sexta-feira, 22 de março de 2013

Daniel e os bichinhos do lixo - O lixo se transforma (Livro 5)



O velho lixão de Flora do Sul ia mudar de nome, aliás, passaria a ter um não tão fácil assim: aterro sanitário. Depois de quase três anos trabalhando ali, seu João Antunes e a associação de catadores tinham mudado a paisagem do antigo lixão: não havia mais restos de alimentos ou qualquer outro tipo de lixo jogado a céu aberto. Daniel achava que no lugar de aterro sanitário o lixão poderia começar a ser chamado de arco-íris, afinal, tudo era guardado num cesto com a cor certa.

O menino tinha certeza que se Sapeca soubesse falar até ele teria a cor de cada cesto na ponta da língua, como sua professora dona Esperança costumava dizer que deveria acontecer com a tabuada: tê-la na ponta da língua.

_ Vamos lá, Sapeca – ele dizia brincando. Papel?

_ Au, au – respondia o cachorrinho.

_ Azul, isso mesmo! – confirma Daniel rindo. Plástico?

_ Auuuuuu.

_ Isso vermelho!

Para cada pergunta do dono, Sapeca respondia com um gostoso au, au. Teve latido para verde dos vidros, preto dos cestos para depositar madeira, amarelo para metal e marrom para o resto de alimentos. O menino achava que seu cachorro estava tão afiado que até perguntou brincando sobre as cores usadas para guardar lixo vindo de hospitais, fábricas e para lixos que não podiam ser reaproveitados. Os latidos na ordem que Daniel perguntou seriam branco, laranja e cinza.  

É, o lixão tinha se transformado mesmo num arco-íris. A parceria entre a prefeitura e a associação de moradores tinha crescido tanto que depois de algum tempo os hospitais vieram pedir para que eles coletassem seu lixo. Bem, lixo de hospital não podia ser guardado junto a papel, plástico, metal, madeira ou vidro. Por isso, Daniel sugeriu que se usassem cestos brancos iguais aos jalecos dos médicos.

Após os hospitais, foi a vez das fábricas, essas importantes empresas usavam produtos que se fossem jogados a céu aberto contaminariam a natureza. Para esse tipo de lixo foi criada uma cor especial, o laranja, cor surgida da mistura do vermelho dos plásticos e do amarelo dos metais.

De tanto trabalhar com lixo, o pai de Daniel aprendeu que tinha alguns tipos de materiais que não podia ser reaproveitados e por isso precisavam ser adequadamente guardados para não contaminar a água, o solo ou o ar. Esse tipo de lixo era depositado em cestos de cor cinza. Quando seu João Antunes perguntou ao filho o porquê daquela cor para o lixo que não podia ser reaproveitado, Daniel deu uma explicação que mostrava que ele estava cada vez mais esperto. Sua professora, dona Esperança, tinha lhe ensinado que a palavra lixo derivava de uma antiga língua, o latim, e significava cinza porque os povos antigos queimavam seu lixo. Admirado, o pai aceitou feliz o cinza como cor dos materiais não recicláveis. Dentro dos cestos cinza eram colocados pregos, tachinhas, guardanapos, porcelanas, cabos de panela e tudo o mais que não podia ser reaproveitado.

Daniel gostava de brincar com o nome arco-irís, mas sabia que o melhor nome para o lixão era aterro sanitário. Afinal, agora, o terreno do lixão estava sofrendo um monte de reformas para causar menos danos à natureza. A mudança que deixou o menino mais aliviado foi a colocação de um material no chão que não deixava que o Chorume e outros materiais perigosos penetrasse no chão e contaminasse as águas subterrâneas.

Mas o lixão era apenas um dos lugares da cidade de Flora do Sul que tinha sofrido um monte de mudanças. A escola, por exemplo, também se transformara. As palestras sobre coleta seletiva e outras informações para sobre o aproveitamento do lixo não aconteciam mais só nas emergências, quando da vez que pobres cães e gatos quase viraram monstros devido ao Chorume, todo mês o senhor Engenho dava várias aulas para ensinar as pessoas. A primeira coisa que ele ensinava era que todos precisavam ver o lixo de modo diferente. Em vez de pensar nele como uma coisa inútil, descartável e indesejável, as pessoas precisavam aprender a conseguir o melhor proveito dele, por exemplo, reaproveitando materiais.

 Outra novidade da escola era a feira do lixo; nela todos os alunos eram convidados a mostrar ideias criativas de como lidar com o lixo. Todos os participantes recebiam um broche no formato de latinha de lixo feito com metal reciclado pela associação de catadores. As ideias eram divididas em três grupos: aquelas para reduzir a produção de lixo, o segundo grupo era os das ideias para reutilizar coisas que normalmente iam para o lixo e por último, vinha o grupo das ideias para reciclar o lixo. Antes de aprender a palavra reciclar Daniel falava reaproveitar; era o que a empresa de seu pai fazia.

Além dos lugares, as pessoas também estavam se transformando. Todo mundo depositava o lixo, nos cestos com diferentes cores da coleta seletiva. Quem quisesse podia até procuar, mas não iria encontrar mais lixo a céu aberto. Até ir ao supermercado em Flora do Sul mudou, as pessoas levavam sacolas de pano para carregar as compras e não se usava mais as famosas sacolinhas de plástico; que se jogadas no lugar errado demoravam até cem anos para desaparecerem.

Logo, Flora do Sul ficou famosa no mundo inteiro. Tinha cidade que era famosa pelo melhor sorvete, outra pelas uvas mais roxinhas, algumas pelas coisas mais pequenas, e a cidade de Daniel ficou conhecida com a capital do lixo; aonde se produzia menos lixo e mais se reaproveitava aquele lixo que não tinha como ser evitado (afinal, é impossível para as pessoas viverem sem produzir pelo menos um pouquinho de lixo).
No meio de tantas transformações positivas, uma, Daniel não considerava nada boa: PP, seu amigo urubu tinha desaparecido! Durante várias semanas, o menino tinha dado seu assobio segredo que só os urubus escutam e nada, nem PP nem nenhum de seus parentes respondia ao chamado. Claro que PP tinha ido embora por causa das melhorias no lixão, agora não havia mais sujeira a céu aberto vindo das casas, fábricas ou hospitais e o urubu deve ter ido procurar suas fontes de comida na natureza. Era ótimo que PP agora se alimentasse de comida natural, mas ele fazia tanta falta.

A saudade imensa fazia Daniel lembrar-se do dia em que encontrou o amigo de penas. Ele e Sapeca estavam andando pelo lixão e viram um ninho sob o Sol. Ao lado de um ovo quebrado havia uma coisinha careca e depenada que fazia um enorme barulho. Depois de encontrarem a avezinha, o menino e seu cachorrinho ficaram escondidos esperando que os pais daquele estranho pássaro voltassem. O tempo foi passando, passando até que chegou de noite. Daniel foi para casa e pediu ao Sapeca que passasse a noite viagiando o filhote e não deixasse que nada lhe acontecesse. Pela manhã, o fiel cachorro estava lá e também o pássaro recém-nascido; só os pais deste é que não estavam.

Então, Daniel tomou uma decisão e levou o pássaro para casa. Sua mãe, dona Fátima, quando viu o filhote disse que aquilo era um urubu e que Daniel deveria devolvê-lo à natureza pois aqueles animais não podiam ser capturados, mantinham o ambiente limpo. Seu João Antunes se ofereceu para voltar ao ninho do filhote com o filho para devolver o pequeno urubu a seus pais. Mas se passou uma semana, na qual pai, filho e cachorro iam todo dia ao lugar, deixavam o bichinho lá e esperavam, esperavam. Por fim, o pai de Daniel percebeu que se eles não cuidassem da ave órfã, ela morreria.

Nos primeiros dias, embora não tivessem dito isso para o filho, os pais de Daniel acharam que o pássaro não iria sobreviver. Eles não sabiam direito como alimentar um urubu filhote em casa, mas o bichinho parecia mágico, comia banana, mamão, pão e qualquer outra coisa que colocavam na sua boca. Em pouco tempo eles descobriram que não seria por falta de alimento que o animal não conseguiria crescer.

Depois muita coisa aconteceu enquanto o urubuzinho era cuidado por Daniel e Sapeca. Primeiro, foi a dificuldade de escolher um nome bacana até que dona Fátina disse que aquele bicho de tão pequeno era até bonitinho para um urubu; ficou sendo PP de pequeninho, pequenino. Engraçado foi Daniel tentando ensinar PP a cantar. O menino colocava o rádio ao lado do pássaro, mas não tinha jeito, ele não cantava. Só fazia um barulho estranho. Dona Esperança, a professora de Daniel, disse que a culpa da ave não cantar não era dela: urubus não tinham uma uma tal siringe, o órgão vocal das aves. PP não cantava, mas Daniel e Sapeca se divertiam ouvindo ele crocitar, esse de acordo com a professora era o som dos urubus.

Três meses depois, o urubuzinho pequenino, pequenino transformou-se no carinhoso PP. Assim que aprendeu a voar, o urubu encontrou outros de sua espécie e passou a caçar alimentos com eles. Mas sempre respondia a um assobio o menino criou enquanto cuidava do PP órfão. O assobio foi batizado de assobio secreto que só os urubus escutam.

Tudo isso foi há quase três anos, antes do aparecimento dos bichinhos do lixo, do Chorume e todas as transformações no jeito de cuidar do lixo que melhoraram Flora do Sul e a vida de seus moradores. Agora PP tinha ido embora. O senhor Engenho disse que talvez ele tivesse ido formar sua própria família; era assim que as coisas aconteciam na natureza. Podia ser, mas Daniel e até Sapeca, sentia uma falta danada de PP.

Quando já estavam de férias da escola, quase no natal, Daniel, Cezinha e os meninos do Educandário estavam brincando com Sapeca. Depois de correr atrás do próprio rabo a coisa que o cachorrinho mais gostava era perseguir alguma bolinha arremessada para longe. Era a vez de Porfírio Pé Ligeiro jogar a bolinha de tênis. Pensando em fazer o Sapeca ir bem longe e ver a velocidade das quatro patinhas que corriam como oito, o menino mandou a bola bem alto. Ninguém viu direito para onde ela foi porque Porfírio Pé Ligeiro mandou a pelota em direção ao Sol.

Sapeca correu, correu, mas a bolinha não caiu em lugar algum. A garotada toda começou a procurar pela bolinha de tênis pensando que ela poderia ter caído numa árvore, estranho era que no meio do campinho de futebol não tinha árvore alguma! Então, Daniel ouviu aquele barulho para alguns que não passava de um grito estranho de um pássaro, mas que para ele era uma música tão bonita que fez seu coração acelerar: era PP crocitando. No pico, trazia a bolinha de tênis que soltou e Sapeca logo pegou, depois claro de dar umas belas lambidas de saudade no amigo.

Daniel abraçou seu amigo e como sempre fazia acariciou sua careca. Mas PP estava diferente: maior, tinha a cabeça e o pescoço pintados de vermelho, amarelo e laranja. Tinha a parte superior amarelo-claro e a cauda e asas pretas. PP tinha se transformado num rei, num urubu-rei. Daniel e todos os outros meninos ficaram impressionados com a beleza de PP. Depois de receber mais alguns carinhos daquele que o criara. Ele deu bicadas carinhosas e seu amigo, crocitou três vezes e voou.

Daniel sentia que era a última vez que veria seu amigo, mas agora não estava mais triste parecia que uma mágica preenchia seu coração e ele sabia que seu amigo seria sempre feliz. PP foi voando, em círculos, cada vez mais alto até que por fim desapareceu.

Trezentos anos de Daniel nascer, uma fadinha penteava os cabelos na margem de um rio enquanto segurava um espelho na mão. Olhando para o céu ela viu algo chegando, era seu amigo pássaro. Quando o animal pousou ele o saudou:

_ Que bom que voltou, meu amigo. Como é mesmo que o Daniel o chamava, PP? Eu gosto desse nome. Bem, agora que você já foi ao futuro já sabemos que nosso plano vai dar certo. O urubu crocitou concordando.

Então a fadinha disse algumas palavras mágicas e seu espelho deixou de refletir seu rosto, começou a mostrar todas as árvores e plantas que estavam por perto. Em seguida ela enterrou o objeto no chão e disse:

_ Você irá ajudá-los a se lembrar como a natureza é bela.

Próximo dali, do outro lado do rio, algumas famílias tinham acabado de construir suas casas: as primeiras de muitas que iriam formar a bela cidade de Flora do Sul.

FIM

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