sábado, 10 de julho de 2010

Os iNCOMUNICÁVEIS



No passado, os sinais de que a água estava subindo foram ignorados; primeiro passamos a esquecer coisas banais como os números de telefone de nossos amigos e dos não tão conhecidos. Logo a enxurrada tomou conta de nossas agendas. Então, quando tudo o que se referia às nossas vidas passou a ser registrado em telefones celulares, as águas do rio Lete iniciaram a conquista de nossas entranhas.


Entretanto, antes que a possibilidade de um futuro fosse tragada, líderes visionários instituíram a ordem dos iNCOMUNICÁVEIS. Se a maioria das pessoas só era capaz de decorar que tudo o que precisa lembrar estava registrado no celular, os iNCOMUNICÁVEIS desconheciam a existência de tais máquinas. Foram separados de suas famílias na tenra infância para que assim fosse. A eles cabia a tarefa vital de alimentar as máquinas que mantinham a memória coletiva em funcionamento.


Assim, qualquer necessidade humana era atendida a partir dos ensinamentos sagrados contidos nos downloads executados pelos celulares. Para os que caíam vítimas do impulso primitivo do sexo “177 maneiras de enlouquecer uma mulher/homen na cama”. “Como fazer amigos e influenciar pessoas” para os solitários. “A dieta do doutor Atkins” para os preocupados com silueta. E até a “Origem das espécies” como consolo teológico. A vigilância eterna dos iNCOMUNICÁVEIS impulsionava o coração do mundo.


Mas se a memória do homem comum fora afogada, sua estupidez salvou-se subindo em algum ponto elevado de sua mente. As divergências políticas continuavam. As guerras e o terrorismo idem. A diferença é que as facções em luta já não lembravam porque brigavam; mas sabiam que a luta tinha de continuar.


Cientes de que a espécie humana era como um infante sob sua carga e que o fim de sua ordem seria o maior prêmio para as facções terroristas, os iNCOMUNICÁVEIS isolaram-se num mosteiro situado no cume da montanha mais alta da Terra.


Décadas depois, um jovem iNCOMUNICÁVEL divisou um corpo caído enquanto coletava ervas para o jantar. Logo o corpo revelou-se uma garota; diferente de todas que o neófito já vira em sua ordem. Tocado pelo estado da pobre criatura decidiu levá-la ao mosteiro. Extenuada pelo esforço de subir até a montanha mais alta do mundo a garota disse que sua hora havia chegado mas que o rapaz precisava completar-lhe a missão: levar uma caixa para o líder dos iNCOMUNICÁVEIS. Após fazê-lo prometer que cumpriria seu desejo a garota deixou sua essência esvair-se num último suspiro. Cumprindo seu destino o garoto entregou a caixa a seu líder e todos da ordem conheceram o plano de 600 minutos.

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