sexta-feira, 22 de março de 2013

Daniel e os bichinhos do lixo - O lixo se transforma (Livro 5)



O velho lixão de Flora do Sul ia mudar de nome, aliás, passaria a ter um não tão fácil assim: aterro sanitário. Depois de quase três anos trabalhando ali, seu João Antunes e a associação de catadores tinham mudado a paisagem do antigo lixão: não havia mais restos de alimentos ou qualquer outro tipo de lixo jogado a céu aberto. Daniel achava que no lugar de aterro sanitário o lixão poderia começar a ser chamado de arco-íris, afinal, tudo era guardado num cesto com a cor certa.

O menino tinha certeza que se Sapeca soubesse falar até ele teria a cor de cada cesto na ponta da língua, como sua professora dona Esperança costumava dizer que deveria acontecer com a tabuada: tê-la na ponta da língua.

_ Vamos lá, Sapeca – ele dizia brincando. Papel?

_ Au, au – respondia o cachorrinho.

_ Azul, isso mesmo! – confirma Daniel rindo. Plástico?

_ Auuuuuu.

_ Isso vermelho!

Para cada pergunta do dono, Sapeca respondia com um gostoso au, au. Teve latido para verde dos vidros, preto dos cestos para depositar madeira, amarelo para metal e marrom para o resto de alimentos. O menino achava que seu cachorro estava tão afiado que até perguntou brincando sobre as cores usadas para guardar lixo vindo de hospitais, fábricas e para lixos que não podiam ser reaproveitados. Os latidos na ordem que Daniel perguntou seriam branco, laranja e cinza.  

É, o lixão tinha se transformado mesmo num arco-íris. A parceria entre a prefeitura e a associação de moradores tinha crescido tanto que depois de algum tempo os hospitais vieram pedir para que eles coletassem seu lixo. Bem, lixo de hospital não podia ser guardado junto a papel, plástico, metal, madeira ou vidro. Por isso, Daniel sugeriu que se usassem cestos brancos iguais aos jalecos dos médicos.

Após os hospitais, foi a vez das fábricas, essas importantes empresas usavam produtos que se fossem jogados a céu aberto contaminariam a natureza. Para esse tipo de lixo foi criada uma cor especial, o laranja, cor surgida da mistura do vermelho dos plásticos e do amarelo dos metais.

De tanto trabalhar com lixo, o pai de Daniel aprendeu que tinha alguns tipos de materiais que não podia ser reaproveitados e por isso precisavam ser adequadamente guardados para não contaminar a água, o solo ou o ar. Esse tipo de lixo era depositado em cestos de cor cinza. Quando seu João Antunes perguntou ao filho o porquê daquela cor para o lixo que não podia ser reaproveitado, Daniel deu uma explicação que mostrava que ele estava cada vez mais esperto. Sua professora, dona Esperança, tinha lhe ensinado que a palavra lixo derivava de uma antiga língua, o latim, e significava cinza porque os povos antigos queimavam seu lixo. Admirado, o pai aceitou feliz o cinza como cor dos materiais não recicláveis. Dentro dos cestos cinza eram colocados pregos, tachinhas, guardanapos, porcelanas, cabos de panela e tudo o mais que não podia ser reaproveitado.

Daniel gostava de brincar com o nome arco-irís, mas sabia que o melhor nome para o lixão era aterro sanitário. Afinal, agora, o terreno do lixão estava sofrendo um monte de reformas para causar menos danos à natureza. A mudança que deixou o menino mais aliviado foi a colocação de um material no chão que não deixava que o Chorume e outros materiais perigosos penetrasse no chão e contaminasse as águas subterrâneas.

Mas o lixão era apenas um dos lugares da cidade de Flora do Sul que tinha sofrido um monte de mudanças. A escola, por exemplo, também se transformara. As palestras sobre coleta seletiva e outras informações para sobre o aproveitamento do lixo não aconteciam mais só nas emergências, quando da vez que pobres cães e gatos quase viraram monstros devido ao Chorume, todo mês o senhor Engenho dava várias aulas para ensinar as pessoas. A primeira coisa que ele ensinava era que todos precisavam ver o lixo de modo diferente. Em vez de pensar nele como uma coisa inútil, descartável e indesejável, as pessoas precisavam aprender a conseguir o melhor proveito dele, por exemplo, reaproveitando materiais.

 Outra novidade da escola era a feira do lixo; nela todos os alunos eram convidados a mostrar ideias criativas de como lidar com o lixo. Todos os participantes recebiam um broche no formato de latinha de lixo feito com metal reciclado pela associação de catadores. As ideias eram divididas em três grupos: aquelas para reduzir a produção de lixo, o segundo grupo era os das ideias para reutilizar coisas que normalmente iam para o lixo e por último, vinha o grupo das ideias para reciclar o lixo. Antes de aprender a palavra reciclar Daniel falava reaproveitar; era o que a empresa de seu pai fazia.

Além dos lugares, as pessoas também estavam se transformando. Todo mundo depositava o lixo, nos cestos com diferentes cores da coleta seletiva. Quem quisesse podia até procuar, mas não iria encontrar mais lixo a céu aberto. Até ir ao supermercado em Flora do Sul mudou, as pessoas levavam sacolas de pano para carregar as compras e não se usava mais as famosas sacolinhas de plástico; que se jogadas no lugar errado demoravam até cem anos para desaparecerem.

Logo, Flora do Sul ficou famosa no mundo inteiro. Tinha cidade que era famosa pelo melhor sorvete, outra pelas uvas mais roxinhas, algumas pelas coisas mais pequenas, e a cidade de Daniel ficou conhecida com a capital do lixo; aonde se produzia menos lixo e mais se reaproveitava aquele lixo que não tinha como ser evitado (afinal, é impossível para as pessoas viverem sem produzir pelo menos um pouquinho de lixo).
No meio de tantas transformações positivas, uma, Daniel não considerava nada boa: PP, seu amigo urubu tinha desaparecido! Durante várias semanas, o menino tinha dado seu assobio segredo que só os urubus escutam e nada, nem PP nem nenhum de seus parentes respondia ao chamado. Claro que PP tinha ido embora por causa das melhorias no lixão, agora não havia mais sujeira a céu aberto vindo das casas, fábricas ou hospitais e o urubu deve ter ido procurar suas fontes de comida na natureza. Era ótimo que PP agora se alimentasse de comida natural, mas ele fazia tanta falta.

A saudade imensa fazia Daniel lembrar-se do dia em que encontrou o amigo de penas. Ele e Sapeca estavam andando pelo lixão e viram um ninho sob o Sol. Ao lado de um ovo quebrado havia uma coisinha careca e depenada que fazia um enorme barulho. Depois de encontrarem a avezinha, o menino e seu cachorrinho ficaram escondidos esperando que os pais daquele estranho pássaro voltassem. O tempo foi passando, passando até que chegou de noite. Daniel foi para casa e pediu ao Sapeca que passasse a noite viagiando o filhote e não deixasse que nada lhe acontecesse. Pela manhã, o fiel cachorro estava lá e também o pássaro recém-nascido; só os pais deste é que não estavam.

Então, Daniel tomou uma decisão e levou o pássaro para casa. Sua mãe, dona Fátima, quando viu o filhote disse que aquilo era um urubu e que Daniel deveria devolvê-lo à natureza pois aqueles animais não podiam ser capturados, mantinham o ambiente limpo. Seu João Antunes se ofereceu para voltar ao ninho do filhote com o filho para devolver o pequeno urubu a seus pais. Mas se passou uma semana, na qual pai, filho e cachorro iam todo dia ao lugar, deixavam o bichinho lá e esperavam, esperavam. Por fim, o pai de Daniel percebeu que se eles não cuidassem da ave órfã, ela morreria.

Nos primeiros dias, embora não tivessem dito isso para o filho, os pais de Daniel acharam que o pássaro não iria sobreviver. Eles não sabiam direito como alimentar um urubu filhote em casa, mas o bichinho parecia mágico, comia banana, mamão, pão e qualquer outra coisa que colocavam na sua boca. Em pouco tempo eles descobriram que não seria por falta de alimento que o animal não conseguiria crescer.

Depois muita coisa aconteceu enquanto o urubuzinho era cuidado por Daniel e Sapeca. Primeiro, foi a dificuldade de escolher um nome bacana até que dona Fátina disse que aquele bicho de tão pequeno era até bonitinho para um urubu; ficou sendo PP de pequeninho, pequenino. Engraçado foi Daniel tentando ensinar PP a cantar. O menino colocava o rádio ao lado do pássaro, mas não tinha jeito, ele não cantava. Só fazia um barulho estranho. Dona Esperança, a professora de Daniel, disse que a culpa da ave não cantar não era dela: urubus não tinham uma uma tal siringe, o órgão vocal das aves. PP não cantava, mas Daniel e Sapeca se divertiam ouvindo ele crocitar, esse de acordo com a professora era o som dos urubus.

Três meses depois, o urubuzinho pequenino, pequenino transformou-se no carinhoso PP. Assim que aprendeu a voar, o urubu encontrou outros de sua espécie e passou a caçar alimentos com eles. Mas sempre respondia a um assobio o menino criou enquanto cuidava do PP órfão. O assobio foi batizado de assobio secreto que só os urubus escutam.

Tudo isso foi há quase três anos, antes do aparecimento dos bichinhos do lixo, do Chorume e todas as transformações no jeito de cuidar do lixo que melhoraram Flora do Sul e a vida de seus moradores. Agora PP tinha ido embora. O senhor Engenho disse que talvez ele tivesse ido formar sua própria família; era assim que as coisas aconteciam na natureza. Podia ser, mas Daniel e até Sapeca, sentia uma falta danada de PP.

Quando já estavam de férias da escola, quase no natal, Daniel, Cezinha e os meninos do Educandário estavam brincando com Sapeca. Depois de correr atrás do próprio rabo a coisa que o cachorrinho mais gostava era perseguir alguma bolinha arremessada para longe. Era a vez de Porfírio Pé Ligeiro jogar a bolinha de tênis. Pensando em fazer o Sapeca ir bem longe e ver a velocidade das quatro patinhas que corriam como oito, o menino mandou a bola bem alto. Ninguém viu direito para onde ela foi porque Porfírio Pé Ligeiro mandou a pelota em direção ao Sol.

Sapeca correu, correu, mas a bolinha não caiu em lugar algum. A garotada toda começou a procurar pela bolinha de tênis pensando que ela poderia ter caído numa árvore, estranho era que no meio do campinho de futebol não tinha árvore alguma! Então, Daniel ouviu aquele barulho para alguns que não passava de um grito estranho de um pássaro, mas que para ele era uma música tão bonita que fez seu coração acelerar: era PP crocitando. No pico, trazia a bolinha de tênis que soltou e Sapeca logo pegou, depois claro de dar umas belas lambidas de saudade no amigo.

Daniel abraçou seu amigo e como sempre fazia acariciou sua careca. Mas PP estava diferente: maior, tinha a cabeça e o pescoço pintados de vermelho, amarelo e laranja. Tinha a parte superior amarelo-claro e a cauda e asas pretas. PP tinha se transformado num rei, num urubu-rei. Daniel e todos os outros meninos ficaram impressionados com a beleza de PP. Depois de receber mais alguns carinhos daquele que o criara. Ele deu bicadas carinhosas e seu amigo, crocitou três vezes e voou.

Daniel sentia que era a última vez que veria seu amigo, mas agora não estava mais triste parecia que uma mágica preenchia seu coração e ele sabia que seu amigo seria sempre feliz. PP foi voando, em círculos, cada vez mais alto até que por fim desapareceu.

Trezentos anos de Daniel nascer, uma fadinha penteava os cabelos na margem de um rio enquanto segurava um espelho na mão. Olhando para o céu ela viu algo chegando, era seu amigo pássaro. Quando o animal pousou ele o saudou:

_ Que bom que voltou, meu amigo. Como é mesmo que o Daniel o chamava, PP? Eu gosto desse nome. Bem, agora que você já foi ao futuro já sabemos que nosso plano vai dar certo. O urubu crocitou concordando.

Então a fadinha disse algumas palavras mágicas e seu espelho deixou de refletir seu rosto, começou a mostrar todas as árvores e plantas que estavam por perto. Em seguida ela enterrou o objeto no chão e disse:

_ Você irá ajudá-los a se lembrar como a natureza é bela.

Próximo dali, do outro lado do rio, algumas famílias tinham acabado de construir suas casas: as primeiras de muitas que iriam formar a bela cidade de Flora do Sul.

FIM

Daniel e os bichinhos do lixo - Cortando o lixo pela raiz (Livro 4)




Daniel e Sapeca lutavam com bravura; o garoto golpeava o monstro com sua espada. O cachorrinho não fazia por menos mordendo-o o arrando-lhe bocados. Mas não adiantava, aquele dragão feito de lixo era muito mais terrível que o Chorume e toda vez que Daniel ou seu cachorro arrancavam uma das cabeças do bicho outras duas cresciam no lugar. Com vários minutos de batalha a criatura gigante feita de lixo já tem mais de cem cabeças! Então, de repente, ela avançou para engolir o menino e seu cão. Em seguida Daniel acorda com o coração disparado e o suor escorrendo pela testa. Era só um sonho, quer dizer, era de novo aquele sonho estranho que o menino vinha tendo nas últimas semanas. Achou melhor não falar para o pai ou a mãe para que eles não se assustassem; só contava para Sapeca sobre sua participação no sonho e o cachorrinho latia de felicidade.

Já fazia um ano que, graças a uma ideia de seu João Antunes, a prefeitura tinha criado associação com os moradores de Flora do Sul para que todos ganhassem dinheiro separando o lixo da produzido na cidade. Eles tinham aprendido muitas coisas. Antes, eles só separavam papel, em recipientes azuis, metal nos amarelos, plástico nos vermelhos e vidro nos verdes. Mas depois que foram atacados pelo Chorume e descobriram o perigo que era deixar restos de comida, frutas ou verduras a céu aberto no lixão, passaram a recolher esse tipo de material também; em homenagem a Sapeca que eram marrozinho tinham escolhido o marrom para guardar o lixo que estragava.

Mas as coisas não estavam fáceis para seu João Antunes e membros da associação. Uma nova empresa tinha vindo de uma cidade vizinha e se oferecido para separar o lixo de Flora do Sul. O dono dessa empresa disse ao prefeito que cobraria mais barato pelo serviço que a associação de moradores e, por causa disse, a prefeitura ganharia mais dinheiro. Além disso, esse empresa tinha máquinas mais modernas que o pessoal da associação e, por isso, faria todo o serviço de forma mais rápida. O prefeito de Flora do Sul era muito agradecido ao pai de Daniel pelas coisas boas que ele tinha feito pela cidade, mas dizia que ele precisava melhorar o serviço porque a cidade crescera muito e a associação não estava dando conta de separar todo o lixo. Se nada fose feito, o lixão voltaria a aumentar de tamanho e mais terrenos da cidade seriam teriam de ser usados para guardar lixo.

Certa noite, seu João Antunes chegou em casa cansado, beijou dona Fátima, mãe de Daniel, e disse:

_ Está difícil, as pessoas produzem mais lixo que conseguimos separar!

Depois de pegar no sono, Daniel voltou a ter o mesmo sonho com o monstro de lixo que quanto mais era cortado, mais crescia. Só que pela manhã, quando acordou não estava assustado, pelo contrário, ele estava feliz pois tinha descoberto como ajudar seu pai e os catadores. Ele entendeu que o lixo produzido pelas pessoas de Flora do Sul era como o monstro de seu sonho, não parava de crescer nunca! Só que, ao contrário do dragão de lixo, havia uma forma de vencer o problema do lixo na cidade: ensinar as pessoas a não produzir tanto!

Com ajuda de sua professora, dona Esperança e do seu amigo, o senhor Engenho, Daniel convocou as pessoas de Flora do Sul para palestras em sua escola; como era muita gente, era preciso fazer palestras a semana inteira. Por sorte, era o mês de férias e ninguém precisou perder aulas. PP ajudou bastante na divulgação. Todo mundo queria saber quem eram aqueles urubus ensinados que voavam carregando faixas convidando todos às palestras da escola. Eram o amigo voador de Daniel e sua família de urubus.

Graças ao que tinha aprendido e à ajuda de dona Esperança e o senhor Engenho, Daniel falava para a pessoas dos perigos do lixo que não era tratado de forma correta. O menino falava da poluição que poderia ocorrer nas águas, no solo e até mesmo no ar puríssimo de Flora do Sul. Além desses problemas imediatos, Daniel alertava a todos sobre os vários tipos de materiais que se jogados em qualquer lugar iriam poluir o mundo para as pessoas que ainda nem tinham nascido. “Já imaginaram” dizia ele “daqui a mil anos as crianças do futuro estarão sofrendo por causa das latinhas de refrigerante que jogamos fora hoje?” As pessoas também ficaram admiradas ao descobrirem o enorme tempo que materiais como plástico, pneus e vidro demoravam para se desfazerem quando jogados nos locais não corretos.

Como o garoto queria que as pessoas realmente acreditassem na importância do que estava falando, ele explicava que o lixo não cuidado também acabava com a natureza de outra forma. Toda vez que papel era jogado fora, novas árvores tinham de morrer. Se o material desperdiçado era o plástico, mais petróleo tinha de ser retirado das profundezas da terra para repô-lo. Já o vidro, Daniel tinha aprendido isso há um ano, na época do Chorume, acabava com a areia para ser produzido. Todo dia, durante aquela semana inteira, Daniel era muito aplaudido quando acaba suas explicações; todos estavam muito admirados que um garoto tão pequeno soubesse tanto! Na verdade, só algumas pessoas sabiam que tudo aquilo era graças à curiosidade do menino que não acabava nunca.

Nas semanas que se seguiram às palestras na escola, seu João Antunes e associação de moradores catadores de lixo, espalharam por toda cidade cestos especiais para a coleta de lixo. A ideia era chamada de coleta seletiva, quer dizer, cada tipo de lixo era posto em seu cesto correto. Tudo do mesmo jeito que Daniel tinha inventado quando encontrou os bichinhos do lixo pela primeira vez. Para ajudar as pessoas a aprenderem sobre a coleta seletiva, o pessoal do seu João Antunes sempre deixava uma placa com explicações ao lado dos tambores especiais.

Cezinha, e os outros meninos da turma do Educandário ajudaram Daniel a distribuir por toda Flora do Sul, folhetos explicativos sobre a importância e vantagens da coleta seletiva. Claro que os folhetos eram feitos de papel reaproveitado pela associação de catadores!

Graças ao sonho de Daniel e as ideias que vieram dele, seu João Antunes e a associação estavam dando conta do lixo produzido em Flora do Azul. Também, agora quase tudo já chegava separadinho; só era preciso ir até às cestos coloridos de coleta seletiva e recolher o material. Agora, o lixo vindo do resto de comida não sujava mais os outros tipos de material como papel e papelão, plástico, vidro e metal. Enquanto esses eram reaproveitados, o lixo que estragava era guardado em locais especiais e transformado em adubo: um material valioso vendido pela associação para os fazendeiros e sitiantes de Flora do Sul usarem em suas plantações. Quer dizer, o lixo vindo das coisas que estragavam ainda tinha substâncias que faziam as plantações crescerem fortes e nutritivas; por isso, o adubo podia ser vendido.

Daniel pensava admirado “nossa quanta coisa do lixo dá para ser reaproveitada, não importa se é resto de comida ou papel, plástico, vidro ou metal!”

  Daniel e seus amigos toda semana distribuiam um novo folheto explicativo sobre o lixo; sempre com papel reaproveitado. Quem escrevia o material sempre com novas informações era o senhor Engenho, que não se cansava nunca de coisas novas e dividir suas descobertas com os outros.

Fui num dia desses, distribuindo folhetos que Daniel e Sapeca descobriram algo ruim: muitas pessoas não estavam usando a coleta seletiva. Elas queriam manter seus velhos hábitos e jogavam sacos contendo lixo nas calçadas ou terrenos baldios próximos à suas casas; algumas nem usavam sacos, atiravam tudo no primeiro rio ou córrego que viam! Com a ajuda de Cezinha e os meninos do Educandário, Daniel descobriu que aquilo estava acontecendo em vários bairros, por toda Flora do Sul.

Alarmado, o filho de seu Antunes contou tudo ao senhor Engenho que acabou telefonando para o prefeito. Ficou decidido que novas palestras sobre a coleta seletiva seriam dadas nas escolas de todos os bairros da cidade.

Agora, Daniel não poderia ajudar muito porque suas aulas tinham recomeçado. Mas sempre que tinha uma folga, com Cezinha e os meninos do Educandário entregava os folhetos sobre coleta seletiva. Num desses dias, quando estavam distribuindo folhetos no bairro Jardim da Mata, Daniel e Cezinha tomaram um susto: Porfírio Pé Ligeiro veio correndo na direção dos dois gritando socorro. Depois de se acalmar, Porfírio disse que uns bichos muito estranhos correram atrás dele quando ele passava perto de um terreno baldio.

Sendo o menino mais curioso do mundo, Daniel não teve dúvida e foi investigar. Quando chegou ao terreno baldio indicado por Porfírio Pé Ligeiro, Sapeca começou a latir desesperado e entrou correndo no meio do mato cheio de resto de lixo jogado pelos moradores do bairro. De repente ouviu-se um “caim, caim”. Alguma coisa tinha atacado o cachorrinho de Daniel que voltou correndo para o colo do dono. Com um pedaço de pau na mão Cezinha avançou no mato e tomou um baita susto: três cachorrinhos vira-latas, iguais a Sapeca, e dois gatos estavam revirando sacos de lixo. O problema era que o pelo deles, assim como os olhos, brilhavam em várias cores diferentes; ao lado dos restos de lixo que comiam escorria um líquido preto e mal cheiroso, o Chorume.

Com dó dos pobres bichinos Cezinha não os atacou e todos foram correndo avisar o senhor Engenho.

Depois de uma reunião de emergência com o pai de Daniel e o senhor Engenho, o prefeito de Flora do Sul tomou várias decisões importantes. Ao departamento de saúde animal da cidade foi ordenado que os cães e gatos transformados pelos pequenos Chorumes de saco de lixo fossem capturados.

Os próximos dias foram bem complicados, não era fácil pegar todos os cães e gatos que tinham sido transformados pelo Chorume dos sacos de lixo abandonados. Além disso, naqueles dias, choveu bastante em Flora do Sul e por causa do lixo jogado nas ruas os bueiros entopiram e houve enchentes em vários bairros.

Felizmente, tudo acabou dando certo. Ninguém se machucou nas enchentes e, os bichinhos transformados, foram alimentados com comida normal, vacinados e quando o efeito do Chorume passou, eles foram devolvidos aos donos. Em parceria com a prefeitura, mais uma vez com apoio do seu João Antunes, a associação recebeu novas unidades de cestos para coleta seletiva.

Por último, o senhor Engenho deu várias palestras nos bairros onde as pessoas mais jogavam lixo no lugar errado. Com essas informações e com o susto de ver seus bichinhos transformado em perigosas criaturas coloridas e enchentes, elas descobriram a importância de tratar o lixo de forma correta.

Em poucos dias tudo estava resolvido, ou melhor quase tudo, havia um problema muito sério: Sapeca. Depois que sua patinha direita foi mordida ele foi adoencendo, adoecendo até que, por fim, ficou muito fraquinho. Pedro, o veterinário, fez tudo o que sabia e disse que todos tinha que torcer para que o pobre cachorrinho se recuperasse. Durante três semanas, todos os dias, vários amigos de Daniel vinham visitar Sapeca: Cezinha e a turma do Educandário; a professora dona Esperança e os meninos da sala de Daniel, os catadores da associação, o prefeito, o senhor Engenho e até, veja só, os moradores do Bairro Jardim da Mata onde os cachorrinhos e gatos transformados foram vistos pela primeira vez.

Daniel ficou muito triste e fazia tudo o que podia para fazer Sapeca melhorar, mas o cachorrinho continuava dormindo em sono profundo.

Então, numa noite Daniel acordou e viu que estava cercado por vários cachorros e gatos de pelos e olhos coloridos latindo e miando ameaçadoramente para ele. Pensou em gritar para os pais, mas não conseguiu. Para piorar tudo, o Chorume estava subindo por sua perna e ele começou a tossir sentido o seu terrível gás sufocante. Sem conseguir reagir, o Chorume foi subindo até que cobriu o rosto de Daniel e ele começou a sentir seu rosto molhado, molhado tão molhado que parecia que alguém estava lavando ele. Mas Daniel não estava sendo lavado, estava sendo lambido! O Sol estava surgindo no horizonte e com ele, Sapeca tinha acordado Daniel de seu sonho com inúmeras labidas de carinho. O vira-lata mais esperto e curioso de Flora do Sul estava de volta!

FIM

Daniel e os bichinhos do lixo - A origem dos bichinhos do lixo (Livro 3)




Fazia dois meses que os bichinhos do lixo tinham ido embora e Daniel estava muito feliz. A separação do lixo em cestos de vime ajudou seu pai a começar a resolver o problema do lixão, trabalho que o prefeito tinha lhe encomendado. Por causa de Daniel e Sapeca boa parte daquilo que era jogado no lixão podia ser reaproveitado.

Daniel e Sapeca continuavam indo todos os dias para a escola. Claro que o cachorrinho esperava pelo dono do lado de fora da sala de aula. Mas não era só o pai dele que estava feliz, a curiosidade de Daniel começou a ser alimentada por aulas muito interessantes onde ele aprendia sobre aquilo que seu pai estava trabalhando, o lixo.

Daniel descobriu, por exemplo, que o papel era feito de árvores e que toda vez que o papel retirado do lixo e guardado nos cestos azuis era reaproveitado várias delas deixavam de ser cortadas. Mil quilos de papel de lixo poupavam a vida de até vinte árvores!

Outros tipos de lixo se reaproveitados também economizam recursos da natureza. O vidro guardado nos cestos verdes diminuia o uso de areia, matéria-prima para aquele material. Já o lixo dos cestos vermelhos, o plástico, reduzia a necessidade de petróleo, outro recurso natural que uma vez usado, ia acabando.
 Nos momentos que não estava estudando Daniel explorava o lixão tentando reencontrar os coloridos bichinhos do lixo, mas não os encontrava. Seu João Antunes e seus funcionários também não avistaram mais as criaturinhas comedoras de detritos.

Enquanto satisfazia sua curiosidade, o prefeito contratava mais pessoas para ajudar o pai de Daniel na separação do lixo. Mas tinha algo que atrapalhava o serviço de aproveitar o lixo: os restos de comida, de frutas, de legumes, de folhas, as migalhas de pão, os gravetos e um monte de outros materiais vindos das casas das pessoas.

Diferente do plástico, papel, vidro e metal, o lixo vindo as casas apodrecia, ficava estragado. E quando isso acontecia, acabava estragando também o lixo que podia ser reaproveitado e trazia dinheiro para a cidade de Flora do Sul. Era uma pena, mas no lixão, boa parte de tudo que chegava das casas era esse material que apodrecia e não, aquilo que podia ser reaproveitado.

Enquanto os adultos tinham suas dificuldades para separar o lixo, Daniel descobriu outro problema grave causado pelo lixo que apodrecia. Antes, com os bichinhos do lixo, as águas ficavam polúidas com diferentes cores todas vezes que eles bebiam. Agora, outra coisa estranha começou a acontecer: um misterioso líquido negro e mal cheiroso começou a poluir os rios e lagoas próximos ao lixão. Nem Daniel nem seu pai sabiam de onde vinha aquele líquido; era hora de pedir ajuda.

Daniel pediu emprestado o celular do pai e ligou para o amigo, o senhor Engenho. Ele tinha passado os últimos meses tentando sem sucesso descobrir a origem dos bichinhos do lixo. Depois de cumprimentar o pequeno amigo que já não via há algum tempo, o senhor Engenho disse a Daniel que estava viajando e demoraria ainda a voltar. Quando ouviu do menino sobre o líquido negro o estudioso senhor Engenho disse para que ele tivesse cuidado: poderia ser o terrível Chorume.

O senhor Engenho nunca tinha visto o Chorume, parecia que o monstro era só uma lenda, mas as pessoas acreditavam que ele era um líquido negro que surgia em locais onde tinha lixo. Como ele aparecia ninguém sabia, mas o senhor Engenho pediu ao garoto para que avisasse ao pai e os outros funcionários da prefeitura para tomarem cuidado porque se o líquido fosse o Chorume, todos corriam perigo.

As águas continuassem ficando escuras e mal cheirosas ninguém conseguia achar a origem do problema. Um dia Daniel deu o seu assobio secreto que só os urubus escutam e seu amigo, o urubu PP, veio voando lá do alto do céu. Após fazer muito carinho na careca de seu amigo PP, Daniel pediu a ave que voasse pelo enorme lixão procurando qualquer líquido preto que encontrasse; ele e Sapeca sairiam procurando a pé.

Os dias foram passando e mesmo com a ajuda de PP, Daniel não achava de onde vinha o líquido negro. Numa manhã antes da escola, ele e Sapeca saíram para continuar a busca. Quando já era quase hora de se arrumar para a aula, o cachorrinho começou a cavar e latir sem parar. Logo, surgiu do chão um espelho! Claro que o vidro estava todo sujo e não dava para se ver refletido nele. Mas dava para saber que aquele não era um espelho igual aos que sua mãe tinha em casa; o que Daniel achou parecia ser muito, muito antigo.

Para não se atrasar para a escola, Daniel decidiu que ia mostrar mais tarde o achado de Sapeca para o pai. Aproveitando a aula sobre cuidados sobre o lixo, ele perguntou à professora se era possível que uma coisa de vidro ficasse enterrada por muito tempo sem se desfazer. Aí veio a surpresa: o vidro poderia ficar milhares de anos enterrado sem se estragar! A professora aproveitou para dizer que o vidro não era o único problema, um simples ciclete jogado na terra por descuido poderia demorar cinco anos para se sumir!

Aquelas informações deixaram Daniel espantado porque ele sempre achou que as coisas encontradas no lixão tinham sido jogadas lá há pouco tempo. Na verdade, muitas coisas poderiam ficar poluindo o ambiente por anos! O espelho que que ele encontrou era um exemplo de coisa antiga; talvez tivesse sido enterrado até pelos homens da caverna!

Quando estava voltando para casa, Daniel descobriu que aquele seria um dia de boas surpresas, PP voava em círculos sobre ele e Sapeca; o urubu queria que o menino o seguisse. Correndo atrás de seu amigo voador Daniel chegou a uma parte do lixão cheia de restos de alimentos estragando; o cheiro era horrível, mas PP parecia muito contente com aquele perfume.

Então, Daniel viu que aonde os restos de comida já estavam bastante estragados, acumulava-se um líquido negro e mal cheiroso. PP tinha descoberto a origem da contaminação dos rios! O terrível líquido aparecia por causa do apodrecimento dos restos de carne, frutas, outras comidas e folhas. Assim que ia aparecendo o líquido ia escorrendo pela terra, um pouco entrava pelo chão enquanto outra parte corria até o rio mais próximo, poluindo-o.

Como todo mundo sabe, onde tem comida estrada tem moscas e outros bichinho voando e ali também tinha. Mas, o incrível era quando uma mosca, vagalume ou borboleta caia sobre o líquido preto, sofria uma incrível transformação: virava um daqueles incríveis bichinhos coloridos comedores de lixo!

Após se transformar, o bichinho colorido voava, voava sobre o lixo e, acaba caindo para voltar a ser só uma mosquinha, vagalume ou borboleta. Daniel entendeu todo o mistério: os restos de comida apodrecida, produzinham o líquido negro e este produzinha os bichinhos coloridos do lixo. Como agora, o pai de Daniel e seus funcionários tinham separado todo papelão, plástico, metal e vidro, os bichinhos coloridos não tinham o que comer e perdiam a transformação que o líquido negro tinha produzido neles!

“Nossa” – pensou Daniel – “quanta coisa só por causa dos alimentos estragados”.

_ Vamos, Sapeca. Temos de contar para o papai sobre o perigo do lixo que estraga.

Assim que o menino e seu cachorrinho saíram correndo do local cheio de resto de comida estragando, o líquido preto começou a borbulhar. O Chorume tinha ouvido Daniel e não podia deixar que ele e as outras pessoas acabassem com os restos de lixo que o alimentavam. Mergulhando por baixo da terra do lixão o líquido negro partiu a toda velocidade para se vingar dos humanos.

Como pegou carona num rio subterrâneo que corria sobre o lixão, o Chorume chegou no lugar em que seu João Antunes e outros estavam antes de Daniel. Sem aviso, o líquido negro mal cheiroso começou a borbulhar do chão e foi cercando os pobres trabalhadores; o monstro não deixaria ninguém atrapalhá-lo.

_ Olhem, o quê é isso? – gritou um dos catadores funcionários da prefeitura. Quando seu João Antunes e os outros olharam eles estavam cercados pelo líquido negro que se aproximava perigosamente deles; o Chorume iria cobri-los com seus gases tóxicos, sufocando a todos!

Então, Daniel e Sapeca chegaram. Ao ver o pai e seus amigos cercados pelo ameaçador Chorume, o garoto começou a gritar por socorro. Mas, infelizmente, não tinha ninguém ali. O Chorume já tinha alcançado os pés de seu João Antunes e os outros, mas por enquanto os homens resistiam pois usavam botas, luvas e outros equipamentos de proteção para mexerem no lixo; eles só não conseguiriam lutar contra o gás do Chorume quando o líquido preto tivesse subido neles e alcançado seus narizes. Alguns dos homens já começava a tossir sentido o maligno gás produzido pelo monstro.

Deseperado, Daniel jogou a mochila da escola no chão, caiu sentado e começou a chorar; o espelho que estava na bolsa caiu ao lado do menino. A pobre Sapeca sem saber como ajudar o dono, começou a fazer o que sempre fazia quando estava feliz ou nervosa: correr atrás do próprio rabo.

Cercados pelo Chorume os homens gritavam desesperados e Daniel chorava ainda mais, suas lágrimas eram tantas que começaram a inundar o vidro do espelho antigo. Então, Sapeca parou de realizar a impossível tarefa de pegar a própria cauda e começou, primeiro, a latir para o espelho e depois, a lambê-lo. Daniel percebeu algo incrível no espelho: enquanto Sapeca o lambia ele não refletia a imagem do cachorrinho, mas mostrava uma bela e verdejante paisagem cheia de árvores. Sem acreditar, o menino apanhou o espelho e olhou diretamente nele; continuava não refletindo quem estava de frente para ele, só mostrava uma paisagem. Assustado, Daniel jogou o espelho para o lado. Quando o vidro do espelho ficou de frente para um monte de lixo, imediatamente, ramos começaram a surgir onde antes só havia coisa suja!

O cérebro de Daniel começou a fervilhar e ele teve uma grande ideia: apanhou o espelho e jogou-o sobre o Chorume que já subia acima da cintura de seu pai. De repente o líquido negro fedido começou a rugir de um jeito assustador. No momento seguinte, um lado daquele rio de substância negra que era o monstro começou a se transformar em ramos e flores enquanto a outra parte tentava voltar para o chão fugindo; mas não deu, a transformação feita pelo espelho foi tão rápida que todo o Chorume virou planta antes de conseguir fugir. O senhor João Antunes e outros funcionários da prefeitura estavam salvos! 

 Passados a tosse e o susto do pai, Daniel contou-lhe que o Chorume vinha do resto de alimentos e outros lixos domésticos. Falou também que foi graças ao Chorume que os bichinhos coloridos que se alimentavam de lixo tinham surgido. O pai disse a Daniel que se tinham acabado com as criaturinhas coloridas separando os diferentes tipos de lixo também começariam a separar os restos de alimentos para evitar que um novo monstro Chorume fosse criado. Seu João Antunes também quis saber sobre o incrível espelho mágico que o tinha salvo, mas ninguém foi capaz de encontrá-los em meio ao jardim que tinha surgido no lugar que antes era o Chorume. O mais velho dos catadores de lixo disse que quando chegou ali ainda criança, há muitos anos, o lugar que hoje era o lixão tinha os mesmos tipos de plantas que o espelho criou.

Uma semana depois, o senhor Engenho voltou de suas palestras sobre cuidados com o lixo nas cidades da região. Já o prefeito de Flora do Sul ficou muito satisfeito com seu João Antunes e seus outros funcionários. Graças ao trabalho deles, menos árvores tiveram de ser cortadas na região; claro, os rios e lagoas também voltaram a ter sua aparência saudável. Outra coisa boa do trabalho deles foi que o lixão parou de aumentar de tamanho porque agora parte do lixo não ficava mais ali, era reaproveitado.

Já Daniel e Sapeca foram convidados pelo senhor Engenho para ajudá-lo em suas palestras sobre o lixo para as pessoas da região; afinal, aquela dupla sabia das coisas.

FIM