sábado, 10 de julho de 2010

O sabonete do perdão




No começo acreditou-se que tudo não passava de uma brincadeira, mas pouco a pouco as informações confirmaram o improvável. Segundo diziam, a história começara com o sócio majoritário de uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo. Sabendo-se portador de uma doença terminal o homem investiu toda sua fortuna na busca de uma cura; aparentemente seus pesquisadores concentraram esforços num meteorito. A investigação não obteve a cura para o bilionário moribundo, mas ele não poderia estar mais satisfeito. Afinal, do que valia toda uma vida nesse mundo mediante a certeza da felicidade eterna? Descobriu-se que um dos componentes do meteorito era capaz de remover totalmente os pecados de qualquer pessoa, não importando quão graves eles fossem. Eis o improvável acontecimento a que todos se referiam.

Certo de que a rocha celeste fora enviada pelo próprio criador, o empresário passou a acreditar que antes de partir deveria compartilhar sua descoberta com o maior número possível de pessoas. Esse número porém, estava limitado à quantidade do componente milagroso que foi possível purificar a partir do meteorito. Feitas as estimativas, conclui-se que apenas alguns milhões de pessoas poderiam ser beneficiadas. Depois de muito refletir o doente empresário decidiu que os felizardos a terem seus pecados removidos seriam os cidadãos de sua saudosa terra natal.


No dia seguinte o homem já estava em seu país de origem e fez divulgar na imprensa local que todos os cidadãos nascidos naquela terra teriam sua cota de pecados removida. Aquele seria o povo escolhido por Deus; uma nação livre do pecado.


Confrontado com o problema de como distribuir o componente milagroso para cada pessoa o empresário recebeu a seguinte sugestão de um de seus assessores: fornecer o material na forma de um sabonete. O jovem assessor explicou sua proposta dizendo que nada poderia ser mais simbólico do que obter o perdão dos pecados por meio de um banho capaz de lavar não só o corpo mas também o espírito. A idéia foi recebida com grande entusiasmo pelo empresário que batizou o projeto de sabonete do perdão.


Confeccionados os sabonetes, divulgou-se em cadeia nacional que no dia do aniversário da pátria todos receberiam o seu sabonete. Como toque final, as pessoas tomariam banho aproximadamente na hora em que o país foi instituído.


Os informes sobre o sabonete do perdão causaram grande comoção. Os gulosos planejaram sua última orgia alimentar no que foram seguidos pelos avaros que se deleitaram com a derradeira verificação de suas posses. Os irados por sua vez apanharam seus carros e saíram em disparada em busca daquela que seria a última confusão no trânsito caótico das grandes cidades. Os invejosos se juntaram aos vaidosos a fim de que, respectivamente, cada um deles pudesse descarregar sobre o outro o seu defeito moral. Os devotos da luxúria dividiram-se entre bordeis, sites pornográficos e divertimentos solitários. Os preguiçosos, por sua vez, não fizeram nada e ficaram em casa.


Apesar da preocupação inicial do empresário, os sabonetes do perdão foram suficientes para todos os pecadores da nação. Contribuiu para isso a recusa de alguns milhares de indivíduos em receber o material de higiene espiritual: segundo diziam estavam isentos de pecados. O fato de crianças com menos de dois anos terem sido poupadas também ajudou.


Com a nação de posse de seus sabonetes chegou a hora do banho purificador; em pouco tempo milhões de pessoas mandaram seus pecados pelo ralo. Após seu próprio banho, o empresário responsável por tudo pôde descansar em paz sabendo que ele e seus conterrâneos foram purificados.


Passadas algumas semanas, a nação que supostamente deveria estar livre de ofensas para com o criador fundou a primeira democracia mundial do pecado. Todos os seus cidadãos, sem exceção, acabaram por consumir as águas de lençóis freáticos ricos na mais variada coleção de pecados.

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