sábado, 10 de julho de 2010

Inferno


No início, quando foi combinado que os pecadores incorrigíveis deveriam ter seu lugar de danação eterna, o inferno parecia a solução perfeita. Almas, estivessem elas presas à carne ou não, tremiam ao imaginarem as torturas eternas as quais seriam submetidas se saíssem dos trilhos. E as coisas funcionaram assim por éons. Aos poucos, porém, os lamentos e gritos das almas condenadas foram perdendo força. Por paradoxal que possa parecer, a noção de que um mesmo castigo só era interrompido tempo suficiente para que se delimitasse a fronteira entre o anterior e o próximo começou a anestesiar as almas. Como medida de emergência foi aberta uma exceção e os condenados foram transferidos entre os diferentes círculos do inferno; assim receberiam novos castigos. Isso deu certo, mas só por um tempo.


Claro que não é segredo que os Homens tentam compensar sua ínfima quota de vida experimentando as mais diversas situações. Mas a alma, constituída por um material indelével, deveria suportar a maçante eternidade. Quem sabe mesmo a vida humana sendo tão fugaz ela seja tempo demais para a alma passar encarcerada num corpo mortal de barro? O certo é que a repetição dos mesmos castigos para todo o sempre tornou apática a alma daqueles cujos pecados eram pesados demais para serem perdoados pelo ato do arrependimento. E assim, o inferno foi vencido pelo tédio. Contrariado, o ex-anjo da luz decidiu consultar o único capaz de aconselhá-lo; aquele que consentiu que tudo fosse criado, o inferno inclusive. Com uma polidez que só o pai celestial teria para com seus desafetos, o senhor do inferno foi informado que deveria resolver seus próprios problemas. O paraíso também estava em crise; o rebanho do senhor não estava imune à mesmice. O tédio que havia em cima, havia embaixo.


O acusador não sabia o que fazer; se as almas do inferno continuassem ganhando em insensibilidade logo uma rebelião se instauraria. A solução óbvia para superar o tédio era a inovação: criar novos castigos. Mas o inferno era grande e tradicional demais para mudar assim, com dizem, de uma hora para outra. Seria preciso tempo e dedicação, mas como se as almas não paravam de chegar? Por não ser onisciente, onipresente e onipotente, durante a reforma, o chefe do inferno poderia no máximo cuidar das almas que já estavam sob seu comando, mas não dar atenção às recém-chegadas.


Decidido ele disse:


_ Ao diabo com as novas almas! Aqui elas não entram! A partir de agora o inferno é a Terra.

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