Daniel e Sapeca
lutavam com bravura; o garoto golpeava o monstro com sua espada. O cachorrinho
não fazia por menos mordendo-o o arrando-lhe bocados. Mas não adiantava, aquele
dragão feito de lixo era muito mais terrível que o Chorume e toda vez que
Daniel ou seu cachorro arrancavam uma das cabeças do bicho outras duas cresciam
no lugar. Com vários minutos de batalha a criatura gigante feita de lixo já tem
mais de cem cabeças! Então, de repente, ela avançou para engolir o menino e seu
cão. Em seguida Daniel acorda com o coração disparado e o suor escorrendo pela
testa. Era só um sonho, quer dizer, era de novo aquele sonho estranho que o
menino vinha tendo nas últimas semanas. Achou melhor não falar para o pai ou a
mãe para que eles não se assustassem; só contava para Sapeca sobre sua
participação no sonho e o cachorrinho latia de felicidade.
Já fazia um ano
que, graças a uma ideia de seu João Antunes, a prefeitura tinha criado
associação com os moradores de Flora do Sul para que todos ganhassem dinheiro
separando o lixo da produzido na cidade. Eles tinham aprendido muitas coisas.
Antes, eles só separavam papel, em recipientes azuis, metal nos amarelos,
plástico nos vermelhos e vidro nos verdes. Mas depois que foram atacados pelo
Chorume e descobriram o perigo que era deixar restos de comida, frutas ou
verduras a céu aberto no lixão, passaram a recolher esse tipo de material
também; em homenagem a Sapeca que eram marrozinho tinham escolhido o marrom
para guardar o lixo que estragava.
Mas as coisas não
estavam fáceis para seu João Antunes e membros da associação. Uma nova empresa
tinha vindo de uma cidade vizinha e se oferecido para separar o lixo de Flora
do Sul. O dono dessa empresa disse ao prefeito que cobraria mais barato pelo
serviço que a associação de moradores e, por causa disse, a prefeitura ganharia
mais dinheiro. Além disso, esse empresa tinha máquinas mais modernas que o
pessoal da associação e, por isso, faria todo o serviço de forma mais rápida. O
prefeito de Flora do Sul era muito agradecido ao pai de Daniel pelas coisas
boas que ele tinha feito pela cidade, mas dizia que ele precisava melhorar o
serviço porque a cidade crescera muito e a associação não estava dando conta de
separar todo o lixo. Se nada fose feito, o lixão voltaria a aumentar de tamanho
e mais terrenos da cidade seriam teriam de ser usados para guardar lixo.
Certa noite, seu
João Antunes chegou em casa cansado, beijou dona Fátima, mãe de Daniel, e
disse:
_ Está difícil, as
pessoas produzem mais lixo que conseguimos separar!
Depois de pegar no
sono, Daniel voltou a ter o mesmo sonho com o monstro de lixo que quanto mais
era cortado, mais crescia. Só que pela manhã, quando acordou não estava
assustado, pelo contrário, ele estava feliz pois tinha descoberto como ajudar
seu pai e os catadores. Ele entendeu que o lixo produzido pelas pessoas de Flora
do Sul era como o monstro de seu sonho, não parava de crescer nunca! Só que, ao
contrário do dragão de lixo, havia uma forma de vencer o problema do lixo na
cidade: ensinar as pessoas a não produzir tanto!
Com ajuda de sua
professora, dona Esperança e do seu amigo, o senhor Engenho, Daniel convocou as
pessoas de Flora do Sul para palestras em sua escola; como era muita gente, era
preciso fazer palestras a semana inteira. Por sorte, era o mês de férias e
ninguém precisou perder aulas. PP ajudou bastante na divulgação. Todo mundo
queria saber quem eram aqueles urubus ensinados que voavam carregando faixas
convidando todos às palestras da escola. Eram o amigo voador de Daniel e sua
família de urubus.
Graças ao que
tinha aprendido e à ajuda de dona Esperança e o senhor Engenho, Daniel falava
para a pessoas dos perigos do lixo que não era tratado de forma correta. O
menino falava da poluição que poderia ocorrer nas águas, no solo e até mesmo no
ar puríssimo de Flora do Sul. Além desses problemas imediatos, Daniel alertava
a todos sobre os vários tipos de materiais que se jogados em qualquer lugar
iriam poluir o mundo para as pessoas que ainda nem tinham nascido. “Já imaginaram”
dizia ele “daqui a mil anos as crianças do futuro estarão sofrendo por causa
das latinhas de refrigerante que jogamos fora hoje?” As pessoas também ficaram
admiradas ao descobrirem o enorme tempo que materiais como plástico, pneus e
vidro demoravam para se desfazerem quando jogados nos locais não corretos.
Como o garoto
queria que as pessoas realmente acreditassem na importância do que estava
falando, ele explicava que o lixo não cuidado também acabava com a natureza de
outra forma. Toda vez que papel era jogado fora, novas árvores tinham de
morrer. Se o material desperdiçado era o plástico, mais petróleo tinha de ser
retirado das profundezas da terra para repô-lo. Já o vidro, Daniel tinha
aprendido isso há um ano, na época do Chorume, acabava com a areia para ser
produzido. Todo dia, durante aquela semana inteira, Daniel era muito aplaudido
quando acaba suas explicações; todos estavam muito admirados que um garoto tão
pequeno soubesse tanto! Na verdade, só algumas pessoas sabiam que tudo aquilo
era graças à curiosidade do menino que não acabava nunca.
Nas semanas que se
seguiram às palestras na escola, seu João Antunes e associação de moradores catadores
de lixo, espalharam por toda cidade cestos especiais para a coleta de lixo. A
ideia era chamada de coleta seletiva, quer dizer, cada tipo de lixo era posto
em seu cesto correto. Tudo do mesmo jeito que Daniel tinha inventado quando
encontrou os bichinhos do lixo pela primeira vez. Para ajudar as pessoas a
aprenderem sobre a coleta seletiva, o pessoal do seu João Antunes sempre
deixava uma placa com explicações ao lado dos tambores especiais.
Cezinha, e os outros meninos da turma do Educandário ajudaram Daniel a distribuir por toda Flora do Sul, folhetos explicativos sobre a importância e vantagens da coleta seletiva. Claro que os folhetos eram feitos de papel reaproveitado pela associação de catadores!
Graças ao sonho de
Daniel e as ideias que vieram dele, seu João Antunes e a associação estavam
dando conta do lixo produzido em Flora do Azul. Também, agora quase tudo já
chegava separadinho; só era preciso ir até às cestos coloridos de coleta
seletiva e recolher o material. Agora, o lixo vindo do resto de comida não
sujava mais os outros tipos de material como papel e papelão, plástico, vidro e
metal. Enquanto esses eram reaproveitados, o lixo que estragava era guardado em
locais especiais e transformado em adubo: um material valioso vendido pela
associação para os fazendeiros e sitiantes de Flora do Sul usarem em suas plantações.
Quer dizer, o lixo vindo das coisas que estragavam ainda tinha substâncias que
faziam as plantações crescerem fortes e nutritivas; por isso, o adubo podia ser
vendido.
Daniel pensava
admirado “nossa quanta coisa do lixo dá para ser reaproveitada, não importa se
é resto de comida ou papel, plástico, vidro ou metal!”
Daniel e seus amigos toda semana distribuiam
um novo folheto explicativo sobre o lixo; sempre com papel reaproveitado. Quem
escrevia o material sempre com novas informações era o senhor Engenho, que não
se cansava nunca de coisas novas e dividir suas descobertas com os outros.
Fui num dia
desses, distribuindo folhetos que Daniel e Sapeca descobriram algo ruim: muitas
pessoas não estavam usando a coleta seletiva. Elas queriam manter seus velhos
hábitos e jogavam sacos contendo lixo nas calçadas ou terrenos baldios próximos
à suas casas; algumas nem usavam sacos, atiravam tudo no primeiro rio ou
córrego que viam! Com a ajuda de Cezinha e os meninos do Educandário, Daniel
descobriu que aquilo estava acontecendo em vários bairros, por toda Flora do
Sul.
Alarmado, o filho
de seu Antunes contou tudo ao senhor Engenho que acabou telefonando para o
prefeito. Ficou decidido que novas palestras sobre a coleta seletiva seriam
dadas nas escolas de todos os bairros da cidade.
Agora, Daniel não
poderia ajudar muito porque suas aulas tinham recomeçado. Mas sempre que tinha
uma folga, com Cezinha e os meninos do Educandário entregava os folhetos sobre
coleta seletiva. Num desses dias, quando estavam distribuindo folhetos no
bairro Jardim da Mata, Daniel e Cezinha tomaram um susto: Porfírio Pé Ligeiro
veio correndo na direção dos dois gritando socorro. Depois de se acalmar,
Porfírio disse que uns bichos muito estranhos correram atrás dele quando ele
passava perto de um terreno baldio.
Sendo o menino
mais curioso do mundo, Daniel não teve dúvida e foi investigar. Quando chegou
ao terreno baldio indicado por Porfírio Pé Ligeiro, Sapeca começou a latir
desesperado e entrou correndo no meio do mato cheio de resto de lixo jogado
pelos moradores do bairro. De repente ouviu-se um “caim, caim”. Alguma coisa
tinha atacado o cachorrinho de Daniel que voltou correndo para o colo do dono.
Com um pedaço de pau na mão Cezinha avançou no mato e tomou um baita susto:
três cachorrinhos vira-latas, iguais a Sapeca, e dois gatos estavam revirando
sacos de lixo. O problema era que o pelo deles, assim como os olhos, brilhavam
em várias cores diferentes; ao lado dos restos de lixo que comiam escorria um
líquido preto e mal cheiroso, o Chorume.
Com dó dos pobres
bichinos Cezinha não os atacou e todos foram correndo avisar o senhor Engenho.
Depois de uma
reunião de emergência com o pai de Daniel e o senhor Engenho, o prefeito de
Flora do Sul tomou várias decisões importantes. Ao departamento de saúde animal
da cidade foi ordenado que os cães e gatos transformados pelos pequenos
Chorumes de saco de lixo fossem capturados.
Os próximos dias
foram bem complicados, não era fácil pegar todos os cães e gatos que tinham
sido transformados pelo Chorume dos sacos de lixo abandonados. Além disso,
naqueles dias, choveu bastante em Flora do Sul e por causa do lixo jogado nas
ruas os bueiros entopiram e houve enchentes em vários bairros.
Felizmente, tudo
acabou dando certo. Ninguém se machucou nas enchentes e, os bichinhos
transformados, foram alimentados com comida normal, vacinados e quando o efeito
do Chorume passou, eles foram devolvidos aos donos. Em parceria com a
prefeitura, mais uma vez com apoio do seu João Antunes, a associação recebeu novas
unidades de cestos para coleta seletiva.
Por último, o
senhor Engenho deu várias palestras nos bairros onde as pessoas mais jogavam
lixo no lugar errado. Com essas informações e com o susto de ver seus bichinhos
transformado em perigosas criaturas coloridas e enchentes, elas descobriram a
importância de tratar o lixo de forma correta.
Em poucos dias
tudo estava resolvido, ou melhor quase tudo, havia um problema muito sério:
Sapeca. Depois que sua patinha direita foi mordida ele foi adoencendo,
adoecendo até que, por fim, ficou muito fraquinho. Pedro, o veterinário, fez
tudo o que sabia e disse que todos tinha que torcer para que o pobre
cachorrinho se recuperasse. Durante três semanas, todos os dias, vários amigos
de Daniel vinham visitar Sapeca: Cezinha e a turma do Educandário; a professora
dona Esperança e os meninos da sala de Daniel, os catadores da associação, o
prefeito, o senhor Engenho e até, veja só, os moradores do Bairro Jardim da
Mata onde os cachorrinhos e gatos transformados foram vistos pela primeira vez.
Daniel ficou muito
triste e fazia tudo o que podia para fazer Sapeca melhorar, mas o cachorrinho
continuava dormindo em sono profundo.
Então, numa noite
Daniel acordou e viu que estava cercado por vários cachorros e gatos de pelos e
olhos coloridos latindo e miando ameaçadoramente para ele. Pensou em gritar
para os pais, mas não conseguiu. Para piorar tudo, o Chorume estava subindo por
sua perna e ele começou a tossir sentido o seu terrível gás sufocante. Sem
conseguir reagir, o Chorume foi subindo até que cobriu o rosto de Daniel e ele
começou a sentir seu rosto molhado, molhado tão molhado que parecia que alguém
estava lavando ele. Mas Daniel não estava sendo lavado, estava sendo lambido! O
Sol estava surgindo no horizonte e com ele, Sapeca tinha acordado Daniel de seu
sonho com inúmeras labidas de carinho. O vira-lata mais esperto e curioso de
Flora do Sul estava de volta!
FIM
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