Fazia dois meses que
os bichinhos do lixo tinham ido embora e Daniel estava muito feliz. A separação
do lixo em cestos de vime ajudou seu pai a começar a resolver o problema do
lixão, trabalho que o prefeito tinha lhe encomendado. Por causa de Daniel e
Sapeca boa parte daquilo que era jogado no lixão podia ser reaproveitado.
Daniel e Sapeca
continuavam indo todos os dias para a escola. Claro que o cachorrinho esperava
pelo dono do lado de fora da sala de aula. Mas não era só o pai dele que estava
feliz, a curiosidade de Daniel começou a ser alimentada por aulas muito
interessantes onde ele aprendia sobre aquilo que seu pai estava trabalhando, o
lixo.
Daniel descobriu,
por exemplo, que o papel era feito de árvores e que toda vez que o papel retirado
do lixo e guardado nos cestos azuis era reaproveitado várias delas deixavam de
ser cortadas. Mil quilos de papel de lixo poupavam a vida de até vinte árvores!
Outros tipos de
lixo se reaproveitados também economizam recursos da natureza. O vidro guardado
nos cestos verdes diminuia o uso de areia, matéria-prima para aquele material.
Já o lixo dos cestos vermelhos, o plástico, reduzia a necessidade de petróleo,
outro recurso natural que uma vez usado, ia acabando.
Nos momentos que não estava estudando Daniel
explorava o lixão tentando reencontrar os coloridos bichinhos do lixo, mas não
os encontrava. Seu João Antunes e seus funcionários também não avistaram mais
as criaturinhas comedoras de detritos.
Enquanto satisfazia
sua curiosidade, o prefeito contratava mais pessoas para ajudar o pai de Daniel
na separação do lixo. Mas tinha algo que atrapalhava o serviço de aproveitar o
lixo: os restos de comida, de frutas, de legumes, de folhas, as migalhas de
pão, os gravetos e um monte de outros materiais vindos das casas das pessoas.
Diferente do
plástico, papel, vidro e metal, o lixo vindo as casas apodrecia, ficava
estragado. E quando isso acontecia, acabava estragando também o lixo que podia
ser reaproveitado e trazia dinheiro para a cidade de Flora do Sul. Era uma
pena, mas no lixão, boa parte de tudo que chegava das casas era esse material
que apodrecia e não, aquilo que podia ser reaproveitado.
Enquanto os
adultos tinham suas dificuldades para separar o lixo, Daniel descobriu outro problema
grave causado pelo lixo que apodrecia. Antes, com os bichinhos do lixo, as
águas ficavam polúidas com diferentes cores todas vezes que eles bebiam. Agora,
outra coisa estranha começou a acontecer: um misterioso líquido negro e mal
cheiroso começou a poluir os rios e lagoas próximos ao lixão. Nem Daniel nem
seu pai sabiam de onde vinha aquele líquido; era hora de pedir ajuda.
Daniel pediu
emprestado o celular do pai e ligou para o amigo, o senhor Engenho. Ele tinha
passado os últimos meses tentando sem sucesso descobrir a origem dos bichinhos
do lixo. Depois de cumprimentar o pequeno amigo que já não via há algum tempo,
o senhor Engenho disse a Daniel que estava viajando e demoraria ainda a voltar.
Quando ouviu do menino sobre o líquido negro o estudioso senhor Engenho disse
para que ele tivesse cuidado: poderia ser o terrível Chorume.
O senhor Engenho
nunca tinha visto o Chorume, parecia que o monstro era só uma lenda, mas as
pessoas acreditavam que ele era um líquido negro que surgia em locais onde tinha
lixo. Como ele aparecia ninguém sabia, mas o senhor Engenho pediu ao garoto para
que avisasse ao pai e os outros funcionários da prefeitura para tomarem cuidado
porque se o líquido fosse o Chorume, todos corriam perigo.
As águas
continuassem ficando escuras e mal cheirosas ninguém conseguia achar a origem
do problema. Um dia Daniel deu o seu assobio secreto que só os urubus escutam e
seu amigo, o urubu PP, veio voando lá do alto do céu. Após fazer muito carinho
na careca de seu amigo PP, Daniel pediu a ave que voasse pelo enorme lixão
procurando qualquer líquido preto que encontrasse; ele e Sapeca sairiam
procurando a pé.
Os dias foram
passando e mesmo com a ajuda de PP, Daniel não achava de onde vinha o líquido
negro. Numa manhã antes da escola, ele e Sapeca saíram para continuar a busca.
Quando já era quase hora de se arrumar para a aula, o cachorrinho começou a
cavar e latir sem parar. Logo, surgiu do chão um espelho! Claro que o vidro
estava todo sujo e não dava para se ver refletido nele. Mas dava para saber que
aquele não era um espelho igual aos que sua mãe tinha em casa; o que Daniel
achou parecia ser muito, muito antigo.
Para não se
atrasar para a escola, Daniel decidiu que ia mostrar mais tarde o achado de Sapeca
para o pai. Aproveitando a aula sobre cuidados sobre o lixo, ele perguntou à
professora se era possível que uma coisa de vidro ficasse enterrada por muito
tempo sem se desfazer. Aí veio a surpresa: o vidro poderia ficar milhares de
anos enterrado sem se estragar! A professora aproveitou para dizer que o vidro
não era o único problema, um simples ciclete jogado na terra por descuido
poderia demorar cinco anos para se sumir!
Aquelas
informações deixaram Daniel espantado porque ele sempre achou que as coisas
encontradas no lixão tinham sido jogadas lá há pouco tempo. Na verdade, muitas
coisas poderiam ficar poluindo o ambiente por anos! O espelho que que ele
encontrou era um exemplo de coisa antiga; talvez tivesse sido enterrado até
pelos homens da caverna!
Quando estava
voltando para casa, Daniel descobriu que aquele seria um dia de boas surpresas,
PP voava em círculos sobre ele e Sapeca; o urubu queria que o menino o
seguisse. Correndo atrás de seu amigo voador Daniel chegou a uma parte do lixão
cheia de restos de alimentos estragando; o cheiro era horrível, mas PP parecia
muito contente com aquele perfume.
Então, Daniel viu
que aonde os restos de comida já estavam bastante estragados, acumulava-se um
líquido negro e mal cheiroso. PP tinha descoberto a origem da contaminação dos
rios! O terrível líquido aparecia por causa do apodrecimento dos restos de
carne, frutas, outras comidas e folhas. Assim que ia aparecendo o líquido ia
escorrendo pela terra, um pouco entrava pelo chão enquanto outra parte corria
até o rio mais próximo, poluindo-o.
Como todo mundo
sabe, onde tem comida estrada tem moscas e outros bichinho voando e ali também
tinha. Mas, o incrível era quando uma mosca, vagalume ou borboleta caia sobre o
líquido preto, sofria uma incrível transformação: virava um daqueles incríveis
bichinhos coloridos comedores de lixo!
Após se
transformar, o bichinho colorido voava, voava sobre o lixo e, acaba caindo para
voltar a ser só uma mosquinha, vagalume ou borboleta. Daniel entendeu todo o
mistério: os restos de comida apodrecida, produzinham o líquido negro e este
produzinha os bichinhos coloridos do lixo. Como agora, o pai de Daniel e seus
funcionários tinham separado todo papelão, plástico, metal e vidro, os
bichinhos coloridos não tinham o que comer e perdiam a transformação que o líquido
negro tinha produzido neles!
“Nossa” – pensou
Daniel – “quanta coisa só por causa dos alimentos estragados”.
_ Vamos, Sapeca.
Temos de contar para o papai sobre o perigo do lixo que estraga.
Assim que o menino
e seu cachorrinho saíram correndo do local cheio de resto de comida estragando,
o líquido preto começou a borbulhar. O Chorume tinha ouvido Daniel e não podia
deixar que ele e as outras pessoas acabassem com os restos de lixo que o
alimentavam. Mergulhando por baixo da terra do lixão o líquido negro partiu a
toda velocidade para se vingar dos humanos.
Como pegou carona
num rio subterrâneo que corria sobre o lixão, o Chorume chegou no lugar em que
seu João Antunes e outros estavam antes de Daniel. Sem aviso, o líquido negro
mal cheiroso começou a borbulhar do chão e foi cercando os pobres
trabalhadores; o monstro não deixaria ninguém atrapalhá-lo.
_ Olhem, o quê é
isso? – gritou um dos catadores funcionários da prefeitura. Quando seu João
Antunes e os outros olharam eles estavam cercados pelo líquido negro que se
aproximava perigosamente deles; o Chorume iria cobri-los com seus gases
tóxicos, sufocando a todos!
Então, Daniel e
Sapeca chegaram. Ao ver o pai e seus amigos cercados pelo ameaçador Chorume, o
garoto começou a gritar por socorro. Mas, infelizmente, não tinha ninguém ali. O
Chorume já tinha alcançado os pés de seu João Antunes e os outros, mas por
enquanto os homens resistiam pois usavam botas, luvas e outros equipamentos de
proteção para mexerem no lixo; eles só não conseguiriam lutar contra o gás do
Chorume quando o líquido preto tivesse subido neles e alcançado seus narizes. Alguns
dos homens já começava a tossir sentido o maligno gás produzido pelo monstro.
Deseperado, Daniel
jogou a mochila da escola no chão, caiu sentado e começou a chorar; o espelho
que estava na bolsa caiu ao lado do menino. A pobre Sapeca sem saber como
ajudar o dono, começou a fazer o que sempre fazia quando estava feliz ou
nervosa: correr atrás do próprio rabo.
Cercados pelo
Chorume os homens gritavam desesperados e Daniel chorava ainda mais, suas
lágrimas eram tantas que começaram a inundar o vidro do espelho antigo. Então,
Sapeca parou de realizar a impossível tarefa de pegar a própria cauda e
começou, primeiro, a latir para o espelho e depois, a lambê-lo. Daniel percebeu
algo incrível no espelho: enquanto Sapeca o lambia ele não refletia a imagem do
cachorrinho, mas mostrava uma bela e verdejante paisagem cheia de árvores. Sem
acreditar, o menino apanhou o espelho e olhou diretamente nele; continuava não
refletindo quem estava de frente para ele, só mostrava uma paisagem. Assustado,
Daniel jogou o espelho para o lado. Quando o vidro do espelho ficou de frente
para um monte de lixo, imediatamente, ramos começaram a surgir onde antes só
havia coisa suja!
O cérebro de
Daniel começou a fervilhar e ele teve uma grande ideia: apanhou o espelho e
jogou-o sobre o Chorume que já subia acima da cintura de seu pai. De repente o
líquido negro fedido começou a rugir de um jeito assustador. No momento
seguinte, um lado daquele rio de substância negra que era o monstro começou a
se transformar em ramos e flores enquanto a outra parte tentava voltar para o
chão fugindo; mas não deu, a transformação feita pelo espelho foi tão rápida
que todo o Chorume virou planta antes de conseguir fugir. O senhor João Antunes
e outros funcionários da prefeitura estavam salvos!
Passados a tosse e o susto do pai, Daniel
contou-lhe que o Chorume vinha do resto de alimentos e outros lixos domésticos.
Falou também que foi graças ao Chorume que os bichinhos coloridos que se
alimentavam de lixo tinham surgido. O pai disse a Daniel que se tinham acabado
com as criaturinhas coloridas separando os diferentes tipos de lixo também
começariam a separar os restos de alimentos para evitar que um novo monstro
Chorume fosse criado. Seu João Antunes também quis saber sobre o incrível
espelho mágico que o tinha salvo, mas ninguém foi capaz de encontrá-los em meio
ao jardim que tinha surgido no lugar que antes era o Chorume. O mais velho dos
catadores de lixo disse que quando chegou ali ainda criança, há muitos anos, o
lugar que hoje era o lixão tinha os mesmos tipos de plantas que o espelho
criou.
Uma semana depois,
o senhor Engenho voltou de suas palestras sobre cuidados com o lixo nas cidades
da região. Já o prefeito de Flora do Sul ficou muito satisfeito com seu João
Antunes e seus outros funcionários. Graças ao trabalho deles, menos árvores
tiveram de ser cortadas na região; claro, os rios e lagoas também voltaram a
ter sua aparência saudável. Outra coisa boa do trabalho deles foi que o lixão
parou de aumentar de tamanho porque agora parte do lixo não ficava mais ali,
era reaproveitado.
Já Daniel e Sapeca
foram convidados pelo senhor Engenho para ajudá-lo em suas palestras sobre o
lixo para as pessoas da região; afinal, aquela dupla sabia das coisas.
FIM
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