit.
Diante de uma prateleira que dizia 0% de gordura um monte de esqueletinhos brigava como louco apanhando iorgutes, barrinhas de cereais e outras coisas criadas por sua imaginação. Todas, claro, sem o menor sinal de gordura.
_ Nossa por que as pessoas estão aparecendo para nós como esqueletos? – perguntou Lu.
_ Por quê esse é o desejo delas – respondeu Pit. Elas gostariam de ter tão pouca gordura que se pudessem ficariam como esqueletinhos. Na verdade a aparência de esqueleto e a imagem do desejo dessas pessoas de serem muito magras.
_ O triste – completou Leãonardo – é que se uma pessoa fica sem comer gordura acaba virando um esqueleto de verdade!
_ Como assim? – perguntou Lu.
_ O que o Leãonardo quer dizer Lu – respondeu Pit – é que vocês humanos precisam de gordura para ficarem vivos. Uma pessoa que fique muito tempo comendo coisas sem gordura acaba morrendo.
_ Por que não avisamos elas desse perigo? – perguntou Lu.
_ Não adianta – respondeu Pit. O problema não é delas, é o supermercado. O problema é que elas já vêm para o supermercado com esse desejo de não ter gordura. Nosso amigo, o espírito do supermercado só se aproveita disso.
Enquanto os três discutiam o que estava acontecendo na seção de “produtos que todos querem” a loucura continuava entre as pessoas que entravam na seção. Um bando de mulheres atacava produtos que prometiam ajudar pessoas que demoram muito a ir ao banheiro. Eram os produtos contra a prisão de ventre. Enquanto as mulheres lutavam pelos produtos imaginários, um monte de crianças verdes de vontade de ir ao banheiro também tentavam pegar alguns. Só que elas nunca conseguiam.
_ Por que as crianças não conseguem pegar os produtos contra prisão de ventre? – perguntou Lu. Elas estão até verdes de vontade de fazer coco e não conseguem pegar nenhum um produtinho!
_ É que esses produtos não são vendidos para crianças, os fabricantes os oferecem só para os adultos por isso os desejos das crianças não têm efeito nas prateleiras – respondeu Pit.
_ E eles funcionam? – perguntou Leãonardo.
_ Elefantes voam? – respondeu Pit com outra pergunta.
_ Não entendi sua resposta – disse Lu.
_ O Pit está brincando, Lu, quando ele perguntou se os elefantes voam, ele quis dizer que os produtos funcionam tanto quanto os elefantes são capazes de voar. Como os elefantes não voam, os produtos não funcionam.
_ Ah, entendi – respondeu Lu. Pessoal sabe do que estamos nos esquecendo?
_ É verdade! – respondeu Leãonardo. Nos esquecemos do Aguianaldo. A sementinha disse que ele estava por aqui.
_ Então, vamos entrar! – respondeu Lu.
_ Eu não posso entrar! – disse Pit assustando Leãonardo e Lu.
_ Por que não, Pit? – perguntou Lu.
_ Porque existe muito desejo flutuando nessa seção. Não sei se eu conseguiria me controlar aí. Eu posso cair nas mãos do espírito do supermercado.
_ Mas você não precisa ter desejos – disse Lu – você é um ser mágico. Você já é completo.
_ Eu sei, Lu – mas às vezes não acreditamos nisso e acabamos enganados pelos nossos desejos.
_ Vamos, amigo – disse Leãonardo. Nós lhe ajudaremos a passar por esse desafio.
_ Não posso, tenho medo! – respondeu Pit. Vão e eu ficarei aqui esperando vocês.
_ Vamos, Pit – implorou Lu.
_ Está bem – concordou finalmente.
E foram entrando naquela confusão que era a seção dos “produtos que todos querem”. Mas assim que entrou, Pit, e somente ele, começou a ouvir:
_ Você está com fome, não está? Seu apetite é insaciável, não é? Não se preocupe não temos tudo o que você precisa aqui. Sem perceber nada Leãonardo e Lu continuavam andando.
_ Vejam – disse Lu – lá na frente. É o Aguianaldo. Vamos até lá.
Aguianaldo estava no meio da seção com as asas abertas com se fosse voar. Ele estava duro como uma pedra, na verdade, ele parecia uma estátua!
_ Aguianaldo, Aguianaldo – chamava Lu.
_ Ele não consegue te ouvir – disse Leãonardo. Ele ainda está enfeitiçado. Precisamos descobrir como quebrar esse encanto e libertá-lo.
Enquanto isso Pit que estava a alguns metros atrás continuava ouvindo coisas.
_ Você não quer matar sua fome?
_ Você não vai me enganar – respondia Pit para a voz. Eu sei que isso é um plano do espírito do supermercado.
_ Então você não vai matar sua fome?
_ Ei, Leãonardo – disse Lu – com quem o Pit está conversando lá atrás? Eu não consigo ouvir o que ele está dizendo.
_ É, você tem razão. Ele está estranho. Vamos voltar lá e ver o que está acontecendo. A gente não devia ter saído de perto dele.
_ Vamos lá! Prove alguma coisa – continuava a voz que tentava Pit.
O pobre boi já não conseguia pensar direito tal a fome que acreditava estar sentindo.
_ Veja! Prove esse peixinho de açúcar e chocolate. Ele está divino. Você não acredita que uma coisinha tão pequena como essa possa fazer mal a um boizão como você, não é? – insistia a voz.
Não aguentando mais e sem pensar direito, Pit resolveu apanhar o peixinho de açúcar e chocolate. Leãonardo percebeu o perigo e gritou:
_ Pit, não prove esse negócio – meu coração me diz que é uma armadilha!
Era tarde. Quando Pit aproximou o peixinho de seus lábios esse ficou do tamanho de uma baleia e o engoliu inteiro. Agora Pit estava dentro do estômago da baleia de açúcar e chocolate. Assim que o engoliu, a baleia mergulhou num pote de frutos do mar e desapareceu.
_ Pit, Pit – gritava Lu. O que vamos fazer agora, Leãonardo?
Antes que esse pudesse responder a mesma voz que tinha provocado Pit a provar o peixinho falou:
_ Dois já foram só falta um – em seguida pode-se ouvir uma terrível gargalhada.
Quando Lu e Pit se viraram para a direção de onde vieram e onde estava Aguianaldo esse também havia sumido.
_ Vamos continuar, Lu – respondeu atrasado Leãonardo. Segundo o pacto que fizemos com o espírito do supermercado, se conseguirmos chegar aos caixas ele será obrigado a nos devolver Pit e Aguianaldo.
_ Mas e se ele não cumprir sua promessa? – perguntou Lu preocupada.
_ Não se preocupe – um ser mágico não é como os seres humanos. Quando damos nossa palavra somos obrigados a cumpri-la, independente de sermos seres bons ou ruins.
_ Então vamos?  Quero sair dessa seção maluca – disse Lu.
_ Ainda não – disse Leãonardo. Tenho uma surpresinha para o nosso amigo espírito do supermercado.
_ O que é?
_ É uma “pena rótulo” do Aguianaldo.
_ Pena rótulo? O que é isso?
_ Nessa seção as pessoas estão levando os produtos de acordo com seus desejos. E não com sua razão. Quer dizer elas não estão pensando no que estão comprando. Elas compram por impulso. Por isso, elas nem prestam atenção no que sai das prateleiras se é bom ou ruim. Pit passou mal aqui, pois a energia dos desejos é muito forte e ele representa os desejos humanos. Se quisermos ajudar essas pessoas, pelo menos enquanto estiverem nessa seção, temos que dar elas algo oposto ao desejo impulsivo e descontrolado.
_ E o que isso tem haver com as penas do Aguianaldo? – perguntou Lu.
_ É que o Aguianaldo é o símbolo da razão humana. Se a energia dele, a energia do pensamento, estivesse forte aqui, as pessoas não comprariam por impulso, elas pensariam antes no que estão fazendo. Pois entregar-se aos impulsos sem pensar pode ser muito perigoso. Veja o que está acontecendo aqui. É aí que entra a “pena rótulo”. Essa pena mágica aumenta a capacidade das pessoas pensarem no que vão comprar.
_ Mas como elas vão pensar nisso? – perguntou Lu.
_ Elas não vão pensar sozinhas. Eis a magia da pena. Com ela todos os produtos passarão a ter informações corretas atrás deles. Essas informações são chamadas de rótulos. Tudo o que a pessoa quiser saber sobre os alimentos esta lá. Com isso, ela vai pensar bem antes de comprar e vai saber o que está comprando. Aí essa não vai ser mais a seção dos “produtos que todos querem”.
_ Assim, ajudamos as pessoas a comprarem melhor e atrapalhamos os planos do malvado espírito do supermercado, não é?
_ É isso mesmo, Lu. Você entendeu bem o plano.
_ E como fazemos isso?
_ Basta dizer algumas palavras mágicas e jogar a pena para o alto. Toda vez que alguém imaginar alguma coisa, essa alguma coisa vai aparecer com rótulo. Se a pessoa pegar o produto de frente, pois o rótulo fica atrás, sentira cócegas nas mãos e será obrigado a virar o produto. Daí vai saber toda a verdade sobre o que está comprando, inclusive se o produto funciona para o que ela quer.
_ Uau! Isso vai ser demais.
_ Então aí vai: “Para quem tem dúvida sobre o que escolher e só sabe usar a compulsão aí vai uma pena rótulo para ajudar na decisão”.
Assim que disse as palavras mágicas Leãonardo lançou a pena rótulo para o alto e ela se dividiu em milhares de outras penas que foram pousar nas prateleiras da seção. Depois de alguns minutos, os esqueletos voltaram a adquirir aparência de gente, as crianças verdes voltaram à aparência normal e as mães esvaziaram seus carrinhos de falsos produtos para crescimento. Lu e Leãonardo não esperaram para ouvir os gritos de raiva do espírito do supermercado:
_ Ai que raiva!  Esse pessoal já está me torrando a paciência.
Lu e o leão seguiam em frente.
_ Você acha que falta muito? – perguntou Lu.
_ Já estamos bem perto do final.
_ Como você sabe, Leãonardo?
_ Sou um ser mágico, lembra? Minha capacidade de saber tudo está afetada pelos poderes do espírito do supermercado. Se pelo menos a gente pudesse contar com os pensamentos de Aguianaldo e os impulsos do Pit, poderíamos saber com mais certeza. Mas ainda acho que estamos perto.
_ Tomara que você esteja, amigo.
_ Podemos perguntar a eles ali na frente.
Leãonardo estava falando de um monte de seres que estavam pulando, voando e lutando entre si nas prateleiras da próxima seção. Na verdade eram serem muitos especiais. Eles eram super-heróis e personagens infantis que tinham sido desenhados nas embalagens de pães, pizzas e biscoitos da seção. Embora ninguém pudesse vê-los eles continuavam suas aventuras das revistas em quadrinho e da televisão nas embalagens.
_ Veja, Leãonardo. Os meus super-heróis prediletos! Nossa que emoção! Acho que vou levá-los comigo!
_ Isso mesmo – disse um dos personagens prediletos de Lu – o monstrinho Bacu. Leve-nos para casa e nós brincaremos juntos.
_ Brincar com você? Onde? – perguntou a menina entusiasmada.
 _ Aqui mesmo no meu mundo! Você não gostaria de ver bem de pertinho essas cores vivas e maravilhosas do meu mundo?
_ Claro que quero – respondeu Lu.
_ Espere um pouco, Lu – disse Leãonardo. Esse monstrinho Bacu esta te enganando. Um super-herói de verdade não pode ficar do lado de produtos que fazem mal para a saúde.
De repente todos os personagens e heróis dos pacotes de pães e bolos começaram a vaiar com Leãonardo.
_ Não acredite neles, Lu – continuava Leãonardo. Eles não são seus personagens. Esses daí estão dominados pelo espírito do supermercado.
Os personagens continuavam a vaiar Leãonardo e Lu estava totalmente confusa. Sem aviso, vários personagens das embalagens, todos do tamanho de um polegar, começaram a agarrar Leãonardo. Apesar deles serem bem pequeninhos eles eram tantos que depois de alguns segundos tinham prendido Leãonardo no chão. Quando ele estava totalmente imobilizado o monstrinho Bacu saiu de seu pacote de bolo e pousou sobre o peito do leão. Leãonardo tentava se Lubertar, mas era inútil. Ele não conseguia se mexer. Já não conseguia nem falar, pois os personagens dos quadrinhos estavam segurando sua língua. Lu desesperada pedia para que parassem.
_ Por favor, soltem ele. Ele e meu amigo. Isso não está certo. Meus super-heróis jamais fariam isso!
De nada adiantou os apelos de Lu. O monstrinho Bacu que ainda estava sobre o peito de Leãonardo parecia não ouvir nada. Com um olhar enlouquecido ele enfiou um dos braços no peito de Leãonardo e retirou seu coração mágico. Sem seu coração o leão parou de se mexer. O monstrinho Bacu tinha matado Leãonardo! Um minuto depois o corpo de Leãonardo desapareceu.
Sem acreditar na maldade do monstrinho Bacu Lu saiu correndo dali chorando desesperada. Não sem antes dizer ao monstrinho Bacu o que achava dele agora.
_ Eu te odeio – disse a menina.
Os olhos do monstrinho Bacu que estavam transformados pelo ódio contra Leãonardo, mudaram quando ele ouviu aquilo da admiradora que ele mais gostava. Se Lu tivesse esperado um pouquinho mais teria percebido que não só o olhar mudou, os olhos também ficaram um pouquinho mais cheios de água.
Lu continuava correndo desesperada, não conseguia ver para onde estava indo. Não conseguia pensar em nada a não ser em ter perdido seus amigos. Ela não sabia o que fazer. Ela só chorava. Ela só parou de chorar quando tropeçou em algo e caiu. Agora ela estava em um lugar diferente. Na verdade, bem diferente de todo o resto do supermercado. No centro do lugar estavam Aguianaldo, Pit e Leãonardo. Todos como estátuas. De fato, ela já tinha visto Aguianaldo assim, mas Pit e Leãonardo eram uma novidade.
_ Onde estou? – perguntou a menina para si e sem esperar nenhuma resposta. Mas a resposta acabou vindo.
_ Você está na seção de conservas salgadas. E pelo que vejo está sozinha – completou a voz de forma maldosa.
_ A culpa é toda sua. Como alguém pode ser tão mal como você, Sr. espírito do supermercado?
_ Na verdade eu não sou mau. Sou só um espírito, uma energia. Mas que, por causa da ganância das pessoas, acaba sendo usado para o mal.
_ Você não pode culpar os outros pelo mal que faz. Mesmo que eles lhe peçam algo ruim, no final, é você quem deve tomar a decisão.
_ Não tente me ensinar o que fazer mocinha! Você nem é capaz de decidir o que comprar sozinha! – completou o espírito do supermercado. Por sua causa seus amigos estão aí. Presos para sempre.
_ O que você fez com eles?
_ Nada demais. Eu apenas os pus no sal! O sal em excesso retira a umidade de tudo e as preserva para sempre. Tudo fica estéril e sem vida com o excesso de sal. Mas o sabor dele e fantástico. As pessoas preferem arriscar a saúde e comer coisas salgadas só para sentir o sabor.
_ O que esse excesso faz nas pessoas?
_ Bem, em seres mágicos como seus amigos ele paralisa e petrifica. Em seres humanos ele desequilibra o organismo. Depois de algum tempo a pessoa não consegue mais viver!
_ Você é um monstro!
_ Não. Eu não as obrigo a consumir coisas salgadas. Elas ouvem o tempo todos que isso faz mal.
_ Então porque você não coloca aviso nas prateleiras ou rótulos nos produtos? Não. Você só quer que as pessoas comprem e não está preocupado com a saúde delas – completou a menina cujas lágrimas voltavam a aparecer no rosto.
_ Isso não é minha responsabiLudade.
_ Na verdade, a menina está certa, espírito – disse uma voz vinda detrás. Era o monstrinho Bacu.
_ Você, seu monstro. Eu lhe odeio. Você tirou a vida de Leãonardo.
_ Não te culpo por você me odiar, Lu. Mas não posso viver sabendo disso! Você me fez descobrir que nós os heróis estávamos todos errados. Super-heróis infantis têm muita responsabilidade em relação as crianças. Nós somos modelos e nossas atitudes representam exemplos que as crianças desejariam seguir. Se decidirmos algo errado, que exemplo estamos dando? Eu lhe digo, o pior possível. Independente do que nos peça o espírito do supermercado ou qualquer outro, não podemos associar nossa imagem a produtos pouco saudáveis como cigarros, cervejas, pães não integrais, bolos cheios de açúcar ou pizzas. Sim, pizzas. Todos só culpam o hambúrguer como algo ruim, algo que afeta a população de todas as pessoas do mundo. Mas o que dizem das pizzas? Nada não é? Mas elas são tão ou mais perigosas que os hambúrgueres.
_ Do que adianta tudo isso se meu amigo está morto?
_ Ele não está morto, Lu. Seres mágicos não morrem. Eles ficam dormindo por um tempo e depois voltam.
 _ O que você pensa que esta fazendo Bacu? – disse o espírito do supermercado. Nós temos um acordo!
_ Não, nós tínhamos um acordo. Você nos disse que se ficássemos nas embalagens iríamos alegrar as crianças e fazê-las felizes. Como isso pode ser verdade se o que estamos vendendo faz mal para a saúde? Fiz a fã que mais admiro chorar e agora ela me odeia. Não posso mudar isso. Mas posso corrigir o que sei que está errado. Nosso trato está desfeito. Todos os outros personagens concordam comigo e estão em dívida com seus admiradores. Lu, você já prestou atenção no sabor das suas lágrimas?
_ Minhas lágrimas?
_ Prove-as, por favor – disse o monstrinho Bacu.
Lu fez o que o monstrinho Bacu pediu.
_ Elas são salgadas! Mas o espírito do supermercado disse que o sal mata as pessoas? Como algo que mata pode estar no meu corpo?
_ Ele não te disse toda a verdade. Sem o sal não vivemos. Ele faz parte de nosso organismo, mas em excesso, como muitas outras coisas importantes, ele pode fazer mal.
_ Então o segredo entre a saúde e a doença, quando falamos de sal, é a quantidade que comemos?
_ Sim, Lu. É exatamente isso. O sal tem que ser consumido com moderação. O problema de seus três amigos é que eles foram mergulhados numa quantidade muito grande de sal.
_ Como vou ajudá-los?
_ Com suas lágrimas. Elas vão dissolver o excesso de sal.
_ Você não pode ensinar isso a ela! – disse o espírito do supermercado furioso.
_ Posso, sim – disse o monstrinho Bacu. Rapazes, segurem-no!
Todos os personagens de embalagens de pães não integrais, pizzas e bolos agarraram o espírito. E nem com toda sua magia ele foi capaz de se libertar. Lu apanhou três lagrimas de seu choro e pingou uma em cada um dos seus amigos. Quando o sal de seus amigos foi diluído eles voltaram ao normal.
_ Obrigado, Lu – respondeu Aguianaldo.
_ Você conseguiu! – disse Pit.
_ Sua vó ficará orgulhosa de você – finalmente, falou Leãonardo. É bom estar de volta, obrigado Lu. Ficar sem coração é uma chatice.
Lu abraçou seus amigos mágicos bem apertado e com lágrimas nos olhos. Só que dessa vez de felicidade.
Quando deram por si estavam junto aos caixas. Eles tinham voltado para a entrada do supermercado! Haviam vencido o espírito do supermercado! Como sinal de sua vitória um carrinho com todos os itens pedidos pela vó das doress apareceu na frente de Lu. Claro que os alimentos eram dos mais saudáveis. E o que era melhor, as compras estavam do lado de fora dos caixas. Elas estavam pagas! Leãonardo estava certo, mesmo seres mágicos malignos como o espírito do supermercado, tinham de cumprir a palavra dada.
_ E agora? – perguntou Lu.
_ Agora vamos voltar para a casa da sua vó – respondeu Aguianaldo.
_ Nós já estávamos sentindo falta desse seu jeito todo certinho de pensar Aguianaldo – disse Lu e todos riram.
_ E quanto ao espírito do supermercado? – perguntou Pit.
_ Ele continuará aqui. Afinal, ele foi criado nesse lugar – respondeu Leãonardo.
_ Então ele continuará enfeitiçando as pessoas para que elas comprem coisas iludidas? – perguntou Lu espantada. Então tudo o que passamos foi inútil?
_ Não, Lu, não foi – disse o monstrinho Bacu que estava ao lado dos quatro. Você mudou minha cabeça e a dos meus irmãos super-heróis. Agora o espírito do supermercado não terá mais nossa ajuda em suas maldades. Ele também está mais fraco, pois agora conheceu a derrota. Além disso, vocês não poderiam resolver tudo. Lembre-se a magia só funciona porque as pessoas acreditam nela. O espírito do supermercado só tem poder sobre as pessoas porquê elas permitem. Nem todo mundo tem ajuda do pensamento, emoção ou desejo como você. Afinal, é isso o que seus amigos são. E lhe dou uma última dica, minha querida. Quando eles se unem eles não formam apenas um Lamassu. Eles formam o homem. O homem perfeito é a união dessas coisas, cabeça, coração e estômago. Se isso estiver equilibrado na proporção correta, assim como seus amigos são equilibrados entre si, qualquer pessoa pode entrar num supermercado sem ter medo de ser enganada.
_ Ei, Bacu – disse Lu – me desculpe por dizer que te odiava!
_ Não precisa pedir desculpa, minha querida – disse o monstrinho Bacu com lágrimas mágicas nos olhos – você deve desculpar a mim porque quase não fui capaz de merecer seu amor. Agora vocês devem ir, sua vó está lhe esperando.
Minutos depois Lu chegava com as compras na casa de sua avó.
_ Vovó, vovó! Cheguei.
_ Oi, filhinha – respondeu a vó das dores que já estava de pé e arrumando a sala.
_ Vó, você se levantou?
_ Não se preocupe meu bem, eu já estou totalmente recuperada!
_ Puxa, vó! Você parecia tão doente! Que se não te conhecesse acharia que você fingiu ficar doente.
_ Eu, filhinha? Imagina! Mas me diga como foi no supermercado? Você teve problemas?
_ Só um pouquinho, vovó. Mas foi como você disse. Aguianaldo, Leãonardo e Pit me ajudaram muito!
_ Quem?
_ Os animais mágicos do Lamassu.
_ Ah, então esse foi o nome que você lhes deu?
_ Como assim, vó? Esses não são os nomes deles?
_ Não, filha. Cada um lhes dá um nome diferente. Eu os chamava diferente. Para cada pessoa eles se apresentam de um jeito único. Agora eles se apresentaram para você, pois é com você que vão ficar.
_ Ficar comigo? O Lamassu é seu vó.
_ Não. Eles são meu presente para você. Sua mãe não o quis. Ela já não acreditava em magia. Você não foi mudada pela falta de fé do mundo. Cabe a você usá-lo da melhor forma para receber ajuda e, principalmente, auxilir aos que não tem um Lamassu. Lembra da palavra que invoca os três animais?
_ Sim. Mas eu não preciso usá-la, eles ainda estão aqui comigo – disse Lu. Mas em seguida ela reparou que seus três amigos já tinham voltado para a estátua do Lamassu.
_ Então, filha? Já sabe para que vai usá-lo?
_ Bem, vó das dores, a gente tem muito tempo para pensar em tudo o que pode fazer. Mas por enquanto há muitos espíritos de supermercados para visitar aqui na cidade.

FIM